Artigo de Marina Silva, DW
Começou na semana passada a 23ª Conferência das Partes da
Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP23), em Bonn, na Alemanha, em meio
a um cenário de muitas incertezas e apreensão após a saída dos Estados Unidos
do Acordo de Paris.
O acordo, assinado por 195 países na capital francesa em
2015, promoveu avanços nas negociações multilaterais no combate à mudança do
clima. Mas a saída dos Estados Unidos deixou um saldo negativo para a
implementação do pacto e reinseriu uma disputa de ordem financeira, que em tese
parecia matéria superada, entre países ricos e pobres.
O acirramento das negociações surge em um contexto em que os
compromissos nacionais assumidos já não são suficientes para que se cumpra o
objetivo do Acordo de Paris – de que a elevação da temperatura do planeta fique
abaixo de 2 graus Celsius e muito próximo dos 1,5 grau Celsius. Os compromissos
atuais apontam para uma aumento de 3 a 4 graus Celsius na temperatura global.
Há, portanto, um cenário que exige um compromisso ainda
maior dos países desenvolvidos com os países mais vulneráveis – econômica,
social e ambientalmente. O mecanismo de perdas e danos do Acordo de Paris
estabelece que países afetados por eventos extremos de grandes magnitudes e sem
condições de adaptação a eles recebam ajuda e financiamento internacional.
A realização da Conferência em Bonn, sede do secretariado da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), pode ser
vista como um gesto nessa direção. Fiji seria o país-sede, mas por falta de
infraestrutura para comportar milhares de pessoas que participam de um evento
dessa magnitude, a conferência foi transferida para solo alemão. Mesmo assim, a
nação-ilha do Pacífico foi mantida na presidência política e simbólica da
conferência.
Fiji é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas
e já teve comunidades inteiras desalojadas pela elevação do nível dos oceanos.
O drama que estão vivendo depende de medidas efetivas urgentes. Assim como Fiji
e outros países insulares, cada vez mais regiões do mundo sofrem com o aumento da
intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, conforme diagnóstico
publicado recentemente por cientistas do Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca
de 60 mil pessoas morrem anualmente como consequência de eventos climáticos
extremos, principalmente nos países mais pobres.
A COP23 tem, em vista disso, uma tarefa histórica de
entregar para a sociedade global um consistente ponto de partida para
implementação do Acordo de Paris. Há um elevado sentido de urgência e um
compromisso com as gerações atuais, que já sofrem os efeitos negativos do
aquecimento global, e com as próximas gerações, que seguramente serão as que
sofrerão os piores efeitos, caso não haja controle do aumento da temperatura
nas próximas décadas.
Esse ponto de partida rumo a um novo ponto de chegada
precisa dizer claramente como funcionará o mecanismo de desenvolvimento
sustentável criado em Paris e como as Contribuições Nacionalmente Determinadas
(NDCs) assumidas pelos países signatários serão monitoradas, reportadas e
revisadas.
O Brasil, que já desempenhou papel de destaque no âmbito da
Convenção de Mudanças Climáticas, agora caminha na direção contrária, aquela do
atraso protagonizado pelos Estados Unidos. Ainda que o presidente Michel Temer
tente se esconder atrás de um discurso fabricado para iludir os brasileiros e a
comunidade internacional de um suposto comprometimento com a agenda ambiental,
os fatos falam por si.
O governo concede anistia a crimes de grilagem de terras
públicas na Amazônia, desmatamento e exploração ilegal madeireira; reduz o
tamanho de unidades de conservação; paralisa o processo de criação de novas
terras indígenas na Amazônia; enfraquece o principal órgão de combate aos
crimes ambientais por meio da redução de 50% de seu orçamento; corta os
recursos de programas como o Bolsa Verde e Programa de Cisternas (um dos
maiores programas de adaptação do planeta); e incentiva iniciativas
legislativas que fragilizam o licenciamento ambiental.
Além de tudo isso, o governo patrocinou uma Medida
Provisória que concede isenção fiscal para empresas explorarem petróleo e gás
das reservas do pré-sal e que deve alcançar 1 trilhão de reais até 2040. Para
se ter uma ideia do desastre em curso, as emissões do Brasil chegaram a quase
2,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em 2016, significando um aumento
de 8,9% em relação a 2015. Esse é o maior aumento de emissões desde 2008.
Isso explica porque, embora formalmente o Brasil se mantenha
no Acordo de Paris, na prática está se retirando silenciosa e disfarçadamente.
Estão sendo fragilizadas as bases legais, institucionais e orçamentárias que
fizeram com que o Brasil conseguisse, entre 2004 e 2012, reduzir em 80% as
emissões de CO2 oriundas de desmatamento e evitasse lançar cerca de 4 bilhões
de toneladas de CO2 na atmosfera.
Os retrocessos marcados por uma visão cínica se contrapõem
ao status de urgência da luta contra o aquecimento global. Se os eventos
extremos que estamos presenciando hoje se tornarem a regra e não a exceção, se
a produção agrícola for seriamente comprometida por anos seguidos de secas ou
chuvas extremas, se regiões inteiras do mundo continuarem a se desertificar ou
a perder territórios para o mar, se os vetores de doenças tropicais continuarem
a se expandir pelo mundo, corremos o sério risco de atingir um ponto de não
retorno.
As negociações na COP23 até agora não produziram resultados
significativos. O segmento técnico findou, e agora todas as expectativas se
voltam para o segmento ministerial, quando as autoridades políticas dos países
assumem as negociações. Repousa sobre eles a responsabilidade de fazer avançar
o que os técnicos não lograram. É preciso agir, assumir compromissos, enquanto
ainda há tempo, evitando o desastre de eventos extremos produzidos pela inação
política.
* Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente do Brasil de
2003 a 2008. Atualmente lidera o partido Rede Sustentabilidade.
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