sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

INFORMAÇÃO E CONSCIÊNCIA

Do site de Marina Silva, artigo publicado na Folha de S.Paulo 
Fiquei contente, no ano passado, quando soube que uma brasileira residente no Canadá desenvolveu um aparelho para identificar substâncias alergênicas e agrotóxicas nos alimentos que consumimos. É bom saber que tais informações, hoje obtidas por especialistas em laboratórios sofisticados, podem estar à disposição de todos por meio de um instrumento de fácil manejo.
Não tenho uma visão salvacionista da tecnologia, mas acho que pode ser um instrumento para democratizar a informação e ajudar nas decisões da sociedade. Em nosso país temos o exemplo estarrecedor da desinformação sobre agrotóxicos. Há estimativas de que cada brasileiro consome, em média, 5,3 litros de substâncias que podem contaminar o leite materno, causar distúrbios hormonais, câncer de mama e de próstata, entre outros males.
É evidente que há controle econômico das informações. Afinal, a venda de agrotóxicos alcançou, em 2010, US$ 7,3 bilhões. O Brasil é campeão, consome 20% do agrotóxico produzido no mundo. É o paraíso dos grandes laboratórios, que aqui vendem vários produtos proibidos na Europa e EUA.
A liberação e fiscalização está a cargo do Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama, mas sofre restrições políticas e pressões econômicas. As decisões são tomadas longe da sociedade. Por exemplo, Anvisa e Ibama perderam em 2013 a competência legal de declarar emergência fitossanitária com um decreto presidencial (regulamentando uma lei oriunda de Media Provisória). Três dias depois da publicação do decreto, foi declarada uma emergência e dada autorização para importar toneladas de veneno produzido por um grande laboratório.
A bancada ruralista, em acordo com o governo, quer criar um órgão nos moldes da CTNBio para analisar a liberação de novos agrotóxicos.
As batalhas são nos bastidores. De um lado está a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que congrega os fabricantes). Do outro, estão Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Fundação Oswaldo Cruz e Instituto Nacional do Câncer, que fazem pesquisas com alertas preocupantes sobre os efeitos dos agrotóxicos no organismo humano.
A contradição é evidente. A sociedade cria mecanismos de transparência e controle democrático, ampliados pela tecnologia muitas vezes desenvolvida de forma colaborativa. Os governos tomam posição oposta, defendendo acentuadamente os interesses da oferta.
Consciência, compromisso com a qualidade de vida e o ambiente saudável, inovações tecnológicas que dão poder aos cidadãos, essas são as condições para que todos possam influir nas decisões públicas, para dar a palavra à demanda por mais respeito à vida.
Se não defendemos nossa saúde, quem o fará?
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de S.Paulo.
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