O governo paralelo liderado por Rodrigo Maia
Por Daniel Pereira, Marcella Mattos e Nonato Viegas
A imagem ao lado retrata o aperto de mãos entre dois dos
mais poderosos homens da República. À direita, está Paulo Guedes, o
superministro da Economia, o “Posto Ipiranga” do presidente Jair Bolsonaro. À
esquerda, Rodrigo Maia, comandante da Câmara e senhor do destino de todas as
votações importantes no plenário da Casa. Na foto, o clima é de cordialidade,
mas longe dos holofotes a relação entre ambos, que ainda pode ser classificada
de parceria, está se esgarçando. Os sinais são evidentes. Guedes reclamou
publicamente do fato de os deputados terem mudado a proposta da reforma da Previdência
do governo, retirando do texto o regime de capitalização, a menina dos olhos do
ministro. Maia respondeu defendendo a autonomia do Legislativo e tachando o
governo de uma “usina de crises”. Os dois também se estranharam sobre a
demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A reação de Maia foi acima de seu
tom habitual. Ele considerou a exoneração de Levy “uma covardia sem
precedentes” por parte de Guedes.
Os dois episódios não são casos isolados. Pelo contrário,
refletem uma disputa de poder entre o Executivo e o Legislativo para ver qual
deles receberá os créditos pela aprovação de projetos capazes de reaquecer a
economia brasileira, que registrou retração no primeiro trimestre deste ano. No
modelo político brasileiro, o protagonismo cabe, em tese, ao presidente da
República. O problema é que Jair Bolsonaro propôs a reforma da Previdência e,
até aqui, nada mais falou sobre como destravar investimentos, gerar empregos,
aumentar a produtividade. Sua agenda se restringe a temas caros a nichos
bolsonaristas, como porte de armas, multas e cadeirinhas de trânsito.
Empresários, banqueiros e trabalhadores, então, passaram a levar suas demandas
e esperanças a outro guichê, o gabinete de Rodrigo Maia, que está preparando um
pacote de medidas econômicas para ser votado tão logo a reforma da Previdência
seja aprovada. As propostas estão sendo elaboradas por um grupo de
especialistas que forma uma espécie de equipe econômica paralela do presidente
da Câmara.
Maia acha que, se seu plano der certo, atingirá dois
objetivos: terá sido responsável pela recuperação da economia e pavimentará o
caminho para alçar voos maiores na eleição de 2022. Em 2018, ele chegou a
cogitar uma candidatura à Presidência. Cauteloso, o deputado afirma que não
quer ocupar o espaço do governo, mas apenas colaborar. Em entrevista a VEJA,
deixou claro, no entanto, que tocará seu Calendário Maia mesmo quando houver
discordância do Planalto, já que o Legislativo é independente — e não submisso
— na relação com o Executivo. “O presidente tem uma agenda muito voltada para
os segmentos da sociedade que o levaram ao Palácio do Planalto. Fala a nichos
bem específicos”, declarou. “Ele nunca falou aos brasileiros mais simples. O
ministro Paulo Guedes menos ainda. Está faltando alguém que consiga elaborar
uma política para a base da sociedade, para as famílias que ganham dois ou três
salários mínimos.” O cronograma, por sinal, já foi definido. Maia pretende que
a reforma da Previdência seja aprovada pela Câmara até julho.
No segundo semestre, será a vez de votar a reforma
tributária e uma reformatação ambiciosa do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), além da autonomia do Banco Central e de mudanças destinadas a
baratear o custo dos empréstimos feitos pelas instituições financeiras, por
meio da redução do chamado spread bancário. Esse ponto tem forte apelo popular,
já que, segundo dados do Banco Central, 40% das famílias que ganham até dois
salários mínimos entram no cheque especial pelo menos uma vez por mês. “O Paulo
Guedes vendeu uma imagem que já foi perdida. Todos reclamam da instabilidade do
governo. O pedido do setor produtivo ao Congresso é: tomem conta”, diz o
deputado Aguinaldo Ribeiro, braço-direito de Maia e líder da maioria na Câmara,
posto que, em tese, deveria estar alinhado ao presidente da República. Sob a
batuta de Maia, os deputados estão, de fato, tomando conta. Nas próximas
semanas, será instalada a comissão especial para analisar a reforma tributária.
Embora o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, esteja preparando um
texto sobre o assunto, a Câmara está tocando uma proposta de autoria formal do
deputado Baleia Rossi, líder do MDB, mas que foi desenhada pelo economista
Bernard Appy.
O texto reúne cinco impostos e contribuições que incidem
sobre o consumo num único tributo e resultaria em benefícios como o fim da
guerra fiscal e a simplificação da vida do contribuinte. “Essa proposta vai
eliminar uma quantidade brutal de distorções e dos problemas no sistema
tributário atual. Ela tem potencial enorme de impacto no crescimento da
economia, no poder de compra do cidadão, na geração de emprego, o que facilita
a constatação de que todos sairão contemplados”, disse Appy a VEJA. Já a
reforma do FGTS está a cargo do economista Samuel Pessôa. Os objetivos são
aumentar a rentabilidade do fundo, cuja gestão passaria para o Tesouro
Nacional, e fomentar a poupança no Brasil a longo prazo. Pelo modelo que está
em estudo, o FGTS deixaria de ser um instrumento de proteção ao desempregado,
função que seria exercida por outras políticas públicas. O trabalhador não
poderia mais sacar o FGTS em caso de demissão, mas apenas na compra da casa
própria e na aposentadoria. Ou seja: faria uma poupança ao longo da vida que
poderia ser embolsada quando ele deixasse a ativa.
Ao saber que Maia considera as mudanças no fundo a grande
pauta do Congresso para o segundo semestre, o governo pediu para participar dos
debates. “De modo geral, o trabalhador acumularia o FGTS para a aposentadoria, constituindo
uma renda vitalícia. Essa poupança seria uma complementação à aposentadoria do
Regime Geral da Previdência. Nada disso teria custo para o Estado, já que está
sendo arrecadado”, afirmou a VEJA o economista Samuel Pessôa. Desconfiado de
que Bolsonaro, até pela queda em sua popularidade, radicalizará o discurso e
falará cada vez mais para segmentos específicos da sociedade, como militares e
policiais, Maia — que acena ao topo da pirâmide social com a agenda econômica —
prepara também ações sociais voltadas aos mais pobres. Ao receber VEJA na
quarta-feira 19 na residência oficial da presidência da Câmara, ele fez questão
de sublinhar, numa das centenas de folhas espalhadas sobre a mesa, o que
considera quatro áreas prioritárias: primeira infância, inclusão produtiva
(“complementar ao Bolsa Família”), sistema de governança da educação (“hoje não
temos”) e rede de proteção social.
Enquanto Bolsonaro enfrenta protestos contra o bloqueio de
verbas na Educação, o deputado quer aprovar iniciativas que ampliem as vagas
para crianças de até 3 anos nas escolas e turbinem o ensino técnico no país.
Para facilitar seu plano, convocou um grupo de deputados de diferentes partidos
para tocar pontos específicos da agenda social. Assim, semeia os votos
favoráveis aos textos quando estes chegarem ao plenário. Hoje, o presidente da
Câmara controla mais votos do que o governo na Casa. Bolsonaro, segundo o
deputado, tem entre 100 e 150 votos, num universo de 513 deputados. A reforma
da Previdência requer o apoio de pelo menos 308 parlamentares. Eleito com um
discurso de rejeição à política, o capitão pouco faz para reverter esse quadro.
Até aqui, a estratégia de seu governo foi basicamente usar as redes sociais
para pressionar deputados e senadores a votar favoravelmente às medidas de
interesse do governo. Não tem dado certo. Na semana passada, por exemplo, o
Senado, comandado por Davi Alcolumbre, rejeitou por 47 a 28 o decreto de
Bolsonaro que ampliou o porte de armas. O texto segue para a Câmara, que também
deve impor derrota ao presidente.
Com a derrubada do decreto, os congressistas querem mandar
um recado a Bolsonaro: na base da ameaça, ele só colherá derrotas. Em 26 de
maio, 1 milhão de pessoas foram às ruas para protestar contra os políticos
tradicionais e defender a reforma da Previdência. No próximo dia 30, nova
manifestação a favor de Bolsonaro tomará as ruas. Numa conversa reservada,
Rodrigo Maia afirmou que as críticas de Guedes ao texto dos deputados para a
reforma da Previdência tiveram o objetivo oculto de incendiar tais
manifestações. Tal atitude seria desnecessária, uma vez que os deputados estão
comprometidos com as mudanças previdenciárias, apesar de não defenderem
integralmente aquilo que Guedes quer. Nas redes sociais, os bolsonaristas
atacam Maia com virulência e o tratam até com apelidos jocosos. A VEJA, o
ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno,
revelou sua opção pelo caminho da conciliação: “O presidente está disposto a
manter a paz. Ele já disse que não pretende contestar as coisas do Rodrigo
Maia, porque o Rodrigo é presidente da Câmara e a agenda é dele”.
Com a pouca habilidade do governo em termos de articulação
política, que sofreu alterações nesta semana (saindo de Onyx Lorenzoni e indo
para o general Luiz Eduardo Ramos), o Congresso vem ganhando espaço. Derrotas
como a derrubada do decreto que flexibilizava o porte e a posse de armas, um
projeto-vitrine do governo, acumulam-se desde o início desta administração.
Embora o descompasso entre os poderes possa gerar alguma turbulência, o
movimento pode ser encarado também pelo lado positivo. “Acho muito importante
que o Congresso retome seu protagonismo”, diz o cientista político Ricardo
Ismael, da PUC-RJ. Na história recente da República, poucas vezes a Câmara e o
Senado exerceram papéis decisivos na construção de propostas para o país (leia
a Carta ao Leitor). A verdade é que o presidencialismo de coalizão, em quase
todos os governos, acabou transformando o Parlamento em linha auxiliar do
Executivo e, até por causa disso, no protagonista de diversos escândalos. Um
Legislativo forte e independente pode mudar essa dinâmica e, simultaneamente,
contribuir de maneira significativa para o avanço do país. Em seu sexto mandato
de deputado federal, Rodrigo Maia ocupa pela terceira vez a presidência da
Câmara e tem esta oportunidade nas mãos. Ele sabe que o resultado da empreitada
pode mudar não apenas o destino do Brasil como o seu próprio destino. Afinal,
faltam apenas três anos para 2022.
Um ministério para chamar de seu
O presidente da Câmara reuniu uma equipe de economistas para trabalhar na elaboração das propostas que serão levadas ao plenário
O presidente da Câmara reuniu uma equipe de economistas para trabalhar na elaboração das propostas que serão levadas ao plenário
Bernard Appy
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula, Appy é especialista em tributação. Ele coordenou os estudos que deram origem ao projeto que pretende unificar cinco impostos — três federais (PIS/Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) —, sem aumento da carga tributária. A pedido de Rodrigo Maia, o economista já promoveu diversas reuniões com líderes partidários para explicar a importância das mudanças
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula, Appy é especialista em tributação. Ele coordenou os estudos que deram origem ao projeto que pretende unificar cinco impostos — três federais (PIS/Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) —, sem aumento da carga tributária. A pedido de Rodrigo Maia, o economista já promoveu diversas reuniões com líderes partidários para explicar a importância das mudanças
Samuel Pessôa
Especialista em desenvolvimento econômico, Pessôa é pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Maia o convidou há dois meses para formatar uma proposta de reforma do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O FGTS não poderá mais ser sacado em caso de demissão e se tornará uma complementação da aposentadoria. A ideia é criar mecanismos que aumentem a rentabilidade dos recursos
Especialista em desenvolvimento econômico, Pessôa é pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Maia o convidou há dois meses para formatar uma proposta de reforma do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O FGTS não poderá mais ser sacado em caso de demissão e se tornará uma complementação da aposentadoria. A ideia é criar mecanismos que aumentem a rentabilidade dos recursos
Marcos Lisboa
Também ex-secretário de Política Econômica durante o primeiro governo Lula, o economista, por solicitação do presidente da Câmara, está elaborando estudos que apontarão caminhos por onde o Congresso pode atuar para destravar a economia, principalmente nas áreas de infraestrutura, incentivo à instalação de indústrias e comércio exterior. O objetivo é fazer um mapeamento de projetos e medidas capazes de alavancar o crescimento no menor prazo possível
Também ex-secretário de Política Econômica durante o primeiro governo Lula, o economista, por solicitação do presidente da Câmara, está elaborando estudos que apontarão caminhos por onde o Congresso pode atuar para destravar a economia, principalmente nas áreas de infraestrutura, incentivo à instalação de indústrias e comércio exterior. O objetivo é fazer um mapeamento de projetos e medidas capazes de alavancar o crescimento no menor prazo possível
Marcos Mendes
Consultor do Senado, Mendes já ocupou cargos importantes na Secretaria do Tesouro Nacional, no Banco Central e no Ministério da Fazenda durante o governo Michel Temer. Ele é especialista em políticas de inclusão social. Sua tarefa é propor medidas para uma agenda de emergência, com metas para o combate à pobreza e ao desemprego. Há propostas para aumentar a eficiência dos programas de distribuição de renda.
Consultor do Senado, Mendes já ocupou cargos importantes na Secretaria do Tesouro Nacional, no Banco Central e no Ministério da Fazenda durante o governo Michel Temer. Ele é especialista em políticas de inclusão social. Sua tarefa é propor medidas para uma agenda de emergência, com metas para o combate à pobreza e ao desemprego. Há propostas para aumentar a eficiência dos programas de distribuição de renda.
Colaborou Hugo Marques
Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640
Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640
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