Há uma contraposição entre as concepções do que é necessário
para o desenvolvimento do Brasil. Quatro temas dominam os debates: justiça
social, o tamanho do Estado, o déficit primário e a Previdência. As posições
não são tão antagônicas como parecem e há aspectos relevantes que não estão
sendo analisados. Todos perdem com isso.
As estatísticas do Banco Mundial apontam que os países que
mais cresceram são os que têm mais justiça social. Os que têm renda per capita
mais alta têm níveis de concentração menores que os de renda mais baixa. Os 20
mais ricos do planeta têm um índice de concentração de renda de Gini de 0,31,
mais baixo que os 20 seguintes, de 0,36, e menor do que a vintena subsequente,
de 0,39. O do Brasil é de 0,51, um dos dez piores do planeta.
A ordem dos fatores altera o produto. A prescrição é incluir
para crescer. Por meio de políticas educacionais e de competitividade
aumenta-se a produtividade da base da pirâmide e dessa forma a renda per capita
aumenta e a desigualdade diminui. Os privilégios destinam-se às camadas sociais
mais baixas e aos microempreendimentos. O assistencialismo é considerado
necessário e transitório.
No Brasil a situação é o contrário. Há vantagens para os
mais ricos e para as grandes corporações. São benesses que estão arraigadas na
cultura e no quadro institucional brasileiro. Têm origem no Brasil colônia, com
a concessão de direitos quase feudais ao capitão-mor, depois aos donatários das
capitânias hereditárias. Após a vinda da família real as distorções se
agravaram e continuam a piorar até os dias atuais.
A lista é extensa, grandes empresas têm acesso a créditos
subsidiados, desonerações tributárias e proteções da concorrência externa;
minorias de cidadãos têm aposentadorias especiais, tratamentos de saúde em
hospitais caros e isenções de impostos, com consequências perversas para o
resto do País. É injusto. É algo que indigna a todos os que acreditam que somos
todos iguais, sem distinção de qualquer natureza.
O fato é que dando mais a uns, sobra menos para outros. Uma
aposentadoria mais generosa para poucos ou subsídios para algumas empresas são
causa direta ou de menos segurança, ou de menos educação, ou de menos saúde
para muitos, ou, ainda, de mais dívida pública – portanto, mais juros e mais
impostos e menos crescimento no futuro para todos.
Urge uma política de erradicação de privilégios para os mais
favorecidos. É uma questão de justiça e de eficiência sistêmica. Um passo
importante foi dado com a luta contra a corrupção. Há necessidade de mudanças
que aumentem a competitividade das pequenas e microempresas, que simplifiquem a
abertura de novas e facilite a adaptação das existentes a um mundo em
transformação acelerada. Nesse quesito o Brasil está mal.
No mês passado, o Fórum Econômico Mundial publicou o
Relatório de Competitividade Global 2018. O Brasil perdeu três posições, está
em 72.º lugar num conjunto de 140 países. Note-se que a concorrência entre
nações não é só para exportar bens e serviços, mas também para atrair
investimentos. Essa perda de competitividade relativa implica que postos de
trabalho reais e potenciais daqui sejam exportados para outros países.
Outro ponto central no debate entre esquerda e direita é o
tamanho do Estado e o papel do livre mercado. Comparações internacionais
mostram que os países com renda I mais alta têm maiores gastos governamentais
na média. Mas a dispersão é grande. Ilustrando o ponto, a participação do
governo da Suécia no PIB é mais que o dobro da Suíça. Como funciona é mais
relevante que o tamanho.
A questão-chave é a eficiência na alocação de recursos, que
em determinadas situações é feita pelo setor público e em outras, pelo privado.
Para tanto se deveria pensar, por um lado, numa reforma do Estado para fazer
mais com menos e análises mais detalhadas de como o governo gasta e arrecada,
por que e para quem.
O livre mercado é a melhor maneira de alocar recursos,
sempre e quando exista uma regulamentação e supervisão adequadas. Senão viram
mercados libertinos, para benefício de poucos e prejuízo de muitos.
Os debates sobre o déficit primário e a Previdência refletem
como os privilégios do passado estão enraizados na cultura nacional. É fato que
a dinâmica das contas públicas é insustentável, deixa o País vulnerável a
choques e é um peso para retomar o crescimento.
Mesmo assim, as propostas são de mudanças pontuais e
graduais, como a junção de alguns impostos, redução da alguns gastos e algumas
privatizações para fazer caixa. É pouco. Uma nova arquitetura previdenciária,
tributária e fiscal é necessária. Remendos não resolvem.
A evolução da dívida pública/PIB também depende da taxa de
juros, do estoque da dívida e do crescimento do PIB. Além de cortes de gastos e
privatizações, há espaços para melhorar a sua dinâmica com alterações na
política cambial, com medidas para reduzir a taxa neutra de juros e ajustes no
quadro institucional da intermediação.
Além de trabalhar no numerador da relação dívida
pública/PIB, é necessário aumentar o denominador. Fazer a economia crescer. A
agenda inclui fatores como investimento, abertura externa, funcionamento
adequado dos mercados e crédito, entre outros. Assim como uma inclusão
produtiva, reformas do Estado, previdenciária, fiscal e tributária. O Brasil
está tendo uma oportunidade de transformação significativa. Tem de ser
aproveitada.
2019 começa com um novo governo, um Congresso renovado e
capacidade ociosa na economia. O cenário externo é favorável, com preços de
commodities elevados e fluxos financeiros abundantes. É hora de começar a
debater a coisa certa. Não é escolher entre políticas de esquerda ou de
direita, mas, sim, de políticas para fazer o Brasil parar de andar de lado e
avançar.
*Roberto Luis Troster é economista.
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