Artigo de Fernando Gabeira
Deixo Brasília com a sensação de que nada muito importante
acontecerá antes do carnaval. Mas a crise sempre pode surpreender. Muitos ainda
não sabem se vão receber a visita de Papai Noel ou do japonês da Federal. Mas a
verdade é que o cerco se está fechando sobre o PT e seus aliados.
A semana foi marcada por manifestações contra o impeachment.
Foram menores que as outras. E os analistas se apressaram a concluir que o
governo respira. O interessante é que há uma sensação de alívio nesta frase: o
governo respira. O pensamento político brasileiro se estreitou. Respirar apenas
passa a ser uma qualidade do governo.
Governos existem para resolver problemas atuais e encaminhar
soluções futuras. As previsões de queda do PIB aproximam-se de 4% em 2015.
Somadas às crises política, ambiental e sanitária, é preciso ser um analista
panglossiano para achar tranquilidade nesta frase: o governo respira.
Um pouco escondido pelos empurrões e cotoveladas no
Congresso, o cerco policial continua a fechar-se em várias frentes. Duas novas
investigações avançam. Uma delas é sobre a transposição do Rio São Francisco,
megaobra muito combatida na sua origem. A Polícia Federal encontrou indícios de
desvios de R$ 200 milhões em apenas dois trechos da obra. Há mais uma dezena
deles.
A escolha da transposição nasceu mais da vontade de Lula de
se inscrever na História do que do próprio exame das alternativas. A Agência
Nacional de Águas (ANA) produziu um estudo sobre a região e um projeto bem mais
barato de cisternas e melhoria da distribuição água. Independentemente da
escolha, a verdade é que estão roubando o dinheiro que matará a sede das pessoas,
dos animais e irrigará as plantações numa das áreas mais pobres do Brasil.
Outra frente: investigações na Hemobrás. Em Pernambuco
produziram o espetáculo dantesco de maços de notas voando pela janela. Somente
os médicos parecem ter-se dado conta da gravidade e lançaram uma nota cobrando
transparência na Hemobrás.
Estão roubando a água e o sangue de populações pobres. Quem
se apresenta para defender isso em nome da causa, da esquerda ou do diabo a
quatro?
O governo respira. O que inalam seus pulmões comprometidos?
A Polícia Federal apresentou um manuscrito de José Carlos Bumlai, o amigo de
Lula. O título é: 2010, o Ano Dourado.
As cifras dos negócios de Bumlai estão lá. BNDES, Petrobras,
milhões pra cá, milhões pra lá, a página amarelada em que Bumlai contabiliza os
ganhos do ano é uma peça histórica, se examinada no contexto de um empresário
que tinha entrada livre no Planalto.
Outro anel do cerco foi a revelação das contas da Agência
Pepper, que atende ao PT. Transferências diretas da Andrade Gutierrez para a
Pepper foram registradas: R$ 6,8 milhões no ano em que a agência cuidava da
conta de Dilma nas redes sociais. De outra empreiteira, a Queiroz Galvão, a
Pepper recebia grana numa conta da Suíça.
O governo respira os gases envenenados da corrupção que
emanam a cada investida da Polícia Federal, a cada novo documento revelado.
Os que veem com tranquilidade o governo num balão de
oxigênio deveriam calcular um pouco melhor a quantidade do gás e o tamanho do
percurso. E enfrentar a questão crucial: no horizonte de outro ano depressivo,
com os problemas se agravando, um governo que apenas respira é um obstáculo. O
ato de respirar, que hoje parece uma qualidade, pode tornar-se um lamento:
apenas respira, coitado.
Leio e, às vezes, entrevisto pessoas contrárias ao
impeachment. Na maioria são afirmações de respeito ao resultado das eleições.
Quase não tenho visto argumentos demonstrando que Dilma tem capacidade de
conduzir o País para fora da crise. Poucas pessoas acreditam nisso. Talvez nem
a própria Dilma acredite. O governo não atrai quase ninguém para sua esfera.
Seu principal esforço é evitar que o grande aliado, o PMDB, o abandone.
A falta de credibilidade, os impasses no Parlamento, tudo
contribuiu, por exemplo, para que o mercado se animasse com a possibilidade da
queda de Dilma. Nem todas as posições do mercado são racionais. Num caso
arrastado como esse, tiveram tempo de avaliar e parecem ter concluído que com
Dilma não dá.
Apesar dos tumultos na Câmara, a semana revelou forte
tendência pelo impeachment, com a vitória da chapa da oposição para conduzir o
processo. Uma visão temerosa conduziu ao voto secreto. Minha impressão é que
mesmo com voto aberto o resultado seria animador. O que importam alguns votos a
menos, se isso é um processo?
Para os teóricos do balão de oxigênio, os deputados e
senadores podem ter-se impressionado com a queda das manifestações.
Francamente, o que decidiria agora uma grande manifestação? Os parlamentares
vão para o recesso. Uma parte deles viaja, outra fica aqui, no Brasil: a influência
cotidiana dos eleitores será muito mais forte.
Alguns observadores acham eles que voltarão com a faca nos
dentes. Não sei se tanto. Com um palito não voltarão.
Independentemente das surpresas que dezembro ainda nos possa
trazer, caminhamos para um novo ano sem resolver as questões essenciais da
crise.
Um olhar externo ao Brasil diria que a performance nacional
foi débil. O ponto culminante da crise foi o pedido do impeachment. Não importa
o que o Supremo decida, é uma realidade no calendário do ano que vem.
Por ironia, um pedido aceito por Eduardo Cunha, uma das
pessoas que não sabem se vão receber o Papai Noel ou o japonês da Federal.
Mas o calendário independe de Cunha. O processo vai rolar
num clima de inflação, desemprego galopante, desastres ambientais e epidemias.
Alguns passam até em branco, como o incêndio que destrói parte da Chapada
Diamantina.
As nossas colunas avançadas que observam o Palácio do
Planalto continuarão dizendo da porta do gabinete presidencial: ainda respira.
E nós, por acaso, ainda respiramos?
Artigo publicado no Estadão em 18/12/2015
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