Não poderia ser diferente. Desde a campanha, Jair Bolsonaro
não faz outra coisa se não demonizar o ministério, ambientalistas e ONGs. E
teve a bravata de transformar o MMA em apêndice do Ministério da Agricultura.
Foi um quiproquó. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues teve de
explicar: “É de interesse do produtor preservar. E a sustentabilidade é um
fator diretamente ligado à competitividade. Hoje, os consumidores do mundo
inteiro querem saber como a coisa foi produzida. Para sermos competitivos é
preciso ter essa preocupação”.
Bolsonaro tem o direito de mexer nos ministérios. Mas
humilhar um deles, não. Foi o que fez ao condenar publicamente a equipe que
cuida de nosso maior ativo. Ainda em campanha, ameaçou tirar o País do Acordo
de Paris, resultado do protagonismo brasileiro desde a ECO-92. Quem se arrepiou
foi Emmanuel Macron. O presidente francês retrucou que é “contrário a assinar
acordos comerciais com países que não respeitam o Acordo de Paris”. Foi outro
bafafá.
Finalmente, saiu a indicação para o Ministério do Meio
Ambiente: o advogado Ricardo Salles, ex-secretário de Meio Ambiente de São
Paulo na gestão Alckmin, quando ficou 13 meses cargo. Acabou condenado por
improbidade administrativa por matéria relacionada à APA Várzea do Tietê. É fundador
do Movimento Endireita Brasil (MEB). Recentemente disse ser “o único direitista
do Brasil”.
Eleito, Bolsonaro continuou a torpedear o MMA e seus dois
braços, o Ibama e o ICMBio. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto
e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar”, afirmou. Não
demorou para acontecer a tragédia em Brumadinho, o maior acidente do mundo
entre mineradoras, em número de mortes. Acertadamente, o ministro Ricardo
Salles multou a Vale em R$ 250 milhões...
Por falar em Vale, é preciso lembrar o primeiro acidente,
quando veio abaixo a barragem do Fundão. “Na Justiça criminal ou nos tribunais
cíveis, a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão permanece, três anos
depois, uma questão sem resposta para as quase 500 mil pessoas atingidas entre
Minas Gerais e o Espírito Santo. Nem mesmo as famílias dos 19 mortos soterrados
pelo tsunami de 40 milhões de metros cúbicos (m³) de lama e rejeitos de minério
de ferro receberam uma compensação financeira condizente com a sua perda. A
estimativa mais otimista dos promotores de Justiça que atuam na força-tarefa do
Rio Doce é de que os ressarcimentos comecem a ser pagos em meados de 2020” (O
Estado de Minas).
Lembro que o licenciamento ambiental (que o presidente
pretende ‘flexibilizar’) da barragem de Fundão era controverso. Matéria
do Estado, de janeiro de 2016: “A
mineradora pressionou o projetista da barragem, Joaquim Pimenta de Ávila, a
emitir documento fora das especificações na etapa inicial da construção da
represa que ruiu”.
Mais uma vez, o Ibama agiu com competência. Uma das
obrigações da Samarco, subsidiária da Vale, era apresentar um plano de
recuperação para o vale do Rio Doce. A empresa mostrou um projeto tão ruim que
não foi aceito. Para a autarquia, “o plano era de caráter genérico e
superficial, sem considerar o imenso volume de informações produzidas e
disponíveis até o momento, além de apresentar pouca fundamentação metodológica
e científica”...
Se a empresa, à época, fosse multada em valor semelhante ao
do último acidente, é possível que Brumadinho não tivesse acontecido. Quem
sabe?
Começa a gestão Salles. Pouco depois dos primeiros dois
meses, o ministro que jamais teve curiosidade em pôr os pés na Amazônia
exonerou dois chefes de unidades de conservação porque denunciaram
interferência externa. Um deles multou um “poderoso” secretário de Bolsonaro –
o secretário de Ecoturismo, Gilson Machado Neto (PSL-AL). Pouco depois o
ministro instaurou a mordaça no MMA, determinando a lei do silêncio.
Protestei, via site Mar Sem Fim. No mesmo dia recebi uma
ligação. Salles queria dar a sua versão, ao mesmo tempo que me convidava a ser
secretário de Biodiversidade do MMA. Declinei.
A poeira não havia assentado quando houve mais uma decisão
imperial. O neófito ministro ignorou recomendações técnicas do Ibama e
autorizou o leilão de sete blocos de petróleo na região do Arquipélago de
Abrolhos, o único banco de corais do Atlântico Sul. Ninguém de bom senso seria
contrário à exploração de petróleo. É uma bênção que um País cheio de
desigualdades, como o nosso, não pode desperdiçar. Mas por que agora a
exploração dos mares adjacentes a Abrolhos? Por que não oferecer outras áreas?
Recentemente, o Estado publicou artigo do
professor emérito da USP José Goldenberg sobre Brumadinho. Ele
relembrou a trajetória de Paulo Nogueira Neto, titã do ambientalismo, “que
conseguiu convencer Médici a criar, em 1973, a Secretaria Especial do Meio
Ambiente (Sema) no Ministério do Interior, à frente da qual permaneceu
até 1985 e onde conseguiu introduzir toda a legislação e os órgãos
administrativos da área ambiental”. Goldenberg finaliza dizendo que “órgãos
como o Ibama frequentemente não tiveram apoio para pôr em prática a excelente
legislação criada por Paulo Nogueira Neto”. Daí Brumadinho, concluiu.
A última pérola de Salles ocorreu sábado passado no Rio
Grande do Sul, quando ameaçou, na presença do presidente do ICMBio, Adalberto
Eberhard, funcionários do órgão: “Determino a abertura de processo
administrativo disciplinar contra todos os funcionários” (que não estavam
presentes ao evento por não terem sido convidados). Um dia depois recebeu carta
de demissão de Eberhard.
Epílogo desse imbróglio: o ministro Ricardo Salles segue
célere desmantelando a obra de Paulo Nogueira Neto. Encerro emprestando o final
de um artigo do articulista Rolf Kuntz (O Estado de S. Paulo) que
analisava a administração atual: “Escatológico,
mesmo, é o despreparo do presidente”.
*JORNALISTA, MANTENEDOR DO SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR
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