Ao afastar de forma drástica o diretor do FBI, James Comey,
o presidente Donald Trump demitiu o homem que pode tê-lo ajudado a se tornar
presidente --e o que mais ameaçava potencialmente o futuro de sua Presidência.
Desde Watergate um presidente não demitia a pessoa que
comandava uma investigação contra ele, e a decisão de Trump no fim da tarde de
terça-feira (9) produziu comparações instantâneas com o Massacre de Sábado à
Noite, quando o presidente Richard Nixon ordenou a demissão de Archibald Cox, o
promotor especial que examinava o chamado arrombamento de terceiro grau que
acabaria derrubando Nixon.
Em sua carta informando a Comey que não comandava mais o
FBI, Trump fez questão de comentar que Comey havia dito três vezes ao
presidente que não estava sob investigação --a maneira de Trump negar de forma
preventiva que seu ato foi por interesse próprio. Mas na verdade ele tinha
muita coisa em jogo, já que Comey havia dito em público que o FBI estava
investigando a interferência da Rússia na eleição presidencial do ano passado e
a possível coordenação e associados de
Trump com Moscou.
A decisão surpreendeu membros dos dois partidos, que viram
nela um ato ousado que certamente inflamaria uma investigação politicamente explosiva.
Apesar de todos os seus atos não convencionais em quatro meses como presidente,
Trump ainda é capaz de chocar, e a ideia de demitir um diretor do FBI no meio
dessa investigação cruzou todos os limites da normalidade.
Trump pode ter
suposto que os democratas detestavam tanto Comey por causa de seus atos no ano
passado na investigação do servidor de e-mails de Hillary Clinton que apoiariam
a demissão, ou pelo menos concordariam com ela. Mas nesse caso ele calculou
mal, pois os democratas correram a condenar a medida e pedem que seja nomeado
um conselho especial para garantir que a investigação da Rússia seja
independente do presidente.
A medida expôs Trump à suspeita de que ele tem algo a
esconder e poderia tensionar suas relações com apoiadores republicanos que
podem temer defendê-lo sem conhecer todos os fatos. Muitos republicanos fizeram
declarações cautelosas na terça, mas
alguns expressaram relutância sobre a demissão de Comey e pediram um inquérito
especial do Congresso ou uma comissão independente que assuma as funções das
comissões da Câmara e do Senado que hoje examinam o caso da Rússia.
A indicação de um sucessor de Comey poderá provocar uma
disputa furiosa, já que qualquer pessoa que ele escolher ficaria
automaticamente sob suspeita. Uma luta de confirmação poderá facilmente
distrair a Casa Branca de Trump em um momento
em que ela quer que o Senado se concentre em aprovar legislação para revogar a
Lei de Acesso à Saúde do presidente Barack Obama.
Trump não ajudou seu
caso ao afirmar que estava demitindo Comey por causa do modo como tratou da
investigação dos e-mails de Hillary, já que quando candidato ele prometeu
jogá-la na prisão se fosse eleito. Poucos acharam plausível que o presidente
estivesse realmente incomodado pela decisão de Comey de anunciar publicamente
dias antes da eleição que estava reabrindo o caso, medida que Hillary e outros
democratas disseram que inclinou a votação para Trump.
"Está além da credulidade pensar que Donald Trump
demitiu Jim Comey pelo modo como ele lidou com os e-mails de Hillary
Clinton", disse em uma entrevista John Podesta, que foi o diretor da
campanha de Hillary. "Agora, mais que nunca, é hora de uma investigação
independente."
Podesta comentou que o secretário de Justiça, Jeff Sessions,
havia recomendado a demissão. "O secretário de Justiça que disse que se
recusou em todas as questões sobre a Rússia ter recomendado a demissão do
diretor do FBI encarregado de investigar a Rússia é importante", disse ele.
Defensores de Trump
disseram que seu ato não impedirá a investigação do FBI, que seguirá adiante
com agentes de carreira. "Isso não interrompe nada", disse na CNN Ken
Cuccinelli, um ex-secretário de Justiça da Virgínia e aliado de Trump. "A
ideia de que isso vai parar as investigações em andamento é ridícula."
Trump disse que agiu a conselho de Sessions, mas deixou
pouca dúvida sobre seus sentimentos pessoais em relação a Comey ou à
investigação da Rússia nos últimos dias. "A história de conivência
Rússia-Trump é uma farsa total, quando terminará essa charada paga com dinheiro
do contribuinte?", escreveu o presidente no Twitter na segunda-feira (8).
A comparação com Watergate era inevitável. Quando o promotor
especial Cox intimou Nixon a entregar cópias de gravações da Casa Branca, o
presidente ordenou que ele fosse demitido. Tanto o ministro da Justiça, Elliot
Richardson, quanto seu vice, William Ruckelshaus, se recusaram e depois
renunciaram. A terceira autoridade do Departamento de Justiça, o
procurador-geral Robert Bork, acatou a ordem de Nixon e demitiu Cox.
Os democratas viram
paralelos.
Isto é nixoniano", disse em um comunicado o senador
democrata Bob Casey, da Pensilvânia.
"Desde Watergate nosso sistema jurídico não era tão
ameaçado e nossa fé na independência e integridade desse sistema era tão
abalada", acrescentou o senador democrata Richard Blumenthal, de
Connecticut.
Até mesmo um antigo
aliado de Trump, Roger Stone Jr., traçou uma ligação ao defender o presidente.
"Em algum lugar Nixon está sorrindo", disse em uma entrevista Stone,
que trabalhou para Nixon e é um dos associados de Trump que enfrenta o
escrutínio do FBI.
"A credibilidade
de Comey foi atingida. A ironia é que Trump o viu falar sobre mexer na
investigação de Hillary, não na investigação da Rússia --e decidiu que estava
na hora de livrar-se dele."
Pelo menos um usuário do Twitter afirmou que Trump foi aonde
Nixon não tinha ido. A biblioteca presidencial de Nixon publicou uma foto dele
ao telefone com a mensagem: "FATO CURIOSO: O presidente Nixon não demitiu
o diretor do FBI #FBIDirector #notNixonian".
Desde Watergate, os presidentes relutaram em acusar
diretores do FBI, por mais frustrados que estivessem. A única exceção foi o
presidente Bill Clinton, que demitiu William Sessions em 1993 depois que
questões éticas foram levantas das
contra ele. Clinton foi acusado de agir politicamente. O sucessor que ele
nomeou, Louis Freeh, tornou-se uma dor de cabeça ainda maior para Clinton ao ajudar
o advogado independente Kenneth Starr a investigar o presidente. Mas Clinton
nunca se arriscou à reação política que teria ocorrido se demitisse Freeh.
Robert S. Mueller 3º
ameaçou demitir-se da direção do FBI durante o governo do presidente George W.
Bush se um programa de vigilância secreta que ele considerava ilegal fosse
mantido, e Bush recuou em vez de correr o risco do escândalo que isso teria
causado. Unindo-se a Mueller nessa ameaça, afinal, estava um vice-secretário da
Justiça chamado James Comey. Bush acabou revisando a justificativa jurídica de
uma maneira que foi aprovada por Mueller e Comey e permitiu que a vigilância
continuasse.
Timothy Naftali, um
ex-diretor da biblioteca presidencial Richard Nixon, disse que a demissão de
Comey por Trump não foi um paralelo direto com o Massacre de Sábado à Noite
porque ele não foi nomeado especificamente para investigar a campanha de 2016.
"Com ou sem
Comey, o FBI continuará investigando a campanha de 2016 em relação à
intervenção russa", disse Naftali. "Esse é outro tipo de erro. A
menos que o secretário Sessions possa provar malfeitos ou negligência grosseira
de Comey, o momento desse ato aprofunda ainda mais as suspeitas de que o
presidente Trump está encobrindo alguma coisa."
Do The New
York Times, via UOL
*Colaboraram Glenn Thrush, de Washington, e Maggie Haberman,
de Nova York. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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