Helena Chagas, Blog do Noblat
Fatos novos têm surgido em profusão, às vezes a uma
velocidade estonteante, dois ou três por dia. Quem usava essa desculpa para não
desembarcar do governo pode, agora, escolher o mais novo fato entre os
novíssimos, sem precisar recorrer à entrevista de Joesley Batista à Época. Só para
ficar nos últimos: o relatório da Polícia Federal indicando, "com
vigor", a prática de corrupção passiva por parte do presidente da
República; o depoimento do doleiro Lúcio Funaro acusando Michel Temer de ter
mandado pedir R$ 20 milhões para campanhas do PMDB em operações de
financiamento da Caixa a empresas privadas; os documentos encontrados na casa
do coronel aposentado João Batista Lima relacionados ao pagamento de reformas
em residências de parentes do presidente.
A julgar pela história brasileira recente, e até pela não
tão recente, os fatos trazidos a público nos últimos dias seriam motivo
suficiente para abertura de processo contra o presidente da República. Sem
contar os que, inevitavelmente, ainda virão - como, por exemplo, a formalização
da denúncia do procurador Rodrigo Janot ao STF. Na comparação histórica, o
conjunto da obra reunido contra Temer até agora dá a quem quiser argumentos
políticos e jurídicos para seu afastamento pela Câmara dos Deputados, seja para
julgamento por crime de responsabilidade pelo Senado, seja pela via do crime
comum julgado pelo Supremo, caminho pelo qual Janot optou.
Afinal, por muito menos, as tais "pedaladas
fiscais", já se derrubou, há apenas dez meses, e com base na Constituição,
uma presidente direta e legitimamente eleita. De uma maneira tal que o Senado,
talvez constrangido pela ausência de qualquer acusação concreta de corrupção,
acabou, no final do julgamento, por manter os direitos políticos de Dilma
Rousseff. Seus ex-aliados, junto com a oposição, consideraram o preço barato
para se livrar dela, que era o que queriam.
Voltando mais longe no tempo, há 25 anos o Congresso cassou
o mandato do presidente da República por corrupção, usando como prova cabal o
cheque utilizado para comprar um Fiat Elba com recursos supostamente
originários de corrupção. Supostamente porque, na hora da verdade, alguns anos
depois, ao julgar Fernando Collor por corrupção, o STF o absolveu por falta de
provas. Mas aí já era tarde, a missão - tirar um presidente que nem eles nem as
ruas já não aguentavam mais - estava cumprida e o sujeito ia longe.
O resumo da ópera é que, representado pelo Legislativo, o
establishment político, econômico e midiádico, nos raros momentos em que se une
e resolve, acaba conseguindo tirar da cadeira o presidente da República. E
pelas razões mais variadas. Assim como, quando não quer, tem uma elástica e
enorme tolerância, que o deixa cego ao que não quer ver.
Crises políticas são diferentes entre si, deflagradas por
fatores diversos, envolvendo situações e personagens com variadas
características. Dilma não é Collor, Collor não é Temer, Temer não é Dilma. Mas
o clima que precede as quedas de presidentes costuma ser muito parecido. O
roteiro final é quase o mesmo, quando um governo sai da condição de
extremamente fragilizado pela crise para a deterioração irreversível. É o ponto
em que perde o controle do Congresso, vê os aliados debandarem e mergulha na
paralisia da ingovernabilidade.
A pergunta que não quer calar hoje em Brasília é quando, e
se, Michel Temer, soterrado pelos fatos novos, chegará a esse ponto de
não-retorno. Tudo indica que, embora perdendo a olhos vistos as forças para
governar e aprovar as reformas, ele não chegou ainda. Por quê?
Porque Temer tem os velhos fatos a seu favor. O principal
deles, a incapacidade das forças políticas que fizeram o impeachment de Dilma e
carregam o discurso das reformas de se articularem em torno de um nome para
substituí-lo. Alguém capaz de fazer andar a agenda legislativa como quer o
mercado, manter a condução da economia e, principalmente, não representar
ameaça aos aliados na eleição de 2018. Um sujeito que, ao que parece, ainda não
nasceu.
Outro fato bem antigo que ajuda muito o presidente da
República a ficar onde está é a velha disputa doméstica dos caciques do PSDB,
que preferem botar azeitona na empada da oposição a favorecer um adversário
interno. Sem falar naqueles antiquados métodos do velho PMDB de se manter no
poder, ameaçando e atropelando quem estiver no caminho.
Enquanto os velhos fatos continuarem dominando o cenário,
não haverá fato novo capaz de resolver as coisas.
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