Quando um cidadão vai a um banco solicitar empréstimo para
comprar um apartamento ou uma casa, fica sabendo que, entre outras taxas, ele
tem que pagar R$ 3 mil para a “avaliação” do imóvel. Sob qualquer escrutínio, é
um valor salgado. Muitos ou a maioria dos clientes nem sequer tomam
conhecimento da cobrança, não porque a considerem módica, mas simplesmente por
não saberem de sua existência.
Incomodado com essa situação, um brasileiro do Banco Central
(BC) avistou-se com banqueiros para saber por que a taxa é tão alta e, também,
o porquê da cobrança. Mandaram-lhe procurar representante dos peritos, os
profissionais autônomos encarregados de avaliar imóveis.
A autoridade inquiriu o perito: “Vem cá, por que R$ 3 mil?”.
Constrangido, o representante dos peritos respondeu: “Doutor, na verdade, a
nossa parte é R$ 300”. “E os R$ 2.700?”, quis saber o brasileiro do BC. “Vão
para o banco, doutor.”
Não mate o mensageiro, diz o provérbio originário do latim
“ne nuntium necare”. Diz a lenda que Dario III, rei da Pérsia, foi derrotado
pelas tropas de Alexandre, o Grande, por ter matado Charidemus, um de seus
generais, responsável por levar-lhe conselhos que contrariavam toda a sua
estratégia até então. O brasileiro do BC respirou fundo ao retornar aos
banqueiros.
“Vamos lá, os peritos me contaram outra história. Por que
vocês ficam com R$ 2.700 da avaliação sem fazer absolutamente nada?”,
questionou. Embaraço geral, crianças foram retiradas da sala e, assim, emergiu
a verdade nua e crua: “Margem, por margem…”. Novamente: “Não mate o
mensageiro”, meditou o brasileiro dom BC.
Margem, neste caso, é lucro ou aquilo que se pode auferir de
um negócio num mercado controlado por poucas empresas. Os R$ 3 mil são
rigorosamente cobrados por todos os bancos – é provável que isso tenha mudado,
mas o fato serve para ilustrar a falta de concorrência no setor bancário.
O cliente não tem para onde correr, afinal, dois bancos
estatais – Banco do Brasil e Caixa – respondem por 50% do varejo bancário, e
três privados – Itaú Unibanco, Bradesco e Santander -, pelo restante. Uma
pergunta que não se cala: a quem não interessa a privatização dos bancos
estatais?
A atual gestão do Banco Central tem implementado agenda,
desde sua chegada a Brasília, há um ano e meio, para tentar diminuir a
concentração bancária, um dos principais gargalos da economia brasileira. Por
que é um gargalo? Porque o custo do crédito na Ilha de Vera Cruz é altíssimo,
e, no caso das micro, pequenas e médias empresas, proibitivo. Esta realidade
impede o desenvolvimento na base da economia, onde estão os novos
empreendedores, a possibilidade de inovação disruptiva e a maioria dos
empregos.
Durante décadas – e isso ainda não acabou -, o Estado
brasileiro deu subsídio fiscal e creditício, por meio do BNDES e outros bancos
federais, a grandes empresas, inclusive multinacionais. Estas companhias não
tomam dinheiro nos bancos locais pela mesma razão de todos nós: juro alto. Mas,
elas têm acesso a capital barato lá fora, onde as taxas de juros são as menores
da história.
A Constituição, corretamente, proíbe discriminar o capital
estrangeiro investido aqui, mas, convenhamos, não faz nenhum sentido um país de
50 milhões de miseráveis e outros 100 milhões ou mais de pobres bancar as
margens de lucro dessas empresas, bem como das grandes corporações nacionais.
A liberdade de expressão está para a democracia assim como a
concorrência está para a economia de mercado. Não existe democracia sem que os
cidadãos tenham o direito de dizer o que pensam de seus governantes. Do mesmo
modo, não há economia de mercado onde monopólios e oligopólios vicejam.
Economias de mercado, em que há verdadeira e acirrada competição entre as
empresas, se desenvolvem mais rapidamente sob regimes democráticos. Democracias
onde o poder econômico se concentra nas mãos de poucos são mancas e sempre
sujeitas à instabilidade.
Na Ilha de Vera Cruz, os grandes monopólios e oligopólios
foram criados pelo governo, como mencionado por esta coluna nesta série
dedicada à história econômica do país desde 1964 – o objetivo é tentar,
humildemente, saber onde estamos depois de duas décadas diametralmente opostas
neste século: segundo o Valor Data, na primeira, a economia avançou em média
3,71% ao ano, e, na segunda, -0,02%; como se vê, estamos no último ano de uma
década perdida.
A justificativa do Estado para estimular a emergência de
grandes empresas, principalmente nos setores de matérias-primas e bens
intermediários, era a de que não havia por aqui, na ocasião (década de 1970),
capitalistas com capital suficiente para bancar investimentos vultosos.
Adotou-se o modelo tripartite, que combinava a participação de capital estatal,
privado nacional e estrangeiro.
Em alguns setores, considerados “estratégicos”, o controle
estatal era absoluto, como na Petrobras, fundada muito antes, em 1953, na CSN
(fundada em 1941, mas inaugurada apenas em 1946), na Vale (1942) e na
Eletrobras (1962, que surgiu como uma empresa de estudos na área energética,
mas, depois, tornou-se holding e incorporou, durante o regime militar, uma
série de estatais).
O modelo de desenvolvimento vigente era o de substituição de importações. De fabricante de quase nada, a Ilha de Vera Cruz transformou-se, graças aos portões fechados e a um enorme endividamento externo, em produtor de quase tudo – o “quase” aqui é crucial para entender que a economia fechada fez o país ficar à margem da corrida tecnológica, atraso que ainda nos custa muito caro. Em 1982, com o advento do que ficou conhecido como “crise da dívida”, o modelo de substituição de importações começou a ruir.
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