Artigo de Fernando Gabeira
Sempre que ligo a tevê no noticiário político, o PSDB está
deixando o governo ou decidindo ficar com ele. O partido não conhece aquela
teoria da dissonância cognitiva. Ela afirma que, uma vez feita uma escolha, a
tendência é reforçá-la com racionalizações. Se escolhemos rosas brancas no
lugar das amarelas, tendemos a ressaltar a beleza das brancas e a enfatizar os
defeitos das amarelas. O PSDB ou está saindo ou ficando. Se decide ficar, faz
precisamente o contrário do que acontece na dissonância cognitiva: começa a
refletir sobre as vantagens de sair. No momento em que toma a decisão do
desembarque, certamente vai falar muito das vantagens de ficar no governo.
Enfim, parece ter uma permanente incapacidade de tomar decisões e seguir com
elas.
O drama do PSDB se acentuou com as denúncias contra Aécio
Neves. Sua tendência quase genética a subir no muro torna-se mais compulsiva no
momento em que tem de escolher entre a Lava-Jato e o sistema político em
colapso.
O interessante é observar como a existência das
investigações mexe com a sorte dos partidos. O PT, por exemplo, torce para que
Aécio Neves não seja preso, pois isso destruiria o argumento de que o partido
é, seletivamente, perseguido. A prisão de Aécio pode tornar mais fácil a de
Lula. Ambos olham com esperança para Temer, não porque o admirem e sim porque é
o único com instrumentos potencialmente capazes de salvar todo mundo.
Escolha de Procurador Geral, mudanças na direção da PF — o
sonho de consumo das estruturas partidárias cai nas mãos de Temer, por sua vez,
preocupado com sua própria situação, sobretudo com o avanço das delações
premiadas.
Janot deixa o cargo em setembro. Fala-se em corrida de
delações. Ao mesmo tempo, fala-se num acordo para fixar a diferença entre
receber dinheiro pelo caixa 2 sem oferecer nada em troca, ou receber em troca
de favores oficiais. Quando setembro chegar, talvez termine o primeiro ato. O
PSDB vai hesitar muitas vezes, os adversários políticos continuarão fingindo
que não estão umbilicalmente ligados no barco que naufraga.
As raposas políticas trabalham para que Temer escolha um
substituto amigo para Janot. É preciso ver como isto vai se passar na
instituição, se ela se rende com sem luta, ou resiste ao lado da sociedade. Diz
a imprensa que a candidata Raquel Dodge tem apoio de Sarney, Renan e Moreira
Franco. Se a eleição dependesse do voto popular, esse apoio seria um abraço
mortal.
Tudo é possível num país como o nosso. Surreal mas não o
bastante para apagar de nossa consciência o gigantesco processo de corrupção
que arruinou o país.
Terça-feira acordei em Curitiba e olhei pela janela do
hotel: manhã fria, cinzenta e chuvosa. Pensei nos presos que estão por aqui. O
inverno será duro para eles. E, certamente, alguns outros virão para cá.
Mas ainda assim, creio que uma fase esteja acabando. Ela não
resolve nada sozinha. Mas abre a possibilidade do país enterrar o sistema
politico partidário, buscar algo novo, ainda que questionável, como fizeram os
franceses, por exemplo.
O esforço de Sarney, Renan, Moreira e outras raposas do PMDB
para deter o curso das mudanças é patético.
Pessoalmente não acredito que uma procuradora de alto nível
iria se prestar ao papel histórico de se tornar cúmplice da quadrilha que
mantém o país oficial na lata do lixo.
Quando setembro chegar, com o ritmo intenso dos
acontecimentos, o perigo de um retrocesso talvez já não esteja no ar. Qualquer
substituto, minimamente decente, terá de concluir o trabalho já feito. Muitos
fatos ainda devem ser desvendados. Algumas delações devem ajudar. Não creio que
a de Eduardo Cunha possa ser uma delas. Cada vez que se fala em sua provável
delação, é possível que ele enriqueça mais, vendendo o silêncio, inclusive para
inocentes.
Mas a carta de Cunha revela uma reunião entre ele, Lula e
Joesley que o dono da Friboi não mencionou sua delação premiada. Isso reforça a
suspeita de que Joesley esteja escondendo jogo.
Semanas favoráveis, semanas negativas, semanas no muro,
tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema político partidário se
acumulam. No entanto, o debate sobre a renovação ainda não ocupa o espaço
merecido.
Com os dados que temos, é possível que as instituições que
sobrevivem realizando seu trabalho e a sociedade que as apoia saiam vitoriosas
dessa luta.
De nada adiantará essa vitória se não houver uma alternativa
de mudança. Nem todos os bandidos serão presos e a força da inércia pode
trazê-los de novo ao topo da cadeia alimentar. Eles comem, anualmente, cerca de
dois por cento do PIB.
Por que mantê-los, sobretudo agora que estão se
desintegrando? O preço do silêncio e da indiferença pode nos levar a perder uma
nova chance de tirar o Brasil do buraco.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 25/06/2017
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