Idealizar e
embelezar o passado é um método útil para construir narrativas cujo objetivo é
alicerçar propostas políticas no presente. A última moda na oposição é
reescrever a história das Diretas Já, movimento político que deu um gás na
transição do último general a ocupar a presidência da República, João
Figueiredo, para o governo civil de Tancredo Neves (que morreu antes de
assumir) e José Sarney.
O tema costuma ser
introduzido nos debates como se em certo momento o conjunto dos líderes
oposicionistas tivesse deixado as diferenças de lado para juntar forças pelo
objetivo comum de restaurar a democracia. É uma maneira de ver. Outra: numa
certa ocasião, todos os potenciais candidatos da oposição a suceder Figueiredo
uniram esforços para que o sucessor fosse escolhido não no Colégio Eleitoral
mas na urna.
Parece a mesma
coisa, mas a diferença existe, apesar de sutil. Uma sutileza que esconde o
essencial. O que move os políticos profissionais não é principalmente um
idealismo programático, mas a busca (ou manutenção) do poder. Quando têm sorte,
esse objetivo converge para a onda do momento. A sabedoria está em saber surfar
a onda certa no momento certo. Ou evitar a onda agora para tentar pegar uma
mais favorável adiante.
Raramente a
narrativa lembra que quando as diretas pararam no plenário da Câmara dos
Deputados foi cada um para um lado. Leonel Brizola lançou no ar a prorrogação
por dois anos do mandato de Figueiredo, e diretas em 1986. Luiz Inácio Lula da
Silva caiu fora e o PT não votou a favor de Tancredo na indireta. Os deputados
que votaram ou saíram ou foram saídos. Sobraram na aliança, de expressivos, o
PMDB e a dissidência do PDS (ex-Arena).
Pouco menos de cinco
anos depois, Lula e Brizola disputaram a vaga no segundo turno para enfrentar
Fernando Collor. Os candidatos herdeiros da Aliança Democrática vitoriosa em
1985 ficaram literalmente na poeira. Todos vitimados pelo fracasso de Sarney na
luta contra a inflação e pelas acusações de corrupção e “fisiologismo”,
expressão celebrizada na época por quem pretendia ganhar músculos explorando o
ódio à “Porex” (política realmente existente).
Não se trata aqui de
comparar momentos históricos. Há diferenças claras. Ali a ideia de ditadura
sofria uma natural fadiga de material. Hoje ela é introduzida com alguma
desenvoltura no debate, apesar de ainda enfrentar barreiras difíceis de
transpor: a oposição da opinião pública e da maioria da sociedade, conforme
evidenciam todas as pesquisas que procuram saber o que acha o eleitor sobre o
assunto.
Mas é o caso de
comparar sim a motivação dos personagens. Os líderes que precisariam ser
reunidos para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro estão todos
amarrados ao próprio cálculo. Para uns o melhor é o impeachment. Para outros a
cassação da chapa pelo TSE. Para Lula nada disso adianta se ele permanecer
inelegível. Para os demais não interessa de jeito nenhum Lula elegível. É o
gato da “luta contra os extremismos” escondido com o rabo de fora.
E para o presidente
da Câmara, que tem na mão a chave da largada do impeachment, o destino dos
antecessores que comandaram impeachments de sucesso (Ibsen Pinheiro, cassado;
Eduardo Cunha, cassado e preso) não chega a ser propriamente estimulante.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Nenhum comentário:
Postar um comentário