O fim da escravidão no Brasil completa 130 anos em 13 de
maio deste ano. Em 1888, a princesa Isabel, filha do imperador do Brasil Pedro
2º, assinou a Lei Áurea, decretando a abolição - sem nenhuma medida de
compensação ou apoio aos ex-escravos.
A decisão veio após mais de três séculos de escravidão, que
resultaram em 4,9 milhões de africanos traficados para o Brasil, sendo que mais
de 600 mil morreram no caminho.
Mas a abolição no Brasil está longe de ter sido uma
benevolência da monarquia. Na verdade, foi resultado de diversos fatores, entre
eles, o crescimento do movimento abolicionista na década de 1880, cuja força
não podia mais ser contida.
Entre as formas de resistência, estavam grandes embates
parlamentares, manifestações artísticas, até revoltas e fugas massivas de
escravos, que a polícia e o Exército não conseguiam - e, a partir de certo
ponto, não queriam - reprimir. Em 1884, quatro anos antes do Brasil, os Estados
do Ceará e do Amazonas acabaram com a escravidão, dando ainda mais força para o
movimento.
A disputa continuou no pós-libertação, para que novas
políticas fossem criadas destinando terras e indenizações aos ex-escravos - o
que nunca ocorreu.
Conheça abaixo as histórias de seis brasileiros
protagonistas na luta pelo fim da escravidão:
Luís Gama, o ex-escravo que se tornou advogado
Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador,
filho de mãe africana livre e pai branco de origem portuguesa. Quando o menino
tinha quatro anos, sua mãe, Luísa, teria participado revolta dos Malês, na
Bahia, pelo fim da escravidão.
Uma reviravolta ocorreu quando Gama tinha dez anos: ficou
sob cuidados de um amigo do pai, que o vendeu como escravo. O menino
"embarcou livre em Salvador e desembarcou escravo no Rio de Janeiro",
escreve a socióloga Angela Alonso no livro Flores, Votos e Balas,
sobre o movimento abolicionista. Depois, foi levado para São Paulo, onde
trabalhou como escravo doméstico. "Aprendi a copeiro, sapateiro, a lavar e
a engomar roupa e a costurar", escreveu o baiano.
Aos 17 anos, Gama aprendeu a ler e escrever com um estudante
de direito. E reivindicou sua liberdade ao seu proprietário, afinal, nascera
livre, livre era.
Em São Paulo, Gama se tornou rábula (advogado autodidata,
sem diploma) e criou uma nova forma de ativismo abolicionista: entrava com
ações na Justiça para libertar escravos. Calcula-se que tenha ajudado a
conseguir a liberdade de cerca de 500 pessoas.
Gama usava diversos argumentos para obter a alforria. O
principal deles era que os africanos trazidos ao Brasil depois de 1831 tinham
sido escravizados ilegalmente. Isso porque naquele ano foi assinado um tratado
de proibição do tráfico de escravos. Mais de 700 mil pessoas tinham entrado no
país nessas condições. Apenas em 1850 o tráfico de escravos foi abolido
definitivamente.
"As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um
fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A
maior parte dos escravos africanos (...) foram importados depois da lei
proibitiva do tráfico promulgada em 1831", disse Gama na época.
O advogado ainda entrou com diversos pedidos de habeas
corpus para soltar escravos que estavam presos, acusados, sobretudo, de fuga.
Ainda trabalhou em ações de liberdade, quando o escravo fazia um pedido
judicial para comprar sua própria alforria - o que passou a ser permitido em
1871, em um dos artigos da Lei do Ventre Livre.
Luís Gama morreu em 1882, sem ver a abolição. Seu funeral,
em São Paulo, foi seguido por uma multidão. "Quanto galgara Luís Gama, de
ex-escravo a morto ilustre, em cujo funeral todas as classes representavam-se.
Comércio de porta fechada, bandeira a meio mastro, de tempos em tempos, um discurso;
nas sacadas, debruçavam-se tapeçarias, como nas procissões da Semana
Santa", relata Alonso.
Na hora do enterro, alguém gritou pedindo que a multidão
jurasse sobre o corpo de Gama que não deixaria morrer a ideia pela qual ele
combatera. E juraram todos.
Maria Tomásia Figueira Lima, a aristocrata que lutou para
adiantar a abolição no Ceará
Filha de uma família tradicional de Sobral (CE), Maria
Tomásia foi para Fortaleza depois de se casar com o abolicionista Francisco de
Paula de Oliveira Lima. Na capital, tornou-se uma das principais articuladoras
do movimento que levou o Estado a decretar a libertação dos escravos quatro
anos antes da Lei Áurea.
Segundo o Dicionário de Mulheres do Brasil, ela foi
cofundadora e a primeira presidente da Sociedade das Cearenses Libertadoras
que, em 1882, reunia 22 mulheres de famílias influentes para argumentar a favor
da abolição.
Ao fim de sua primeira reunião, elas mesmas assinaram 12
cartas de alforria e, em seguida, conseguiram que senhores de engenho
assinassem mais 72.
As mulheres conseguiram, inclusive, o apoio financeiro do
imperador Pedro 2º para a iniciativa. Juntamente com outras sociedades
abolicionistas da época, elas organizaram reuniões abertas com a população,
promoviam a libertação de escravos em municípios do interior do Ceará e
publicavam textos nos jornais pedindo a abolição em toda a província.
Maria Tomásia estava presente na Assembleia Legislativa no
dia 25 de março de 1884, quando foi realizado o ato oficial de libertação dos
escravos do Ceará, que deu força à campanha abolicionista no país.
André Rebouças, o engenheiro que queria dar terras aos
libertos
André Rebouças nasceu na Bahia, em 1838, em uma família
negra, livre, e incluída na sociedade imperial. Quando jovem, estudou
engenharia e começou a trabalhar na área. Foi responsável por diversas obras de
engenharia importantes no país, como a estrada de ferro que liga Curitiba ao
porto de Paranaguá. Conquistou posição social e respeito na corte. A Avenida
Rebouças, importante via em São Paulo, é uma homenagem a André e a seu irmão
Antonio, também engenheiro.
Em uma das obras de que participou, outro engenheiro pediu
que Rebouças libertasse o escravo Chico, que era operário e tinha sido
responsável pelos trabalhos hidráulicos. "Foi quando sua atenção recaiu
sobre o assunto", escreve Angela Alonso, também em Flores, Votos e
Balas. Chico foi, então, libertado.
"Sou abolicionista de coração. Não me acusa a
consciência ter deixado uma só ocasião de fazer propaganda para a abolição dos
escravos, e espero em Deus não morrer sem ter dado ao meu país as mais
exuberantes provas da minha dedicação à santa causa da emancipação",
discursou certa vez Rebouças, na presença do imperador Pedro 2º.
Na década de 1870, Rebouças se engajou na campanha pelo fim
da escravidão. Participou de diversas sociedades abolicionistas e acabou se
tornando um dos principais articuladores do movimento. Um de seus papéis foi
fazer lobby - uma ponte entre os abolicionistas da elite e as instituições
políticas, para quem executava obras de engenharia.
As ideias de Rebouças incluíam não apenas o fim da
escravidão. Ele propunha que os libertos tivessem acesso à terra e a direitos,
para serem integrados, não marginalizados. "É preciso dar terra ao negro.
A escravidão é um crime. O latifúndio é uma atrocidade. (...) Não há comunismo
na minha nacionalização do solo. É pura e simplesmente democracia rural",
proclamou Rebouças.
O engenheiro também se opunha ao pagamento de indenização
para os senhores de escravos em troca da liberdade - para Rebouças, isso seria
uma forma de validar que uma pessoa fosse propriedade da outra.
Apoiador da monarquia e da família real brasileira, Rebouças
foi ainda um dos responsáveis pela exaltação da Princesa Isabel como patrona da
abolição.
Adelina, a charuteira que atuava como 'espiã'
Filha bastarda e escrava do próprio pai, Adelina passou a
vender charutos que ele produzia nas ruas e estabelecimentos comerciais de São
Luís (MA). Suas datas de nascimento e morte não são conhecidas. Seu sobrenome,
também não.
Como escrava criada na casa grande, Adelina aprendeu a ler e
escrever. Trabalhando nas ruas, assistia a discursos de abolicionistas e
decidiu se envolver na causa.
De acordo com o Dicionário da Escravidão Negra no
Brasil, de Clóvis Moura (Edusp), Adelina enviava à associação Clube dos
Mortos - que escondia escravos e promovia sua fuga - informações que conseguia
sobre ações policiais e estratégias dos escravistas.
Aos 17 anos, Adelina seria alforriada, segundo a promessa
que seu senhor fez a sua mãe. Mas, segundo o Dicionário, isso não
aconteceu.
Dragão do Mar, o jangadeiro que se recusou a transportar
escravos para os navios
O jangadeiro e prático (condutor de embarcações) Francisco
José do Nascimento (1839-1914), um homem pardo conhecido como Dragão do Mar,
foi membro do Movimento Abolicionista Cearense, um dos principais da província,
a primeira do Brasil a abolir a escravidão.
Em 1881, o Dragão do Mar comandou, em Fortaleza, uma greve
de jangadeiros que transportavam os negros e negras escravizados para navios
que iriam para outros Estados do Nordeste e para o Sul do Brasil. O movimento
conseguiu paralisar o tráfico negreiro por alguns dias.
. Com o comércio de escravizados impedido nas
praias do Ceará, Nascimento foi exonerado do cargo, segundo o registro de
Clóvis Moura. E se tornou símbolo da batalha pela libertação dos escravos.
Depois da abolição, ele tornou-se Major Ajudante de Ordens
do Secretário Geral do Comando Superior da Guarda Nacional do Estado do Ceará e
morreu como primeiro-tenente honorário da Armada, em 1914.
Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora
abolicionista
A maranhense Maria Firmina (1825-1917) era negra e livre,
"filha bastarda", mas formou-se professora primária e publicou, em
1859, o que é considerado por alguns historiadores o primeiro romance
abolicionista do Brasil, Úrsula. O livro conta a história de um
triângulo amoroso, mas três dos principais personagens são negros que
questionam o sistema escravocrata.
A escritora assinava o livro apenas como "Uma
maranhense", um expediente comum entre mulheres da época que se
aventuravam no mercado editorial, e só agora começa a ser descoberto pelas
universidades, segundo a professora de literatura brasileira da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) Constância Lima Duarte.
Maria Firmina também publicava contos, poemas e artigos
sobre a escravidão em revistas de denúncia no Maranhão.
De acordo com o Dicionário de Mulheres do Brasil: de
1500 Até a Atualidade (Ed. Zahar), ela criou, aos 55 anos de idade,
uma escola gratuita e mista para crianças pobres, na qual lecionava. Maria
Firmina morreu aos 92 anos, na casa de uma amiga que havia sido escrava.
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