Um general da ativa no Exército, Antonio Hamilton Mourão,
secretário de economia e finanças da Força, afirmou, em palestra promovida pela
maçonaria em Brasília na última sexta-feira (15), que seus "companheiros
do Alto Comando do Exército" entendem que uma "intervenção
militar" poderá ser adotada se o Judiciário "não solucionar o
problema político", em referência à corrupção de políticos.
Mourão disse que poderá chegar um momento em que os militares
terão que "impor isso" [ação militar] e que essa "imposição não
será fácil". Segundo ele, seus "companheiros" do Alto Comando do
Exército avaliam que ainda não é o momento para a ação, mas ela poderá ocorrer
após "aproximações sucessivas".
"Até chegar o momento em que ou as instituições
solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida
pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos
que impor isso."
O general afirmou ainda: "Então, se tiver que haver,
haverá [ação militar]. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas
terão que ser feitas". Segundo o general, o Exército teria
"planejamentos muito bem feitos" sobre o assunto, mas não os
detalhou.
Natural de Porto Alegre (RS) e no Exército desde 1972, o
general é o mesmo que, em outubro de 2015, foi exonerado do Comando Militar do
Sul, em Porto Alegre, pelo comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e
transferido para Brasília, em tese para um cargo burocrático sem comando sobre tropas
armadas, após fazer críticas ao governo de Dilma Rousseff. Um oficial sob seu
comando também fez na época uma homenagem póstuma ao coronel Brilhante Ustra,
acusado de inúmeros crimes de tortura e assassinatos na ditadura militar.
A palestra de sexta-feira (15) foi promovida por uma loja
maçônica de Brasília e acompanhada por integrantes do Rio de Janeiro e de Santa
Catarina, entre outros. Segundo o vídeo de duas horas e 20 minutos que registra
o evento, postado na internet, Mourão foi apresentado no evento como
"irmão", isto é, membro da maçonaria do Rio Grande do Sul.
Ele se definiu como "eterno integrante da [comunidade
de] inteligência", tendo sido graduado como oficial de inteligência na
ESNI (Escola do Serviço Nacional de Informações). Criado após o golpe militar
de 64 e extinto em 1990, o SNI era o braço de inteligência do aparato de
repressão militar para ajudar a localizar e prender opositores do governo
militar, incluindo sindicalistas, estudantes e militantes da esquerda armada.
Um dos organizadores do evento, o "irmão" Manoel
Penha, brincou, no início da palestra, que havia outros militares à paisana na
plateia, com "seu terninho preto, sua camisa social". Ele afirmou em
tom de ironia: "A intervenção que foi pedida, se feita, será feita com muito
amor".
Na sua exposição, de quase uma hora, o general criticou a
Constituição de 1988, que segundo ele garante muitos direitos para os cidadãos
e poucos deveres, atacou a classe política. "Sociedade carente de coesão
cívica. A sociedade brasileira está anímica. Ela mal e porcamente se robustece
para torcer pela Seleção brasileira ou então sai brigando entre si em qualquer
jogo de time de futebol. Crescimento insuficiente e o Estado é partidarizado. O
partido assume, ele loteia tudo. Tal ministério é do sicrano, tal do fulano, e
aquilo é porteira aberta. Coloca quem ele quer lá dentro e vamos dar um jeito
de fabricar dinheiro."
O general respondeu a uma pergunta lida pelos organizadores
do evento, segundo a qual "a Constituição Federal de 88 admite uma intervenção
constitucional com o emprego das Forças Armadas". Contudo,
"intervenção militar" não é prevista em nenhum trecho da
Constituição. O artigo 142 da Carta, que costuma ser citado por militantes na
internet, fala apenas que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e
"à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes [Poderes], da lei e da ordem". O texto, portanto, condiciona uma
eventual ação militar a uma iniciativa anterior dos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário. A pergunta também sugeriu um "fechamento do Congresso".
Na sua resposta, contudo, Mourão não rebateu a afirmação
contida na pergunta de que uma "intervenção" seria constitucional e
nada falou sobre fechamento do Legislativo. Pelo contrário, elogiou-a como
"excelente pergunta".
Em nota neste domingo (17), o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, organização não governamental, disse que vê com "preocupação e
estranheza" a sugestão do general de que o Exército poderá "intervir
militarmente, caso a situação política não melhore". "Esta declaração
é muito grave e ganha conotação oficial na medida em que o General estava
fardado e, por isso, representando formalmente o Comando da força terrestre.
Ela é ainda mais grave por ter sido emitida pelo Secretário de Economia e
Finanças, responsável pelo gerenciamento de recursos da Força e, portanto, soar
como chantagem aos Poderes constituídos em um momento de restrição
orçamentária."
"O Exército Brasileiro tem pautado sua atuação no
cumprimento da lei, buscando ser fator de estabilidade política e
institucional. Não é possível, neste delicado quadro, vermos a confiança da
população nas Forças Armadas ser abalada por posturas radicais, ainda mais
diante da aguda crise de violência que atinge o país", diz a nota.
A Folha procurou na tarde deste domingo (17) o Comando do
Exército e o Ministério da Defesa para ouvi-los sobre as declarações do
general. Em nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou "que
o Exército Brasileiro, por intermédio do seu comandante, general Eduardo Dias
da Costa Villas Bôas tem constantemente reafirmado seu compromisso de pautar
suas ações com base na legalidade, estabilidade e legitimidade".
A Folha pediu contato com o general Mourão, para que
comentasse suas declarações, mas o centro de comunicação social do Exército
informou que as respostas serão dadas por meio do órgão. Segundo o jornal
"O Estado de S. Paulo", Mourão disse que "não está insuflando
nada" e que "não defendeu [intervenção], apenas respondeu a uma
pergunta". Porém, logo em seguida o general reiterou que "se ninguém
se acertar, terá de haver algum tipo de intervenção, para colocar ordem na
casa".
Disse ainda que "não é uma tomada de poder. Não existe
nada disso. É simplesmente alguém que coloque as coisas em ordem, e diga:
atenção, minha gente vamos nos acertar aqui e deixar as coisas de forma que o
país consiga andar e não como estamos. Foi isso que disse, mas as pessoas interpretam
as coisas cada uma de sua forma. Os grupos que pedem intervenção é que estão
fazendo essa onda em torno desse assunto".
O Ministério da Defesa não havia se manifestado até a
conclusão deste texto.
*
A seguir, a íntegra do trecho em que o general falou sobre a
"intervenção".
Pergunta: [apresentador lê um papel com a pergunta] "A
Constituição Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego
das Forças Armadas. Os poderes Executivos [sic] e os Legislativos estão podres,
cheio de corruptos, não seria o momento dessa interrupção, [corrigindo] dessa
intervenção, quando o presidente da República está sendo denunciado pela
segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter 'comprado', entre aspas,
membros da Câmara Federal? Observação: fechamento do Congresso, com convocações
gerais em 90 dias, sem a participação dos parlamentares envolvidos em qualquer
investigação. Gente nova."
Mourão: Excelente pergunta. Primeira coisa, o nosso
comandante, desde o começo da crise, ele definiu um tripé pra atuação do
Exército. Então eu estou falando aqui da forma como o Exército pensa. Ele se
baseou, número um, na legalidade, número dois, na legitimidade que é dada pela
característica da instituição e pelo reconhecimento que a instituição tem
perante a sociedade. E número três, não ser o Exército um fator de
instabilidade, ele manter a estabilidade do país. É óbvio, né, que quando nós
olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz:
'Pô, por que que não vamo derrubar esse troço todo?' Na minha visão, aí a minha
visão que coincide com os meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós
estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmos,
'aproximações sucessivas'. Até chegar o momento em que ou as instituições
solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida
pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos
que impor isso. Agora, qual é o momento para isso? Não existe fórmula de bolo.
Nós temos uma terminologia militar que se chama 'o Cabral'. Uma vez que Cabral
descobriu o Brasil, quem segue o Cabral descobrirá alguma coisa. Então não tem
Cabral, não existe Cabral de revolução, não existe Cabral de intervenção. Nós
temos planejamentos, muito bem feitos. Então no presente momento, o que que nós
vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né,
chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não
será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí. E a minha geração,
e isso é uma coisa que os senhores e as senhoras têm que ter consciência, ela é
marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu, de forma
covarde, de forma não coerente com os fatos que ocorreram no período de 64 a
85. E isso marcou a geração. A geração é marcada por isso. E existem
companheiros que até hoje dizem assim, 'poxa, nós buscamos a fazer o melhor e
levamos pedradas de todas as formas'. Mas por outro lado, quando a gente olha o
juramento que nós fizemos, o nosso compromisso é com a nação, é com a pátria,
independente de sermos aplaudidos ou não. O que interessa é termos a
consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos de qualquer
maneira atingir esse objetivo. Então, se tiver que haver, haverá. Mas hoje nós
consideramos que as aproximações sucessivas terão que ser feitas. Essa é a
realidade.
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