sábado, 24 de junho de 2017

TEMER E OS FATOS VELHOS

Helena Chagas, Blog do Noblat
Fatos novos têm surgido em profusão, às vezes a uma velocidade estonteante, dois ou três por dia. Quem usava essa desculpa para não desembarcar do governo pode, agora, escolher o mais novo fato entre os novíssimos, sem precisar recorrer à entrevista de Joesley Batista à Época. Só para ficar nos últimos: o relatório da Polícia Federal indicando, "com vigor", a prática de corrupção passiva por parte do presidente da República; o depoimento do doleiro Lúcio Funaro acusando Michel Temer de ter mandado pedir R$ 20 milhões para campanhas do PMDB em operações de financiamento da Caixa a empresas privadas; os documentos encontrados na casa do coronel aposentado João Batista Lima relacionados ao pagamento de reformas em residências de parentes do presidente.
A julgar pela história brasileira recente, e até pela não tão recente, os fatos trazidos a público nos últimos dias seriam motivo suficiente para abertura de processo contra o presidente da República. Sem contar os que, inevitavelmente, ainda virão - como, por exemplo, a formalização da denúncia do procurador Rodrigo Janot ao STF. Na comparação histórica, o conjunto da obra reunido contra Temer até agora dá a quem quiser argumentos políticos e jurídicos para seu afastamento pela Câmara dos Deputados, seja para julgamento por crime de responsabilidade pelo Senado, seja pela via do crime comum julgado pelo Supremo, caminho pelo qual Janot optou.
Afinal, por muito menos, as tais "pedaladas fiscais", já se derrubou, há apenas dez meses, e com base na Constituição, uma presidente direta e legitimamente eleita. De uma maneira tal que o Senado, talvez constrangido pela ausência de qualquer acusação concreta de corrupção, acabou, no final do julgamento, por manter os direitos políticos de Dilma Rousseff. Seus ex-aliados, junto com a oposição, consideraram o preço barato para se livrar dela, que era o que queriam.
Voltando mais longe no tempo, há 25 anos o Congresso cassou o mandato do presidente da República por corrupção, usando como prova cabal o cheque utilizado para comprar um Fiat Elba com recursos supostamente originários de corrupção. Supostamente porque, na hora da verdade, alguns anos depois, ao julgar Fernando Collor por corrupção, o STF o absolveu por falta de provas. Mas aí já era tarde, a missão - tirar um presidente que nem eles nem as ruas já não aguentavam mais - estava cumprida e o sujeito ia longe.
O resumo da ópera é que, representado pelo Legislativo, o establishment político, econômico e midiádico, nos raros momentos em que se une e resolve, acaba conseguindo tirar da cadeira o presidente da República. E pelas razões mais variadas. Assim como, quando não quer, tem uma elástica e enorme tolerância, que o deixa cego ao que não quer ver.
Crises políticas são diferentes entre si, deflagradas por fatores diversos, envolvendo situações e personagens com variadas características. Dilma não é Collor, Collor não é Temer, Temer não é Dilma. Mas o clima que precede as quedas de presidentes costuma ser muito parecido. O roteiro final é quase o mesmo, quando um governo sai da condição de extremamente fragilizado pela crise para a deterioração irreversível. É o ponto em que perde o controle do Congresso, vê os aliados debandarem e mergulha na paralisia da ingovernabilidade.
A pergunta que não quer calar hoje em Brasília é quando, e se, Michel Temer, soterrado pelos fatos novos, chegará a esse ponto de não-retorno. Tudo indica que, embora perdendo a olhos vistos as forças para governar e aprovar as reformas, ele não chegou ainda. Por quê?
Porque Temer tem os velhos fatos a seu favor. O principal deles, a incapacidade das forças políticas que fizeram o impeachment de Dilma e carregam o discurso das reformas de se articularem em torno de um nome para substituí-lo. Alguém capaz de fazer andar a agenda legislativa como quer o mercado, manter a condução da economia e, principalmente, não representar ameaça aos aliados na eleição de 2018. Um sujeito que, ao que parece, ainda não nasceu.
Outro fato bem antigo que ajuda muito o presidente da República a ficar onde está é a velha disputa doméstica dos caciques do PSDB, que preferem botar azeitona na empada da oposição a favorecer um adversário interno. Sem falar naqueles antiquados métodos do velho PMDB de se manter no poder, ameaçando e atropelando quem estiver no caminho.
Enquanto os velhos fatos continuarem dominando o cenário, não haverá fato novo capaz de resolver as coisas.
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