Da ISTOÉ
Mais do que nunca, os olhares do mundo político e jurídico
estão voltados para as movimentações do juiz Sergio Fernandes Moro, da 13ª Vara
Federal do Paraná. Nos próximos dias, ele anunciará a sentença que condenará
Lula à prisão no caso do tríplex do Guarujá por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro.
O ex-presidente é acusado de ter recebido o imóvel da OAS
como contrapartida às benesses que a empreiteira obteve do governo no período
em que o petista esteve no poder. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o
ex-presidente foi beneficiado com pelo menos R$ 87,6 milhões dados pela OAS,
dos quais R$ 3,7 milhões foram usados por Lula no apartamento de três
pavimentos.
Conforme apurou ISTOÉ junto a integrantes da Lava Jato, o
petista vai pegar até 22 anos de cadeia – 10 anos por lavagem de dinheiro e 12
por corrupção passiva. No cronograma de Sérgio Moro só uma etapa o separa do
anúncio da condenação de Lula: a definição da pena a ser aplicada ao
ex-ministro Antonio Palocci, hoje preso.
A defesa de Lula está tão perdida nesse processo quanto o
próprio cliente. Sem argumentos sólidos para defendê-lo, os advogados do
petista apelam para o jogo sujo e chicanas jurídicas.
Chegaram ao desplante de afirmar que os procuradores
usariam, na acusação a Lula, a mesma teoria aplicada por Hitler em seu primeiro
discurso como chanceler da Alemanha na qual o ditador nazista defendeu a
“elasticidade dos veredictos”.
Ou seja, que a posição dos procuradores seria manifestamente
contrária às provas dos autos. Uma excrescência. Ao contrário do que alardeiam
os advogados do petista, o MPF dispõe de farta documentação e depoimentos que
demonstram que o ex-presidente ocultou a propriedade.
Nas alegações finais enviadas ao juiz Moro, na última
semana, o dono da OAS, Léo Pinheiro, atestou que o imóvel era mesmo de Lula.“O
tríplex nunca foi posto à venda e as reformas foram executadas seguindo
orientações dos reais proprietários do imóvel, o ex-presidente Lula e sua
esposa.
O projeto de reforma foi aprovado na residência do
ex-presidente”, escreve o advogado de Pinheiro, José Luiz Oliveira Lima. O
advogado esclarece na defesa da OAS que o tríplex, “bem mais caro do que o
apartamento que Lula tinha no local”, não saiu de graça. “Os gastos feitos eram
contabilizados e descontados da propina devida pela empresa ao PT em obras da
Petrobras. Tudo com a anuência de seu líder partidário (Lula)”, afirmou.
Apesar de todas as evidências de que cometeu vários crimes,
Lula, como todo acusado que cai nas garras da Justiça, insiste em alegar
inocência. Em entrevista a Rádio Tupi do Rio na manhã da última terça-feira 20,
o ex-presidente classificou de “piada” a peça acusatória dos procuradores da
Lava Jato. “Espero que o Moro leia os autos e anuncie para o Brasil a minha
inocência. Eu já provei que sou inocente. Quero que eles agora provem minha
culpa”, acrescentou.
Em nota oficial, os procuradores do MPF foram contundentes
ao rebater Lula. “A defesa do ex-presidente está usando recursos eticamente
duvidosos para atacar. Quer transformar um julgamento de crimes por corrupção
em julgamento político”, dizem os procuradores do MPF. Eles reiteraram que,
“apesar de todas as dificuldades para superar a impunidade, todo esse processo
pode restabelecer a crença de que é possível termos um País onde todos sejam
efetivamente iguais perante a lei”.
O imóvel efetivamente não se encontra no nome do
ex-presidente, mas a corrupção está fartamente provada, já que as benfeitorias
no imóvel aconteceram e constituíram uma contrapartida ao tráfico de influência
exercido pelo petista em favor da OAS.
Mesmo assim, a ideia era de que o apartamento fosse
transferido mais tarde para Lula. Segundo Léo Pinheiro, a transferência fazia
parte do acordo firmado com Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula e braço
direito do ex-presidente. A eclosão do escândalo, no entanto, alterou os
planos.
Na última semana, o advogado de Lula, Cristiano Martins
Zanin, mostrou que a defesa do petista veio para confundir, não para explicar,
como versava a famosa frase de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Segundo ele, o
imóvel havia sido transferido pela OAS para um fundo imobiliário da Caixa. O
blefe se transformou num tiro no pé.
De pronto, a Caixa esclareceu que o imóvel jamais lhe
pertenceu. “Ele foi dado pela OAS como garantia de uma operação de debêntures
com financiamento da Caixa, mas o imóvel continua sendo da empreiteira”,
afirmou a Caixa. O próprio dono da construtora, Léo Pinheiro, garantiu em
depoimento ao juiz Sergio Moro que o tríplex estava destinado a Lula e sua
família desde o início de 2010, ano em que a empreiteira assumiu as obras de
construção do Edifício Solaris, antes pertencente à Cooperativa dos Bancários de
São Paulo (Bancoop). Pinheiro fez questão de deixar claro que a OAS só aceitou
assumir as obras do Solaris porque soube, por meio de João Vaccari,
ex-tesoureiro do PT, que o então presidente Lula tinha imóvel no local.
Outras importantes testemunhas corroboraram a versão de Léo
Pinheiro. Entre elas, o ex-zelador José Afonso. Segundo ele, Lula esteve duas
vezes no imóvel, uma das quais acompanhado pelo dono da OAS. E agiu como dono
do apartamento, não como alguém que desejava visitá-lo na condição de futuro
comprador.
À ISTOÉ, o zelador chegou a dizer que testemunhou em 2014 a
ex-primeira-dama Marisa Letícia, mulher de Lula falecida em fevereiro, pedir a
engenheiros da OAS que construíssem o elevador privativo. “Como é que alguém,
que não é dono, pede a construção de um elevador?”, questionou Afonso. O
envolvimento de Lula nas práticas de corrupção tisnou sua imagem perante a
sociedade.
Em levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas no
Distrito Federal, 87,1% dos entrevistados garantiram que não votarão em
candidatos citados na Lava Jato. Na pesquisa, Lula é considerado “o mais nocivo
para o Brasil” para 37% das pessoas pesquisadas.
O ex-presidente foi denunciado em setembro de 2016 pelo MPF.
No mesmo mês, Sergio Moro aceitou a acusação, transformando-o em réu pela
quinta vez, afirmando que, dos R$ 3,7 milhões doados pela OAS ao ex-presidente,
R$ 2,2 milhões constituíram vantagens oferecidas a ele por meio do apartamento
164-A do Edifício Solaris, no Guarujá.
Nesse valor, estão incluídas as reformas feitas no imóvel de
300 metros quadrados, que passou a contar com um elevador privativo, cozinha
completa e área de lazer com piscina. Na denúncia formulada pelo MPF, Lula é
considerado “o comandante da corrupção” na Petrobras. Ou seja, o chefão da
quadrilha. “Lula dominava toda a empreitada criminosa, com plenos poderes para
decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Nos ajustes entre
diversos agentes públicos e políticos, marcados pelo poder hierarquizado, Lula
ocupava o cargo público mais elevado (…) Os atos de Lula, quando analisados em
conjunto, e em seu contexto, revelam uma ação coordenada por ele, desde o
início, com a nomeação de agentes públicos, comprometidos com o desvio de
recursos públicos para agentes e agremiações políticas, até a produção do
resultado, isto é, a efetiva corrupção (…) Lula é um dos principais
articuladores do esquema de corrupção que defraudou contratos da Petrobras”,
diz a denúncia assinada por 13 procuradores, incluindo Deltan Dallagnol, que
menciona Lula como um dos políticos que usou recursos da Petrobras para
enriquecimento ilícito.
O mais nocivo
Além da sentença de Moro no processo do tríplex, novos
revezes se descortinam no horizonte de Lula. Para convencer o MPF a aceitar um
acordo de delação premiada, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral promete
envolver o petista em mais uma falcatrua.
Entre as histórias que Cabral se dispôs a contar está uma
reunião, realizada em 2009 com a presença de Lula, em que o ex-presidente teria
autorizado o empresário Arthur César Soares de Menezes a pagar propina a
integrantes do Comitê Olímpico Internacional em troca da escolha do Rio de
Janeiro como cidade sede das Olimpíadas de 2016. Em março, o jornal francês Le
Monde já havia abordado o assunto.
De acordo com a publicação, o Ministério Público da França
descobriu que Arthur César Soares pagou US$ 1,5 milhão ao presidente da
Associação Internacional de Federações de Atletismo, Lamine Diack, três dias
antes da votação que confirmou o Rio como sede dos Jogos.
Incapaz de se reinventar, o petista insiste no surrado
discurso da vitimização. “Já provei minha inocência. Agora quero que provem a
minha culpa. Mexeram com a pessoa errada”, disse em tom de ameaça, tal qual um
capo mafioso. Não cola mais. Apesar de as investigações da Lava Jato atestarem
que toda a política nacional está corrompida, resta evidente que a corrupção
institucionalizada na era petista no poder não foi mera continuidade de um
sistema corrupto, como adora alegar setores da esquerda. Sem dúvida, existe um
“antes e depois de Lula”.
Não que a corrupção não existisse, por óbvio. Mas, sob o
petista, a bandalheira foi transformada em política de Estado. É como se o
Estado tivesse sido posto à venda. No governo dele e de sua sucessora, o
pentarréu valeu-se do discurso histórico de esquerda, qual seja, de
intensificação da intervenção do Estado na economia para angariar novas
oportunidades de negócio à cúpula petista.
O caso da exploração do pré-sal é emblemático. Por trás
daquilo que era apresentado como defesa do interesse nacional estava uma
intencional e bem articulada ampliação do Estado como balcão de negócios. A
serviço de um partido e de interesses particulares, como foi o caso do tríplex.
A realidade exposta pelos depoimentos colhidos por Moro é
pródiga em demonstrar que o mito do herói, cultivado pelo PT nos últimos
quarenta anos, serve melhor à literatura farsesca do que à política. Lula
exerceu papel determinante na construção da pior crise política, econômica e
moral da história recente do Brasil. Se ainda pairam dúvidas sobre qual caminho
o País deverá seguir em 2018, o lulopetismo já apresentou abundantes motivos
para o brasileiro saber qual trilha deve ser evitada.
Num artigo escrito, em 2004, para a Revista Jurídica do
Centro de Estudos Judiciários sobre a Operação Mãos Limpas ocorrida na Itália
nos anos 1990, o juiz Sérgio Moro a descreveu como “uma das mais
impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e
administrativa”. E acrescentou: “se encontram presentes várias condições institucionais
necessárias para a realização de ação semelhante no Brasil”. Estava certo o
magistrado. E a condenação de Lula, a ser confirmada também pela segunda
instância, será o seu apogeu, sem a qual a Lava Jato não terá feito qualquer
sentido.
Mãos limpas
No mesmo artigo, Moro analisou o caso de Bettino Craxi,
líder do Partido Socialista Italiano (PSI), primeiro socialista chefe de um
governo na Itália (1983-1987) e um dos principais alvos da Operação Mãos
Limpas. Moro sublinhou que Craxi, àquela altura já alvo de investigações e
depois de refutar várias vezes o seu envolvimento, reconheceu despudorada e
cinicamente, sem corar a face, o cometimento das práticas ilícitas em célebre
discurso no Parlamento italiano, em 3 de julho de 1992, servindo-se de argumentos
muito semelhantes aos utilizados pelo PT e por Lula: “Casos de corrupção e
extorsão floresceram e tornaram-se interligados. O que é necessário dizer e que
todo mundo sabe é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou
ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária, de jornais,
de propaganda, atividades associativas ou promocionais têm recorrido a recursos
irregulares”.
As coincidências não param por aí. Em dezembro de 1992,
Craxi receberia um documento de dezoito páginas no qual era acusado de
corrupção, extorsão e violação da lei de financiamento de campanhas. A base da
acusação era a delação premiada de Salvatore Ligresti, amigo pessoal de Craxi
preso em julho de 1992.
Dizia ele que o grupo empresarial de sua propriedade teria
pago cerca de US$ 500 mil desde 1985 ao Partido Socialista Italiano em troca de
favores. Em janeiro de 1993, chegou à residência do político o segundo aviso
com acusações de que a propina teria beneficiado não apenas o PSI, como também
a ele próprio. Um mês depois, Craxi renunciou ao posto de líder do partido.
Transformado em símbolo do que havia de pior na política
italiana, Craxi chegou a ser alvo de uma chuva de moedas ao andar pelas ruas de
Milão. Ao condenar Lula, Sergio Moro terá alcançado, ironicamente 13 anos
depois de ter escrito o artigo, a versão tupiniquim do corrupto italiano
Bettino Craxi.
Uma relação tão delicada
A JBS, que no início chamava-se apenas Friboi,
transformou-se na maior produtora de proteína animal do mundo graças ao governo
Lula, que deu mais de R$ 10 bilhões em empréstimos do BNDES com juros de pai
para filho ao grupo de Joesley Batista. Com essas mamatas todas, a JBS deu um
salto de 3.600% no faturamento durante o governo petista. Em 2006 faturava R$
4,7 bilhões e em 2016 passou para R$ 170,4 bilhões. Apesar de Lula turbinar os
negócios do amigo Joesley, o empresário vem tentando se esquivar desse
relacionamento mais do que próximo. A amizade era tanta que houve boatos de que
ele era sócio de um dos filhos de Lula.
Em entrevista à Época, na última semana, o empresário disse
ter se encontrado com Lula apenas duas vezes para conversas “republicanas”: em
2006 e 2013.
Mentiu. Afinal, no depoimento da delação premiada que o
próprio dono da JBS concedeu aos procuradores do Ministério Público Federal
(MPF) em Brasília, em março último, Joesley relatou diversas outras conversas
com Lula.
Um desses encontros, segundo Joesley, aconteceu em outubro
de 2014 na sede do Instituto Lula, quando o empresário alertou o ex-presidente de
que a JBS já havia doado R$ 300 milhões à campanha do PT , o que ele
considerava “perigoso”, caso viesse a conhecimento público. “Lula me fixou nos
olhos, mas não disse nada”, afirmou Joesley aos procuradores. Os encontros dos
dois, portanto, eram constantes. Os dois se falavam com frequência por telefone
também.
Coube ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) desmentir
Joesley. Em carta escrita de próprio punho da cadeia de São José dos Pinhais,
onde está preso desde o final do ano passado, Cunha disse que o dono da JBS
faltou com a verdade. “No dia 26 de março de 2016, sábado de aleluia (véspera
da Páscoa), houve um encontro entre eu, ele e Lula, a pedido do Lula, para
discutir o impeachment de Dilma”, diz Cunha na carta. Nessa reunião,
acrescentou Cunha, realizada na casa do empresário, “pude constatar que a
relação de Lula e Joesley era de constantes encontros”. O ex-deputado afirmou
que pode provar o que está falando por meio de recibos do aluguel dos carros
que utilizou em São Paulo para ir à casa de Joesley encontrar o ex-presidente
petista.
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