Como advogado, meu pai acreditava no poder da inteligência e
da razão para entender e explicar o mundo, resolver problemas e disputas, e
também para ajudá-lo em suas dúvidas metafísicas, que desafiavam sua
espiritualidade difusa, mas intensa. Ele queria acreditar em Deus, mas para
isso precisava entender a presença do mal no mundo, que não podia ser entendida
só com a razão, e mergulhou em profundas pesquisas sobre os demônios e seus
poderes. Sabia seus nomes (que não ouso repetir), hierarquias, atributos e
malfeitos, tornou-se quase um demonólogo. Mas não bastava.
O estudo do mal e de seus agentes não explicava sua presença
no mundo harmônico e amoroso de Deus, mas a trajetória dos anjos caídos o levou
a pesquisar com paixão intensa os seus opostos: os anjos de luz, os arcanjos
esplendorosos, os guardiões do bem contra a maldade satânica sobre os filhos de
Deus. Tinha centenas de livros em várias línguas sobre anjos e demônios. Mas
não tinha religião formal, detestava a intolerância e as políticas retrógradas
das igrejas. Muito ligado a dom Hélder Câmara, com quem fundou o Banco da
Providência, parecia que sua religião eram a caridade, a compaixão e a
tolerância.
As maiores e mais demoníacas matanças da história da
Humanidade foram, e continuam sendo, em nome de Deus. As legiões satânicas
parecem mais ativas do que nunca, e mais numerosas, conforme a pergunta
clássica que os exorcistas fazem aos endemoniados:
— Quem é você?
E a voz satânica rosna, ameaçadora:
— Meu nome é legião.
São legiões de legiões, que, no mundo inteiro, em Brasília
certamente, enfrentam os anjos de luz, de bondade, de amor e de paz.
É difícil acreditar nisso? Difícil é acreditar no Brizola,
no Collor e no Lula... rsrs... dizia meu pai, mas o Brasil acreditava.
Um dia, me disse que, depois de anos e anos de estudos
metafísicos e filosóficos, usando toda sua inteligência e lógica, o rigor de
seus argumentos, chegara à conclusão inexorável que virou nossa lei:
— Fazer o que tem que ser feito.
Todo mundo sabe o que tem que ser feito. Mas muitos não
fazem. Esperam que outros façam.
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