Da ÉPOCA
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava
particularmente desanimado, amargurado mesmo. “Se isso acontecer, mudo de
país”, disse, em um desabafo a pessoas próximas. A terça-feira, dia 20, era um
dia de desconfianças mútuas e múltiplas em Brasília. Era a véspera do
julgamento de um questionamento feito pelo governador de Mato Grosso do Sul, o
tucano Reinaldo Azambuja, sobre quem pode homologar uma delação premiada e se o
ministro Fachin deveria ser mantido como relator do caso JBS. Traduzida em
prática, a sessão do dia seguinte poderia arruinar as delações premiadas, uma
das razões do sucesso da Operação Lava Jato no combate à corrupção. Poderia
também inibir o surgimento de novos delatores, que formam fila no Ministério
Público Federal para contar a verdade em troca de benefícios. A expectativa
gerava intensa movimentação de grupos antagônicos do Judiciário e do Ministério
Público. Pela manhã, a turma do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no
Supremo, e a de Janot mostravam-se seguras de um desfecho favorável.
Mas o ministro Gilmar Mendes, cada vez mais um opositor
declarado da investigação, circulava pelos gabinetes dos colegas determinado a
influenciar alguns votos. Fofoca e informação se misturavam. Foi quando soube
das andanças de Gilmar que Janot se amargurou.
Ainda na noite da terça-feira, Fachin percorreu o longo
corredor em curva do Supremo Tribunal Federal e subiu um lance até a cobertura,
onde fica o gabinete do decano Celso de Mello. Estava ali para acertar os
últimos movimentos da resistência à articulação para invalidar a delação da
JBS. A reunião não apareceu na agenda oficial de Fachin. Figura sem apegos às
articulações políticas, Celso de Mello fizera chegar ao relator que estava
convencido da importância do trabalho de Janot. Ex-integrante do Ministério
Público, o decano confidenciara que um ataque ao coração das delações seria o
mais grave e audacioso golpe nas investigações. Ele também se preocupava em
preservar a imagem do Supremo e evitar um desgaste diante da opinião pública
tal qual ocorrera com o Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Gilmar
Mendes, depois da absolvição da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer. Seguindo a
diretriz de Celso de Mello, o ministro Luís Roberto Barroso articulou a reação
e, a exemplo de Gilmar, visitou as salas dos colegas, carregando argumentos e
súplicas, assegurando que ninguém hesitaria ou recuaria.
As negociações e pressões seguiram pela manhã seguinte.
Perto do meio-dia, os procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol e Carlos dos
Santos Lima publicaram uma nota nas redes sociais, orquestrados com Brasília.
“Ache você bom ou ruim o acordo feito pela Procuradoria-Geral da República com
os irmãos Batista, a revisão da homologação do acordo, na prática, dificultará,
se não impedirá, o avanço das investigações da Lava Jato. Os investigados e
réus só fazem acordos porque confiam que eles serão cumpridos”, diz o texto.
O exercício de Fachin de angariar apoios e mobilizar
esforços em torno de si foi pensado estrategicamente por ele. Fachin é, acima
de tudo, um professor universitário. Tem paixão por lecionar. Alçado a relator
da maior investigação de corrupção da história na mais alta Corte do país, teve
de aprender a agir com estratégia. A sua maneira, com discrição e atenção,
assim o fez. Primeiramente, Fachin poderia ter negado, sozinho e de saída, o
recurso de Azambuja. Mas correria o risco, assim, de que outros entrassem com
recursos semelhantes e o caso fosse sorteado, caindo nas mãos de alguém não tão
afeito à Lava Jato. Seu voto também foi astuto. Para se respaldar e “equilibrar
posições extremadas”, Fachin repetiu copiosamente trechos de uma decisão do
ministro Teori Zavascki, morto em janeiro, em defesa do papel do relator como
titular do poder de homologar uma delação. Em seguida, Fachin lembrou que, como
votou Dias Toffoli em 2015, não cabe ao juiz avaliar o conteúdo da delação, somente
sua correção formal – emparedando Toffoli, aliado de primeira linha de Gilmar
Mendes. Por fim, Fachin grifou que centenas de delações já foram homologadas
monocraticamente por ministros do Supremo – a ministra Cármen Lúcia, presidente
da Corte, homologou sozinha as 77 delações da Odebrecht. Esse amadurecimento
tão rápido de Fachin deve-se tanto à necessidade quanto ao fato de o ministro
ter um grande senso de missão. Considera a Lava Jato importantíssima e ainda
mais relevante a sua preservação. Fachin sabe que, na posição de relator, vai
sofrer críticas legítimas. E ataques ilegítimos. Preparou sua família para os
ataques e atendeu aos apelos da Polícia Federal de reforçar sua segurança –
agora, só embarca em aviões pela pista.
Os ataques ilegítimos vieram, como Fachin esperava. O
Planalto fez circular na semana passada um dossiê fajuto repleto de acusações
contra o ministro: de que ele viajou em jatinho da JBS; de que alguns
familiares seus teriam relações promíscuas com a empresa; e de que ele
participou de convescotes com senadores na época em que seria sabatinado no
Senado, em maio de 2015. Tanto Fachin quanto representantes da JBS negam que
ele tenha voado em algum jatinho da empresa ou que algum parente do ministro
tenha qualquer relação com o grupo. O ex-presidente José Sarney pediu a aliados
que buscassem imagens de Fachin confraternizando com senadores há dois anos. Em
uma reunião, Sarney informou o presidente Michel Temer e seus principais
ministros que nada fora encontrado, segundo um dos participantes do encontro. O
golpe não prosperou. Atento a todas essas confabulações para constrangê-lo e
para minar a Lava Jato, Fachin agiu para mobilizar colegas em sua defesa onde
tem mais habilidade – no campo das críticas legítimas, no campo da Suprema
Corte. Na manhã da quarta-feira, dia do início do julgamento, Fachin ainda
receberia, separadamente, os advogados das partes envolvidas no processo que
questionava a homologação da delação. No encontro, manteve-se silente, mas
emanava confiança. Aos poucos, construía-se uma maioria a seu favor.
Leia a reportagem completa em ÉPOCA desta semana que já está
nas bancas.
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