Havia muitas esperanças em Raquel Dodge, várias se
frustraram. Havia alguns temores e eles se confirmaram. Seu mandato terminará
dentro de cinco meses, e não deve ser renovado, mas a dúvida é o que virá
depois. Se o presidente Jair Bolsonaro ficar dentro da lista tríplice do
Ministério Público Federal tem mais chances de acertar. Se buscar um espelho
seu no MP encontrará. Sempre haverá quem se disponha a ser um aliado do
Executivo, mas não é papel da PGR defender o governo.
Se Bolsonaro escolher alguém do Ministério Público Militar
para a PGR estará produzindo um monstrengo institucional, porque quem escolhe o
procurador-geral militar é o procurador-geral da República. Se buscar um, fora
da lista tríplice, que se encaixe na ideologia que ele professa, vai encontrar,
porque existem procuradores que defendem coisas como a escola sem partido e
transformação de terras indígenas em centros de mineração. Nesse momento o MP
está em plena campanha com procuradores buscando votos. Outros correm por fora
e fazem acenos para o presidente. Quem for escolhido, só fará bem seu papel se
entender que na democracia os poderes são independentes, e o pressuposto é que
haja pesos e contrapesos.
Toda instituição tem a defesa dos interesses corporativos,
mas também a defesa dos valores comuns. A lista tríplice é muito mais a segunda
vertente, mas é acusada de ser uma distorção sindical. Têm lista tríplice os 26
Ministérios Públicos estaduais, o MPDF, o MPM. E, portanto, o MPF.
O procurador Geraldo Brindeiro ficou com a pecha de ser o
engavetador-geral. O PGR precisa ser pessoa de estado e não de governo.
Brindeiro é acusado de ter sido de governo. Os escolhidos na lista, a partir de
2003, pelo governo do PT, não foram servis aos interesses do poder daquele
momento e isso foi fundamental para o avanço da democracia. Basta conferir o
que fizeram os procuradores-gerais. Antonio Fernando denunciou o mensalão,
Roberto Gurgel conduziu, instruiu e pediu a condenação dos envolvidos no
mensalão. Rodrigo Janot pediu a execução das penas, começou a Lava-Jato e fez a
força-tarefa. Raquel Dodge, contudo, fez menos do que poderia contra o governo
que a indicou. É criticada por inação e algumas atuações discutíveis.
Primeira mulher a ser PGR, Raquel foi saudada por ter atuado
com desassombro no caso Hildebrando Cabral, por ter sido boa chefe das Câmaras
Criminais, e por um histórico de defesa de minorias, principalmente indígenas.
Temia-se que pudesse enfraquecer a Lava-Jato. Ela tentou. Em um evento recente,
Raquel entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)
contra a Força-Tarefa de Curitiba pelo caso da fundação para gerir recursos da
Lava-Jato. Foi um erro da Lava-Jato. Mas em vez de tratar disso internamente,
ela entrou no Supremo contra procuradores. Só que duas horas antes o assunto já
estava resolvido. Os procuradores de Curitiba haviam soltado nota recuando do
projeto.
Pouca gente tem dúvida de que foi um erro pensar nessa
fundação. Mas essa prática de direcionar dinheiro recuperado de crimes para
projetos sociais já ocorreu várias vezes. Um exemplo disso, que recebeu até o
prêmio Innovare de 2011, foi o destino do dinheiro pago pela CESP em um TAC
(Termo de Ajustamento de Conduta) pelos erros na construção de uma hidrelétrica
em Presidente Prudente. O MP direcionou os recursos para projetos de redução do
impacto ambiental causado na região e para a construção do Hospital Regional do
Câncer.
Raquel errou ao ficar em silêncio na sessão do dia 14 de
março, quando o ministro Dias Toffoli anunciou que estava abrindo um inquérito
contra as críticas virtuais. Só depois de pressionada é que ela perguntou qual
era o fato determinado para a abertura do inquérito. Na última semana, após a
censura à revista digital “Crusoé” ela pediu o arquivamento do inquérito. Mas
isso ocorreu às 14h, quando o MP inteiro se perguntava por que a PGR ainda não
se pronunciara. Errática é o adjetivo mais usado em relação a Raquel. Fechada
numa concha, disposta a ser a anti-Janot, ela acabou pecando por omissão.
Em setembro, Bolsonaro vai escolher a próxima pessoa a
ocupar a PGR. Quer ignorar a lista tríplice e achar alguém que espelhe o
governo. Dependendo da escolha, vai aprofundar a crise da democracia
brasileira.
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