domingo, 7 de junho de 2020

O PALÁCIO DAS 'FAKE NEWS'

Editorial O Estado de S.Paulo

Em entrevista no dia 3 de junho, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a necessidade de que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a produção, disseminação e patrocínio das fake news dê continuidade aos seus trabalhos. “A CPMI precisa voltar a funcionar. Esse tema das fake news é muito sério”, disse Maia. O presidente da Câmara lembrou a importância de apurar quem está financiando no País esse tipo de desinformação.

Sendo um tema que interfere diretamente no funcionamento das instituições democráticas e no exercício das liberdades fundamentais, não há dúvida de que é preciso dar andamento à CPMI das Fake News. Até o momento, o que veio à tona é muito grave e reforça a necessidade de concluir as investigações, identificando os responsáveis. A comissão descobriu, por exemplo, detalhes do funcionamento do chamado “gabinete do ódio”, formado por assessores especiais da Presidência da República. Também foram revelados elementos ligando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao site “Bolsofeios”, usado para desferir ataques virtuais contra o STF, Rodrigo Maia, jornalistas e adversários do presidente Bolsonaro.

Mais recentemente, levantamento feito pela CPMI das Fake News mostrou que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que apresentam “conteúdo inadequado”. Elaborada a partir de dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) relativos ao período de junho a julho de 2019, a lista inclui páginas que difundem fake news, promovem jogos de azar e veiculam conteúdo pornográfico. Constatou-se ainda que publicidade oficial foi utilizada para financiar canais que apoiam o presidente Bolsonaro.

Após a divulgação do levantamento, a Secom – órgão responsável pela destinação da verba publicitária estatal – remeteu a responsabilidade pelas irregularidades ao Google, alegando que os recursos foram distribuídos por meio do programa Google Adsense. Segundo nota da Secom, “cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom”.

Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, afirmou que cabe à empresa de internet definir as páginas que receberão os anúncios. “Na Secom do presidente Bolsonaro não há desvios, não há favorecimento de A, B ou Z. A Secom preza a tecnicidade e a economicidade”, disse.

A explicação do governo é absurda, uma vez que a responsabilidade pelo destino da verba publicitária é da Secom. Fosse verdade o que diz a nota da Secom, caberia perguntar o que então faz o órgão, uma vez que, segundo a nota, é uma empresa privada que define onde as propagandas do governo irão aparecer. Vale lembrar que esse mesmo governo, que não assume o destino final de sua verba publicitária, é o que interferiu, em abril do ano passado, na publicidade do Banco do Brasil (BB). “Nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”, disse o presidente Bolsonaro na ocasião. Segundo ele, a peça publicitária do BB não refletia a sua “linha” de pensamento.

Na mesma semana em que a CPMI das Fake News apresentou o levantamento de sites com “conteúdo inadequado” que recebem dinheiro público, o governo federal editou portaria transferindo à Secom R$ 83,9 milhões que seriam usados no programa Bolsa Família na Região Nordeste do País. Os recursos serão destinados à comunicação institucional do Executivo federal. Além de não reconhecer o erro na gestão da Secom, o governo Bolsonaro ainda engorda o caixa do órgão com verba de assistência social. 

Diante desse modus operandi do Palácio do Planalto, com indícios claros de mau uso do dinheiro público, com financiamento de fake news e até de site pornográfico, além de uma evidente confusão de esferas e responsabilidades, é indispensável que o Poder Legislativo exerça seu papel constitucional de fiscalizar o Executivo. Com muito trabalho pela frente, a CPMI das Fake News não pode parar.

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