Wassef, o fiel advogado que virou uma bomba prestes a
explodir
Frederick Wassef está uma pilha de nervos. Com livre
trânsito nos bastidores do poder, ele se comporta ―ou se comportava― como o
Sancho Pança de Jair Bolsonaro. Enquanto na frente das câmeras o presidente
segue em sua luta quixotesca contra os moinhos de vento ―a “histeria” do
coronavírus, os governadores, o PT, o comunismo e toda sorte de delírio―, o
advogado agia fora dos holofotes para manter o controle das batalhas reais que
acontecem nos tribunais. Até que a polícia bateu na porta de seu imóvel em Atibaia (SP), às seis
da manhã da quinta-feira 18 de junho, e encontrou Fabrício Queiroz. O ex-policial movimentou cerca de três
milhões de reais entre 2007 e 2018, segundo o Ministério Público do Rio, sob o
comando do então deputado Flávio Bolsonaro, recolhendo parte dos salários de
outros assessores ―fantasmas― e repassando o dinheiro para o chefe.
Wassef representava formalmente o senador no inquérito até o
último domingo. Após umas primeiras declarações no dia da detenção, manteve um
breve silêncio. Até que começou a dar sucessivas entrevistas no final de semana
para alguns jornalistas. “Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o
alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma
pessoa só”, afirmou à CNN, sem explicar por que Queiroz estava na sua
casa. Fez ilações, simulou mistério, falou em não antecipar estratégia de
defesa. Disse que nunca falou com Queiroz, embora investigadores tenham
constatado que ele estava escondido em sua casa há um ano. “Nunca telefonei
para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua
família. Isso é uma armação para incriminar o presidente”, assegurou ele ao jornal Folha de S. Paulo.Virou
piada a pergunta por telefone da repórter Andrea Sadi, da TV Globo, no último
sábado: “O Queiroz pulou o muro? Apareceu voando para casa do senhor?”.
Durante suas entrevistas ao vivo, as câmeras revelavam um
homem agitado, como uma bomba prestes a explodir, apresentando versões
desencontradas e confusas sobre os motivos de ter abrigado o ex-policial.
Disse, por exemplo, que não sabia que Queiroz estava em sua casa no dia de sua
detenção. “Soube algumas vezes que estava lá. É óbvio que tem risco [em abrigar
Queiroz], mas essa é uma questão de natureza de saúde (…). Se eu permito que
ali se acomodasse por proximidade ao local, por preservação, para que não
ficasse exposto, não quer dizer que eu tenha tido contato ou qualquer
irregularidade”, afirmou mais uma vez à CNN no domingo.
Depois de inúmeros rodeios, ainda tentou descolar o
presidente do assunto. “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou
teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira
responsabilidade. Eu omiti essas informações do presidente da República e do
senador Flávio Bolsonaro”. Passou a dizer, então, que abrigou o ex-assessor por razões “humanitárias”, para que
ele pudesse realizar um tratamento de saúde na região. E avisou que deixava o
cargo de advogado de Flavio, informação depois confirmada pelo próprio senador,
filho do presidente, em seu Twitter.
Se aos olhos do país Wassef se tornou mais um personagem
surreal de uma surreal novela, o fato é que suas contradições podem acabar
respingando no inquérito que tanto atormenta o presidente Jair Bolsonaro. Há
evidências e registros de sobra da proximidade do advogado com o presidente. Um
dia antes da operação policial que encontrou Queiroz em sua casa, Wassef se
encontrava no Palácio do Planalto para a cerimônia de posse do novo ministro da
Comunicação. Ele é conhecido por sua atuação discreta, nos bastidores, dos
assuntos ligados ao presidente. Entre os mais importantes, era ele quem
representava Bolsonaro nas investigações sobre
o atentado a faca contra o então candidato às vésperas das eleições de
2018. Nos dias de apuração das urnas, se encontrava ao lado do atual presidente
no sofá de sua casa. Fiel ao clã, acabou ganhando apelido de Anjo, que deu nome à operação da última quinta.
De acordo com a decisão do juiz
Flávio Itabaiana Nicolau, havia uma ”rotina de ocultação do paradeiro de
Queiroz que envolvia restrições em sua movimentação e em suas comunicações”.
Ele era monitorado por “uma terceira pessoa” que, por sua vez, se reportava a
um superior hierárquico referido como “Anjo” ―ou seja, Wassef. Chamou a atenção
dos investigadores o fato de que o ex-policial recebia dinheiro de terceiros
para se manter. O EL PAÍS tentou sem sucesso contactar o advogado.
Caso a versão do Ministério Público se confirme, Wassef
mentiu em uma entrevista que concedeu em setembro de 2019 para
a jornalista Andreia Sadi na Globo News. Ao ser
questionado sobre o paradeiro de Queiroz, foi assertivo: “Não existe a frase o
sumiço de Fabrício Queiroz. Eu não sei [onde ele se encontra], não sou advogado
dele”. Depois, enfatizou que o ex-assessor havia, sim, comparecido ao
Ministério Público. “Jamais deixou de comparecer a qualquer intimação ou
chamada do poder público no Rio de Janeiro. Ele disse que jamais, que nunca,
repassou um único centavo a Flávio Bolsonaro”, explicou.
No dia da detenção de Queiroz, na quinta-feira, 18, em sua
live semanal no Facebook, o presidente Bolsonaro, que não é investigado no
inquérito, opinou que a operação policial havia sido “espetaculosa” e
tratou de explicar a presença na casa de seu advogado: “E por que estava
naquela região de São Paulo? Porque é perto do hospital onde faz tratamento de
câncer. Então, esse é o quadro. Da minha parte, está encerrado aí o caso
Queiroz”. Wassef também adotou esse argumento, ao afirmar que Queiroz estava no
local por causa da proximidade da Santa Casa de Bragança Paulista, onde o
ex-policial faria o tratamento para um câncer de próstata.
De acordo com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o
Kakay, conhecido por defender várias pessoas do universo político em processos
criminais, todas essas declarações desencontradas podem trazer mais
“complicações” no âmbito do inquérito. “Há uma pergunta óbvia. Por que Queiroz
estava lá [na casa de Atibaia], quem efetivamente o protegeu e quem pagou por
aquilo. A partir do momento que ele diz que não conhecia e que agora ele diz
que escondeu por razões humanitárias, isso evidentemente pode trazer algumas
complicações”, disse ao EL PAÍS.
Suas declarações já começam a causar estragos aos olhos do Planalto. Segundo publicou a jornalista Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, o presidente Bolsonaro já teria afirmado a interlocutores estar irritado com Wassef. Ainda na quinta-feira da operação policial a advogada Karina Kufa divulgou uma nota afirmando que seu escritório de advocacia é o único representante do mandatário. “Wassef não presta serviço advocatício em nenhuma ação que seja parte de Bolsonaro e não faz parte do referido escritório”. De acordo com a coluna de Bela Megale, agora o advogado pressiona o presidente para que Kufa seja demitida. Irritado ou não, Bolsonaro vem se apresentando abatido diante das câmeras e com pouco fôlego para travar suas lutas diárias. No dia que Wassef deixou de representar Flávio, o senador destacou o trabalho e a lealdade do advogado. Não há sinais, por ora, de que será jogado aos leões.
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