domingo, 21 de abril de 2019

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DE MAL A PIOR

João Lara Mesquita, O Estado de S.Paulo
Não poderia ser diferente. Desde a campanha, Jair Bolsonaro não faz outra coisa se não demonizar o ministério, ambientalistas e ONGs. E teve a bravata de transformar o MMA em apêndice do Ministério da Agricultura. Foi um quiproquó. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues teve de explicar: “É de interesse do produtor preservar. E a sustentabilidade é um fator diretamente ligado à competitividade. Hoje, os consumidores do mundo inteiro querem saber como a coisa foi produzida. Para sermos competitivos é preciso ter essa preocupação”.
Bolsonaro tem o direito de mexer nos ministérios. Mas humilhar um deles, não. Foi o que fez ao condenar publicamente a equipe que cuida de nosso maior ativo. Ainda em campanha, ameaçou tirar o País do Acordo de Paris, resultado do protagonismo brasileiro desde a ECO-92. Quem se arrepiou foi Emmanuel Macron. O presidente francês retrucou que é “contrário a assinar acordos comerciais com países que não respeitam o Acordo de Paris”. Foi outro bafafá.
Finalmente, saiu a indicação para o Ministério do Meio Ambiente: o advogado Ricardo Salles, ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo na gestão Alckmin, quando ficou 13 meses cargo. Acabou condenado por improbidade administrativa por matéria relacionada à APA Várzea do Tietê. É fundador do Movimento Endireita Brasil (MEB). Recentemente disse ser “o único direitista do Brasil”.
Eleito, Bolsonaro continuou a torpedear o MMA e seus dois braços, o Ibama e o ICMBio. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar”, afirmou. Não demorou para acontecer a tragédia em Brumadinho, o maior acidente do mundo entre mineradoras, em número de mortes. Acertadamente, o ministro Ricardo Salles multou a Vale em R$ 250 milhões...
Por falar em Vale, é preciso lembrar o primeiro acidente, quando veio abaixo a barragem do Fundão. “Na Justiça criminal ou nos tribunais cíveis, a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão permanece, três anos depois, uma questão sem resposta para as quase 500 mil pessoas atingidas entre Minas Gerais e o Espírito Santo. Nem mesmo as famílias dos 19 mortos soterrados pelo tsunami de 40 milhões de metros cúbicos (m³) de lama e rejeitos de minério de ferro receberam uma compensação financeira condizente com a sua perda. A estimativa mais otimista dos promotores de Justiça que atuam na força-tarefa do Rio Doce é de que os ressarcimentos comecem a ser pagos em meados de 2020” (O Estado de Minas).
Lembro que o licenciamento ambiental (que o presidente pretende ‘flexibilizar’) da barragem de Fundão era controverso. Matéria do Estado, de janeiro de 2016: “A mineradora pressionou o projetista da barragem, Joaquim Pimenta de Ávila, a emitir documento fora das especificações na etapa inicial da construção da represa que ruiu”.
Mais uma vez, o Ibama agiu com competência. Uma das obrigações da Samarco, subsidiária da Vale, era apresentar um plano de recuperação para o vale do Rio Doce. A empresa mostrou um projeto tão ruim que não foi aceito. Para a autarquia, “o plano era de caráter genérico e superficial, sem considerar o imenso volume de informações produzidas e disponíveis até o momento, além de apresentar pouca fundamentação metodológica e científica”...
Se a empresa, à época, fosse multada em valor semelhante ao do último acidente, é possível que Brumadinho não tivesse acontecido. Quem sabe?
Começa a gestão Salles. Pouco depois dos primeiros dois meses, o ministro que jamais teve curiosidade em pôr os pés na Amazônia exonerou dois chefes de unidades de conservação porque denunciaram interferência externa. Um deles multou um “poderoso” secretário de Bolsonaro – o secretário de Ecoturismo, Gilson Machado Neto (PSL-AL). Pouco depois o ministro instaurou a mordaça no MMA, determinando a lei do silêncio.
Protestei, via site Mar Sem Fim. No mesmo dia recebi uma ligação. Salles queria dar a sua versão, ao mesmo tempo que me convidava a ser secretário de Biodiversidade do MMA. Declinei.
A poeira não havia assentado quando houve mais uma decisão imperial. O neófito ministro ignorou recomendações técnicas do Ibama e autorizou o leilão de sete blocos de petróleo na região do Arquipélago de Abrolhos, o único banco de corais do Atlântico Sul. Ninguém de bom senso seria contrário à exploração de petróleo. É uma bênção que um País cheio de desigualdades, como o nosso, não pode desperdiçar. Mas por que agora a exploração dos mares adjacentes a Abrolhos? Por que não oferecer outras áreas?
Recentemente, o Estado publicou artigo do professor emérito da USP José Goldenberg sobre Brumadinho. Ele relembrou a trajetória de Paulo Nogueira Neto, titã do ambientalismo, “que conseguiu convencer Médici a criar, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no Ministério do Interior, à frente da qual permaneceu até 1985 e onde conseguiu introduzir toda a legislação e os órgãos administrativos da área ambiental”. Goldenberg finaliza dizendo que “órgãos como o Ibama frequentemente não tiveram apoio para pôr em prática a excelente legislação criada por Paulo Nogueira Neto”. Daí Brumadinho, concluiu.
A última pérola de Salles ocorreu sábado passado no Rio Grande do Sul, quando ameaçou, na presença do presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, funcionários do órgão: “Determino a abertura de processo administrativo disciplinar contra todos os funcionários” (que não estavam presentes ao evento por não terem sido convidados). Um dia depois recebeu carta de demissão de Eberhard.
Epílogo desse imbróglio: o ministro Ricardo Salles segue célere desmantelando a obra de Paulo Nogueira Neto. Encerro emprestando o final de um artigo do articulista Rolf Kuntz (O Estado de S. Paulo) que analisava a administração atual: “Escatológico, mesmo, é o despreparo do presidente”.
*JORNALISTA, MANTENEDOR DO SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR
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