O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados
nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio
de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas
não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.
Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não
precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam
mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês – contrataram uma empresa
americana – que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e
só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.
Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o
Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em
defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que
nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que
defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da
imprensa.
Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma
prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas
para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço
de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao
seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário
nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me
O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá
conta de que a porta está aberta.
O problema central é que Dilma não sabe tocar esse
instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas
do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez
carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era
um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de
comunicação.
Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta
semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma
esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses
furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao
excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da
rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade
contra a universalidade.
Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos
dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal
Lampião.
Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de
Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa
de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em
outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir
seus projetos com o interesse nacional.
Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de
bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras
vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica
da crise política.
Se analisamos a política externa do período, vemos que o
Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em
Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.
Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o
Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um
incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem
violência.
Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é
político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não
compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento:
intensificar a propaganda em São Paulo.
Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo
contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria
esmagadora que o rejeita.
Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de
ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no
futuro, teria razões para se preocupar.
A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais
duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos,
não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais
energia?
As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos
depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma
das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o
mordomo.
Um governo que recusa a realidade, crise econômica que
caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT
são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.
Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam
pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam
cada vez mais inteligentes.
Eles continuam à venda no mercado internacional. O
secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na
internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs
seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.
Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao
contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula
sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.
Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do
projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o
ministro contando picaretas no Congresso.
É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma
sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso
levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a
morrer exangue.
Artigo publicado no Estadão em 27/03/2015