Da Veja
A cena acima resume a realidade de um partido político que
surgiu como esperança de renovação, apresentou-se como baluarte da ética e
terminou como uma organização criminosa, cercado pela polícia. Ainda estava
escuro na quinta-feira passada quando homens do Grupo de Pronta Intervenção, a
Swat da Polícia Federal, isolaram a rua onde funciona o Diretório Nacional do
PT, no centro de São Paulo. Os agentes estavam cumprindo um mandado judicial,
em busca de provas contra uma quadrilha que, durante cinco anos, embolsou 100
milhões de reais em mais um esquema de corrupção. Nada a ver com os intrincados
desfalques contra a Petrobras, a Eletrobras, os Correios, a Infraero, os fundos
de pensão das estatais e sabe-se lá o que mais. Dessa vez foi, pode-se dizer,
um assalto direto: o Partido dos Trabalhadores tomou o dinheiro de milhares de
servidores públicos ativos e inativos - e, luxo de sadismo, justamente os mais
endividados.
A presença de policiais armados de fuzil e metralhadora
vigiando a entrada da sede do PT pareceu exagerada, mas era apenas precaução
considerada necessária pelo serviço de inteligência da PF. Era ali, na sede
nacional, que despachava o notório Delúbio Soares, o tesoureiro do mensalão.
Dali, mais tarde, saíram as primeiras ordens do igualmente notório João Vaccari
Neto, preso e condenado por gerenciar o caixa do dinheiro arrecadado das
empreiteiras em troca de contratos na Petrobras. Na sede do PT, como demonstram
as investigações até aqui, política e corrupção conviveram em simbiose.
Ao ingressarem no prédio, os agentes estavam orientados a
buscar cofres ou compartimentos secretos que pudessem ser usados para esconder
documentos e guardar dinheiro. Explica-se o procedimento: em depoimento à
Justiça, um dos empreiteiros confessou ter entregado pessoalmente no diretório
várias malas com dinheiro - sugerindo que poderia haver cofres ocultos no
prédio. Para garantirem o sigilo e evitarem surpresas, corruptos e corruptores
usavam senhas e contrassenhas. Há relatos também de entregas de dinheiro em
envelopes, mochilas e carros blindados. Um lobista contou ter levado à sede do
PT 500.000 reais no porta-malas do carro em 2012. Na busca da semana passada,
os cofres do partido estavam abarrotados apenas de papel e nenhum compartimento
secreto foi achado.
Na operação, batizada de Custo Brasil, a Polícia Federal, o
Ministério Público e a Receita Federal se debruçaram sobre um esquema de
corrupção montado no interior do Ministério do Planejamento. O alvo da rapina
eram funcionários públicos, pensionistas e aposentados endividados que
recorriam a empréstimos consignados, cujas prestações são descontadas
automaticamente em folha de pagamento. A cada parcela paga, os funcionários
desembolsavam em torno de 1 real a título de taxa de administração da
operadora, uma empresa chamada Consist, cuja sede fica em São Paulo. Como o
custo da taxa de administração não passava de 30 centavos, segundo estimativa
dos investigadores, os 70 centavos de superfaturamento irrigaram os cofres do
PT.
O esquema começou em 2010 e durou até 2015, quando a polícia
prendeu os primeiros envolvidos. Nesse tempo, de 70 em 70 centavos, o PT afanou
cerca de 100 milhões de reais pagos pelos funcionários públicos. Uma parcela do
dinheiro era destinada diretamente ao caixa dois do partido, gerido por João
Vaccari. A outra era dividida entre os petistas que executaram a tramoia.
O personagem mais ilustre da operação foi o ex-ministro
Paulo Bernardo, preso em Brasília no apartamento funcional em que mora com a
mulher, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Petista histórico, Bernardo
chefiou o Ministério do Planejamento no governo Lula. No governo Dilma, foi o
titular do Ministério das Comunicações. Tinha uma participação expressiva no
rateio da propina. Segundo os investigadores, dos 100 milhões arrecadados pelo
esquema, ele recebeu pelo menos 7 milhões. A lista de beneficiários inclui mais
figurões. Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência de Dilma, é outro envolvido.
Paulo Ferreira, ex-tesoureiro nacional do PT, também recebia uma parte dos
dividendos. Ele é o terceiro tesoureiro petista que cai na malha da polícia.
A propina, resultante dos 70 centavos de cada funcionário,
era distribuída por meio de contratos fictícios com empresas de consultoria e
escritórios de advocacia. Os investigadores suspeitam que o mesmo esquema, de
subtrair dinheiro de servidores em empréstimos consignados, exista em outros
governos. O caso do PT começou a ser tateado pelos investigadores da
Lava-Jato, mas, como não tinha relação direta com o esquema da Petrobras, o
caso foi remetido para a Justiça Federal em São Paulo. Preso, o ex-vereador
petista Alexandre Romano, também conhecido por Chambinho, confessou que era o encarregado
de gerenciar o golpe e entregou o nome de todos os envolvidos. Uma parte
relevante do caso está em Brasília, no Supremo Tribunal Federal, por envolver
parlamentares - entre eles a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-líder do PT José
Guimarães.
Há documentos comprovando que a senadora, que também foi
ministra da Casa Civil de Dilma e está sob investigação da Lava-Jato,
aproveitou-se do dinheiro junto com seu marido. Os investigadores descobriram
que o dinheiro afanado no esquema servia para pagar o motorista particular da
senadora, o aluguel de um loft em Curitiba, além do salário de funcionários e
até multas eleitorais. Outro que está encrencado é o deputado Marco Maia
(PT-RS), ex-presidente da Câmara. Como VEJA revelou no ano passado, o parlamentar
foi contemplado pela quadrilha com um belo apartamento em Miami. O imóvel,
registrado até recentemente em nome de uma offshore aberta por Chambinho, foi
revendido no mês passado. O esquema dos empréstimos consignados mostra que a
Lava-Jato está criando filhotes pelo país afora, o que certamente assusta os
envolvidos em corrupção, mas serve de alento para a população que torce por uma
faxina geral.
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