Os militares foram
afastando-se e sendo afastados do poder, com mais evidência, desde 1984 quando
Tancredo Neves foi eleito, de forma indireta pelo Colégio Eleitoral, presidente
da República. A transição foi lenta, gradual e segura, como desejavam Golbery e
Geisel. O nome de Tancredo para ser o primeiro presidente civil depois do golpe
de 1964 sempre foi o preferido no colegiado das lideranças militares de então.
O ex-ministro Delfim Netto conta, com desenvoltura, dos encontros que
ex-presidente Figueiredo – o último dos generais na presidência – teve com
Tancredo Neves e o seu sobrinho Francisco Dornelles – que seria seu ministro da
Fazenda.
Tancredo faleceu e
com ele o projeto econômico que seria conduzida por Francisco Dornelles e o
ante-projeto de uma nova Constituição, já em andamento, que estava sendo
coordenado pelo jurista Afonso Arinos de Mello Franco. Sarney assumiu e Ulysses
lhe impôs uma Assembleia Nacional Constituinte que produziria a famosa e já
destroçada Constituição Cidadã de 1988/89. Discretos, mas presentes, os
militares, antes de silenciarem durante 30 anos, fizeram ainda dois movimentos.
O primeiro, nos debates sobre as atribuições constitucionais das Forças
Armadas. Sob a liderança do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves,
– como bem lembrou Merval Pereira em seu artigo no O Globo de ontem – os
militares queriam que a Constituinte de 1988 reproduzisse os mesmo termos do
Art. 177 da Constituição de 1946, mantida na Constituição de 1969, que atribuía
às Forças Armadas a defesa da Pátria e “a garantir os poderes constitucionais,
a lei e a ordem”. O trauma de 1964 e dos anos de chumbo falou mais alto em
1988. Subordinando os militares aos três poderes da República, o texto foi mais
prudente no Art 142: “…as FA destinam-se(…)à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes – Executivo, Legislativo
ou Judiciário – da lei e da ordem”.
O segundo movimento,
tão tenso quanto, mas rapidamente dissipado, se deu na discussão sobre a
definição do mandato do presidente Sarney, se de quatro ou cinco anos, em
fevereiro de 1988. Os militares, com o apoio de algumas lideranças civis, com
destaque para o sempre invasivo Antônio Carlos Magalhães, pressionaram o
presidente José Sarney a dissolver a Assembleia Constituinte, assim como o
fizera Dom Pedro I em 1823 e a junta militar de 1969, que outorgou a
Constituição então vigente à época.
Num tom inusual,
durante entrevista no Palácio do Bandeirantes no dia 17 de fevereiro de 1988,
Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados, presidente da Assembleia
Nacional Constituinte e presidente do PMDB, bradou que a nova Carta “sai na
marra” e ainda chamou os membros da junta militar que outorgou a Constituição
de 1969 – Souza Mello, Lyra Tavares e Rademaker – de “os três patetas”. O temas
da Anistia e do ajuste de contas com as violências dos momentos mais duros da
ditadura, surgiram, pontualmente, ao longo desses 30 anos. Mas, sem grandes
tensões.
As manifestações dos
generais Heleno, em 2008, e Mourão, em 2015, pareciam fatos isolados. Somente
em 2018, quando o general Villas Bôas, então comandante das Forças Armadas,
conhecido pelo seu equilíbrio e ponderação, advertiu o STF, passamos a notar,
de fato, a volta dos militares ao cenário político. Meses antes das eleições,
quando o STF julgava um Habeas Corpus que poderia soltar o ex-presidente Lula,
então preso na sede da Policia Federal em Curitiba, Villas Bôas, na véspera do
julgamento, publicou em seu twitter: “ Temos a preocupação com a estabilidade,
porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do
que remediar”.
As cenas seguintes são a vitória de Bolsonaro, a militarização do governo, a postura de confronto permanente do presidente contra as instituições e o sentimento crescente de que o rompimento com a democracia nos aguarda e espreita.
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