Por Ruth de Aquino, Época
Quase todos estão no vermelho no Brasil real. E isso explica
a ampla rejeição ao governo Dilma. Explica também o apoio da maioria dos
brasileiros à saída da presidente da República – seja pelo impeachment, seja
pela cassação de sua chapa com novas eleições, seja por sua renúncia. A voz das
ruas, das pessoas mais simples – as que não têm tempo, estudo ou dom para
discussões eternas, técnicas ou ideológicas, sobre esquerda, direita,
legalidade de grampos, obstrução da Justiça e condução coercitiva –, é a seguinte:
“O Brasil precisa voltar a andar”.
Mesmo na crise, os gastos do governo Dilma continuam a
aumentar, e isso inclui as despesas com funcionários públicos. Não é pedindo ao
Congresso aval para um rombo de R$ 96,65 bilhões em 2016 que Dilma vai
recuperar o apoio popular perdido. Números podem ser chatos de ler, mas não dão
margem a interpretações mirabolantes de juízes, ministros, parlamentares,
petralhas ou coxinhas. A meta do governo era um superavit de R$ 24 bilhões. Só
que o azul virou vermelho. É a cor mais quente, a que demonstra o maior crime
de responsabilidade contra o país. É a cor do Planalto e das contas dos
brasileiros.
O governo está no vermelho profundo, como lava fumegante de
vulcão. Mas o nome de Dilma endividada não irá para a lista negra do SPC –
somente os nomes dos brasileiros comuns e sem foro privilegiado, que não podem
apelar ao Supremo Tribunal Federal. Esse deficit do governo federal está
subestimado, porque não leva em conta os R$ 6 bilhões da renegociação da dívida
com os Estados. Além disso, todos os planejamentos do ministro Nelson Barbosa
contam com a injeção, no caixa, de uns R$ 10 bilhões da CPMF. Companheiros e
companheiras, o rombo do governo Dilma este ano deve superar os R$ 100 bilhões.
É o descrédito na capacidade desse governo de recuperar ou estabilizar a economia
que acentua a insatisfação geral e as olheiras de Dilma. Não é só o nojo com a
corrupção.
O golpe que pode derrubar Dilma é o que freou a mobilidade
social dos pobres e da classe média. Ao depositar o voto na urna, acreditavam
que subiriam na vida e que seus filhos e netos poderiam estudar em boas escolas
e ser alguém. Poderiam ser bem tratados em hospitais. O golpe da gestão
incompetente de Dilma rasgou as bandeiras sociais do próprio PT. Desde 1992, o
Brasil registrou pela primeira vez, em 2015, a combinação de queda de renda e
aumento da desigualdade.
O desemprego recorde em sete anos, de 8,2% no mês de
fevereiro, atinge quase 10 milhões de brasileiros. É muita gente que acreditou
no Partido dos Trabalhadores. Eles estão na busca frenética de trabalho e
dormem nas filas do seguro-desemprego, que torturam quem está ali ao exigir
documentos de décadas atrás para conceder o benefício. Ouvir depoimentos de
quem busca seu direito legítimo ao seguro-desemprego é uma aula para entender a
impopularidade de Dilma. Só em janeiro e fevereiro, 428 mil vagas de trabalho
foram destruídas, 40% delas no comércio.
A desculpa do governo para descumprir a meta, jogar pelos
ares o ajuste fiscal e assumir gastos irresponsáveis é um primor: “Achamos que
neste momento o governo tem de atuar para estabilizar a economia”, disse Nelson
Barbosa. Quem, em sã consciência, acredita que pode estabilizar alguma coisa
contraindo dívidas e mais dívidas? Se a Odebrecht tem uma central de propinas
para caranguejo, avião, nervosinho, drácula, lindinho, passivo, proximus,
atleta, grego, múmia, viagra, feira, há, no Palácio do Planalto e em seu
Ministério da Fazenda, uma central para imprimir dinheiro e disseminar
mentiras.
A convulsão mais sangrenta no Brasil não é política, mas
econômica. A Petrobras fechou 2015 com prejuízo de quase R$ 35 bilhões e uma
dívida de quase R$ 500 bilhões. A recessão levou 277 indústrias a fechar as
portas. Trabalhadores ocupam instalações de empresas que decretaram falência. O
protesto não é pela esquerda nem pela direita. Eles não empunham bandeiras do
Brasil nem muito menos vermelhas. Querem sua dignidade de volta. Não querem só
comida, mas até o alimento anda escasso.
O menino que deixou um saco de paçoquinhas no meu espelho
retrovisor lateral por R$ 2,00 me comoveu, embora seja ilegal e arriscado o
magrelo correr em meio aos carros na avenida. Não gosto de paçoca, mas as
palavras na etiqueta eram: “Quem dorme sonha. Quem trabalha conquista”. Abri a
janela do carro e comprei o doce de amendoim, torcendo para ele não ser
atropelado e voltar para casa. Seria bom se sonho e trabalho fossem garantidos
a ele. Era hora de aula. Deveria estar na escola, não é mesmo, Dilma?
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