Artigo de Marco Antonio Villa, O Globo
O governo perdeu a capacidade de governar. A cada mês, desde
a posse, o espaço de governabilidade foi se reduzindo. Hoje, luta
desesperadamente pela sua sobrevivência. Qualquer ato, por menor que seja, está
mediado pela necessidade de preservação.
Efetuou uma reforma ministerial com o único intuito de ter
uma base segura no Congresso Nacional. Em momento algum analisou nomes tendo
como base a competência. Não, absolutamente não. O único pensamento foi de
garantir uma maioria bovina. E, principalmente, impedir a abertura de um
processo de impeachment.
O articulador deste arranjo antirrepublicano foi o
ex-presidente Lula. Ele assumiu o protagonismo, reuniu lideranças partidárias,
ditou mudanças políticas e econômicas e apresentou à presidente a nova composição
de forças.
Foi louvado pela imprensa chapa-branca. Parecia que a
escuridão estava no fim. Teria aberto o caminho da governabilidade, isolado os
opositores e pavimentado a sua eleição, dada como certa em 2018.
Ledo engano. A reforma ministerial fracassou. Uma semana
depois, o panorama no Congresso Nacional é o mesmo — ou até pior. E Lula foi o
grande derrotado. Na última quinzena, somou diversas derrotas. Foi acusado de
vários crimes — lavagem de dinheiro, corrupção passiva, formação de quadrilha,
entre outros — pelo jurista Hélio Bicudo.
Dias depois foi divulgada a notícia de que, em 2009, uma
medida provisória que beneficiava montadoras de veículos teria sido vendida, e
um dos seus filhos supostamente recebido R$ 2,4 milhões.
Em seguida, duas revistas semanais revelaram que Lula teria
praticado tráfico de influência internacional em Gana e na República da Guiné
Equatorial, favorecendo empreiteiras brasileiras e que o tríplex na Praia do
Guarujá foi reformado por uma grande empreiteira.
O presidente, que se autoproclamava o mais importante da
História do Brasil, que, em 2010, estava em dúvida se seria candidato a
secretário-geral da ONU ou a presidência do Banco Mundial — sem contar aqueles
que queriam indicá-lo ao Prêmio Nobel da Paz — passou a evitar locais públicos,
ficou refugiado em auditórios amestrados e foi homenageado com bonecos
representando-o em situações constrangedoras.
A crise deve se prolongar. O projeto criminoso de poder —
sábia expressão do ministro Celso de Mello, decano do STF — não consegue
conviver com o Estado Democrático de Direito e fará de tudo para permanecer no
governo, custe o que custar.
Ou seja, se for necessário jogar o país na pior crise
econômica do último meio século, o fará sem qualquer constrangimento. Se for
preciso estender a crise política até a exaustão, não pensará duas vezes — fará
com satisfação.
Se for indispensável ameaçar com uma crise social —
acionando movimentos mantidos com generosas verbas oficiais — agirá desta forma
sem pestanejar. Neste caso, a dúvida que fica é se aliados de travessia — como
o capital financeiro — vão manter seu apoio — que rende lucros fabulosos — a um
governo que pode levar o país a uma conflagração, jogando brasileiros contra
brasileiros.
O perfil da crise atual não tem relação com nenhuma outra da
nossa história. É algo muito particular. Os acontecimentos de 1992, por
exemplo, tiveram como foco central denúncias de corrupção que, nos moldes do
projeto criminoso de poder, parecem, como diria um ex-presidente, “dinheiro de
pinga.”
A renúncia de Fernando Collor — o impeachment, vale lembrar,
não ocorreu — tem relação direta muito mais com o caminho econômico-político
preconizado quando da posse do presidente, em 15 de março de 1990, relacionado
à profunda modernização do Estado e de suas relações com a sociedade, do que
com as acusações de corrupção — algumas comprovadas e que não envolviam
diretamente o presidente.
Ou seja, ter retirado privilégios de empresários de diversos
ramos, de artistas e intelectuais, de funcionários públicos e de empresas e
bancos estatais, entre outros, e de se recusar partilhar a máquina pública para
obter apoio no Congresso, foram fatais. Com este leque de adversários, o que
causa estranheza é que seu governo tenha durado tanto tempo.
A crise atual é mais profunda. A política é mero pretexto
para o enriquecimento pessoal e uso do Estado como meio de distribuir
prebendas, algumas milionárias, ao grande empresariado. O PT cumpriu o dito
marxista: transformou o Estado em comitê central da burguesia.
Nos dois governos Lula, isto foi possível devido à
conjuntura econômica internacional, às reformas adotadas nas gestões FH que
deram frutos depois de 2002, ao estabelecimento de uma máquina burocrática
controlada por comissários do partido, à compra de apoio na imprensa, no meio
artístico, entre pseudointelectuais e a omissão da oposição parlamentar. Mas o
que era doce acabou.
Na última quinzena, o governo foi sucessivamente derrotado.
Em um só dia, na última quarta-feira, colecionou três fracassos: no Congresso
Nacional, no STF e no TCU. Mas, como se diz popularmente, “não quer largar o
osso.” Isto porque o partido não sobrevive fora do Estado.
Criou um estamento de militantes-funcionários que vivem,
direta ou indiretamente, de recursos públicos. São os parasitas da estrela
vermelha. E são milhares. A maioria nunca trabalhou — ou está distante décadas
do mercado formal de trabalho.
O projeto criminoso de poder caminha para o isolamento. Vai
ser derrotado. Mas a agonia vai até quando? Empurrar a crise para 2016
significa uma irresponsabilidade histórica. A sociedade quer ser livrar do
governo. Mas onde estão os novos governantes? E, principalmente, o que pensam
sobre o Brasil?
Marco Antonio Villa é historiador – via Blog do Noblat
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