Há dias vimos nos jornais uma foto em o que presidente Jair
Bolsonaro, de mão na boca, cochicha alguma coisa para seu valete OnyxLorenzoni,
o qual também faz uma parede bucal com os dedos. Já assistimos a esta cena
muitas vezes. No passado, ela era cometida pelo então presidente Lula e seu
também valete Antonio Palocci. Hoje, não se passa uma semana sem que a vejamos
protagonizada pelos treinadores de futebol e seus auxiliares à beira do gramado
ou entre jogadores de vôlei no meio da quadra.
Historicamente, o simples ato de cochichar em público sempre
foi falta de educação —que segredos alguém teria que não pudesse partilhar
conosco? E falar com a mão na boca só podia significar que a pessoa era
desdentada ou tinha mau hálito. Hoje, a mão na boca está liberada. É usada para
que se possa cochichar à vontade sem que os enxeridos façam a leitura labial do
que se está dizendo.
É possível a qualquer amador traduzir em voz alta um
palavrão ou uma interjeição grosseira que se esteja vendo sem som —às vezes, o
próprio gestual do dedo em riste ou das mãos à cabeça já diz tudo. Mas como
entender frases inteiras, complexas, principalmente quando são emitidas por
pessoas com dicção horrorosa, como Bolsonaro e Lula, que só deviam falar com
legendas?
Não me consta que, entre os seus incontáveis profissionais
qualificados, o Brasil disponha de legiões de técnicos em leitura labial. Eu
próprio já fui apresentado a ventríloquos, intérpretes em 12 línguas e até
pessoas capazes de assobiar óperas inteiras, mas nunca a um leitor labial. E
quantos estarão assistindo àquela mão na boca naquele exato momento? E, se
entenderem tudo, o que poderão fazer?
Ainda mais porque, ao ver autoridades cochichando com a mão
na boca, não precisamos de leitura labial para saber que estão tramando algo
contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente.
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de
Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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