Rasheed Abou-Alsamh, O Globo
Nesses tempos de ânimos exaltados e sentimentos
ultranacionalistas, nem o Brasil foi capaz de escapar da onda da direita
política que está varrendo o mundo.
Do fato de a líder da extrema-direita Marine Le Pen
conseguir um terço dos votos no segundo turno das eleições presidenciais
francesas à eleição de Donald Trump nos EUA e suas tentativas de impedir a
imigração de cidadãos de sete países muçulmanos, o mundo está menos acolhedor.
Na noite do dia 2 de maio, manifestantes do grupo Direita
São Paulo e do Movimento Brasil Livre desceram a Avenida Paulista com cartazes
protestando contra a nova Lei de Imigração, que só precisa da assinatura do
presidente Michel Temer para entrar em vigor.
Essa nova lei vai substituir a legislação atual, chamada de
Estatuto do Estrangeiro, que data de 1980. Esse estatuto vê estrangeiros como
um problema de segurança nacional, ou como ameaça à nação.
A nova lei trata estrangeiros como sujeitos com direitos,
seguindo a Constituição de 1988, que determina que brasileiros e imigrantes
sejam tratados igualmente.
Vale notar que essa nova lei teve o apoio de todos os
grandes partidos, com 43 votos a favor no Senado, e somente quatro contrários.
Os manifestantes carregavam cartazes xenófobos e
islamofóbicos, dizendo “soberania não se negocia” e “não temos terrorismo
islâmico”.
Quando passaram em frente ao escritório da Presidência da
República em São Paulo, houve um confronto com um grupo de árabes que estava na
calçada. Os árabes disseram que foram agredidos fisicamente primeiro pelos
manifestantes, e os manifestantes afirmam o contrário. Em todo caso, pelo menos
uma bomba caseira foi lançada no meio do tumulto e feriu a perna de um
manifestante. Uma briga feroz se seguiu, com os dois lados se batendo o
bastante para deixar um refugiado árabe, chamado Nur, com o nariz quebrado e
sangrando.
A polícia interveio e deteve apenas Nur e Hasan Zarif, líder
do grupo Palestina para Tod@s e dono do espaço cultural Al Janiah. Foram
levados para uma delegacia, onde Hasan foi detido e isolado por mais de seis
horas, sem poder ter contato com amigos ou advogados.
Nur foi encaminhado para a Polícia Federal. Mas o que mais
impressiona foi o fato de que os ativistas da Direita SP tiveram livre acesso à
delegacia, e parece que o delegado aceitou a versão deles como a verdadeira.
“Eu e o advogado Hugo Albuquerque fomos os primeiros a
chegar à DP. O refugiado palestino estava com as mãos algemadas para trás,
encostado na parede, sangrando muito e sendo inquerido por um policial”,
disse-me Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais na PUC-SP. “Um
advogado tentou se aproximar, mas foi impedido pelo policial.
O refugiado não fala português, e não havia tradutor. Hasan
ficou incomunicável por cerca de seis horas. Os advogados só puderam conversar
com ele depois que chegou um representante da OAB.”
“Quando chegamos à delegacia, vimos vários manifestantes do
Direita SP circulando livremente. Presenciei também a fala de um dos policiais
atacando o projeto de lei. Há despreparo em relação à avaliação do que é crime
de ódio. A página desses grupos faz pregação sistemática contra refugiados e
imigrantes, associando islamismo a terrorismo,” explicou Nasser.
No dia seguinte à altercação, membros da Direita SP
publicaram um vídeo numa rede social, alegando mostrar Zarif lançando um
coquetel-molotov contra os manifestantes. Tentei falar com Zarif, mas sem
sucesso. O advogado dele, Hugo Albuquerque, me disse que vai pedir a perícia do
vídeo. “Vamos tomar, sim, as providências necessárias. Todas as alegações têm
de ser provadas na sua existência (materialidade) e agente causador (autoria)
definidos. E muito disso demanda perícia.”
Albuquerque lamentou que manifestações como esta venham
sendo autorizadas pelas autoridades. “A manifestação, de cunho xenofóbico e
racista, era expressamente contraria à população árabe e muçulmana. Já não
tinha sido a primeira vez que acontecia, sendo autorizada e tolerada pela
polícia — que não só não fez nada, como ainda tomou partido dos manifestantes
contra os palestinos,” disse o advogado. “Mas o que é certo é que a narrativa
oficial que coloca os palestinos como agressores é mentirosa e fantasiosa. Os
manifestantes de extrema-direita nem fizeram questão de esconder isso.”
Mas a questão que paira sobre tudo isso é: por que este
discurso de ódio contra muçulmanos e árabes é aceito em São Paulo? É um
incentivo à violência contra pessoas baseado nas suas origens étnicas e
religiosas, coisa proibida pelas leis brasileiras. Usar a velha desculpa de
“liberdade de expressão” não vale neste contexto.
A vereadora Sâmia Bomfim (PSOL), representante da Comissão
de Direitos Humanos na Câmera dos Vereadores de São Paulo, disse ao G1 que
tinha ido à delegacia para ter certeza de que os direitos dos estrangeiros e
brasileiros detidos fossem garantidos. Mas ela também questionou por que o
discurso de ódio do Direita SP não estava sendo investigado.
“Questionei se houve uma investigação do lado dos
manifestantes, que, segundo relatos, estavam pregando discurso de ódio, com
discurso anti-imigrante. Mas ele (o delegado) disse que não houve flagrante
nenhum sobre eles,” disse ela ao G1.
Eu não aprovo o uso da violência, e acho que isso tem que
ser investigado a fundo. Mas grupos da direita não podem continuar com esse
discurso paranoico, ridículo e xenofóbico. Não há terrorismo islâmico no
Brasil, e acho que nunca haverá. Esses manifestantes assistiram demais a
episódios da série “24 Horas”, e deveriam ser punidos severamente por
incentivar a violência contra imigrantes.
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