Sem alarde, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) esvaziou
um programa que prevê transformar ruas em espaços de lazer aos domingos e
feriados –com liberação das pistas para os pedestres e fechamento para os
carros.
O projeto criado sob Fernando Haddad (PT) foi iniciado pela
avenida Paulista, em 2015, e, após críticas de que só priorizava a região
central, acabou expandido para outras 28 vias espalhadas pela cidade. O petista
promulgou uma lei oficializando a ação dias antes de sair do cargo.
Neste ano, parte dessas vias, em regiões distintas (zonas
norte, oeste e central), não tem mais sido aberta para pedestres e fechada para
carros aos domingos e feriados.
Em alguns casos, a ação tem sido feita de forma intermitente
–a avenida Sumaré, em Pinheiros (zona oeste), por exemplo, esteve liberada para
veículos nos últimos dois domingos. Em outros, a suspensão já atinge um mês.
A Folha conversou com moradores e usuários de cinco ruas, de
diferentes bairros, afetadas pelas mudanças. Eles dizem que a interrupção
ocorreu sem aviso prévio. Em um caso, após reclamação, a prefeitura regional
afirmou que a ação estava suspensa.
A reportagem ouviu de funcionários nomeados pela gestão
Doria que estão sendo discutidas mudanças no projeto, batizado por Haddad de
Ruas Abertas, e até a possibilidade de acabá-lo. Questionada, a prefeitura nega
a intenção.
"A impressão que dá é que estão fazendo um desmonte sem
alarde", afirma a arquiteta Paola Paes Manso, 47. Ela costumava frequentar
com os filhos a rua Engenheiro Luiz Gomes Cardim Sangirardi, na Aclimação
(região central).
Paola afirma que levava os filhos até a via para andar de
bicicleta, já que no parque da Aclimação, ao lado, esse tipo de prática é
proibida.
"Eu estou perto da Paulista, mas na rua aberta o
público é diferente. A gente encontra vizinhos, pais da escola do bairro,
propicia de uma humanização do bairro", diz.
Ela conta ter procurado vereadores e a Prefeitura Regional
da Vila Mariana. Ali, recebeu a informação sobre a suspensão do programa.
Neste domingo (7), a reportagem visitou a avenida. Pelo
asfalto só passavam carros, e pedestres corriam na calçada.
No Jardim Peri (zona norte), moradores afirmam que a avenida
Koshun Takara, em um ano, virou o mais importante espaço de lazer do bairro.
Alguns levavam um saco com objetos para brincadeiras, como
cordas e giz para pintar o chão. Deixavam as crianças brincando na rua, sem se
preocupar com o perigo de atropelamento.
"Primeiro deixaram de colocar o cavalete na rua em
alguns fins de semana. Depois, deixaram de tirar. Faz um mês que o pessoal da
CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] parou de vir. É uma grande perda para
nós", afirma o técnico de informática Roberson Miguel, 34.
Na avenida Sumaré, a suspensão do fechamento da via para
lazer nos últimos três dias em que isso deveria ter ocorrido (dois domingos e o
feriado de 1º de maio) levou moradores a se queixarem em redes sociais. Eles
dizem também que não houve avisos. Depois da Paulista, a avenida era uma das
que mais recebia pedestres e ciclistas.
Na av. Paulista, a ação foi marcada por polêmica, devido à
resistência principalmente de comerciantes –que diziam temer a perda de
clientes.
AJUSTE
O vereador José Police Neto (PSD), da Comissão de Política
Urbana da Câmara Municipal, foi procurado por moradores dos bairros preocupados
com o possível fim do programa, que ele diz considerar importante "porque
mostra que a rua quando não tem carros tem outras utilidades".
Integrante da base de Doria, ele diz, no entanto, que não
acredita se tratar de um esvaziamento do programa, mas de fase de
"ajustes".
"O projeto tem seus méritos e competências e, em alguns
casos, pode ter erro na aplicação, de não conseguir fazer o projeto de
comunicação e por conta disso não ter o público esperado", diz.
Para Camila D'ottaviano, professora de urbanismo da USP e
pesquisadora do uso de ruas por pedestres, o projeto deu certo em poucos meses.
"Existe uma grande demanda por espaços públicos na cidade. Seria uma pena
que acabasse", afirma.
OUTRO LADO
A gestão João Doria (PSDB) negou, em nota, a intenção de
acabar com o programa Ruas Abertas, mas, questionada, não explicou o motivo
para a iniciativa ter sido suspensa em diferentes ruas.
Em relação à avenida Sumaré, a prefeitura afirmou que não
fechou a rua para carros no dia 30 (domingo) e 1º (segunda-feira) devido aos
eventos programados para festejos do Dia do Trabalho. "A CET priorizou os
eventos de maior concentração de pessoas, inclusive a abertura da avenida
Paulista para as atividades de lazer", afirmou.
A gestão Doria não informou, porém, a razão para a via não
ter sido liberada aos pedestres (e fechada aos carros) no último fim de semana.
A administração diz que o programa será retomado no próximo domingo na via.
A reportagem também não obteve resposta sobre a suspensão da
ação em diversos finais de semana nas seguintes vias: Engenheiro Luiz Gomes
Cardim Sangirardi (Aclimação), Henrique Chamma (Itaim Bibi), Luiz Dumont
Vilares (Santana) e Koshun Takara (Jardim Peri).
A gestão Doria convocou audiência sobre a realização do
programa na Medeiros de Albuquerque, em Pinheiros (zona oeste), devido a
reclamações que diz ter recebido.
Na campanha, Doria se comprometeu a manter o programa
Paulista Aberta, que fecha a avenida para carros, mas não mencionou se tinha
planos de fazer o mesmo em relação às outras vias.
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