sexta-feira, 26 de junho de 2020

UM POUCO DE CRIATIVIDADE

Alon Feuerwerker, Análise Política

Dois elementos têm destaque entre as causas da nossa crônica turbulência institucional. 1) O presidente vitorioso na urna nunca consegue eleger com ele uma maioria partidária na Câmara dos Deputados. E, combinada a isso, 2) a prerrogativa de o Executivo legislar por medida provisória vem se tornando um foco de instabilidade. Para acrescentar, conforme passa o tempo o Judiciário fica progressivamente tentado a se oferecer como poder moderador. Tudo meio fora de lugar.

Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema: as cadeiras obtidas pelo partido em cada estado para a Câmara deveriam ser calculadas não pela votação dos candidatos a deputado, mas pela votação do candidato a presidente no estado. A mesma lógica valeria para Assembleias e Câmaras Municipais. As coligações para o Legislativo já estão proibidas. Essa medida simples eliminaria as coligações para o Executivo. Se o partido não lançasse candidato a presidente, governador ou prefeito não elegeria deputado federal, estadual ou vereador.

Os votos nos candidatos ao Legislativo continuariam valendo, mas só para definir a ordem de preenchimento das vagas conquistadas pela legenda.

Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?

E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.

Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

====================

Publicado originalmente na revista Veja 2.693, de 1o. de julho de 2020

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário