quarta-feira, 1 de julho de 2020

UMA ECONOMIA MARCADA PELA CONCENTRAÇÃO

Cristiano Romero, Valor Econômico

Quando um cidadão vai a um banco solicitar empréstimo para comprar um apartamento ou uma casa, fica sabendo que, entre outras taxas, ele tem que pagar R$ 3 mil para a “avaliação” do imóvel. Sob qualquer escrutínio, é um valor salgado. Muitos ou a maioria dos clientes nem sequer tomam conhecimento da cobrança, não porque a considerem módica, mas simplesmente por não saberem de sua existência.

Incomodado com essa situação, um brasileiro do Banco Central (BC) avistou-se com banqueiros para saber por que a taxa é tão alta e, também, o porquê da cobrança. Mandaram-lhe procurar representante dos peritos, os profissionais autônomos encarregados de avaliar imóveis.

A autoridade inquiriu o perito: “Vem cá, por que R$ 3 mil?”. Constrangido, o representante dos peritos respondeu: “Doutor, na verdade, a nossa parte é R$ 300”. “E os R$ 2.700?”, quis saber o brasileiro do BC. “Vão para o banco, doutor.”

Não mate o mensageiro, diz o provérbio originário do latim “ne nuntium necare”. Diz a lenda que Dario III, rei da Pérsia, foi derrotado pelas tropas de Alexandre, o Grande, por ter matado Charidemus, um de seus generais, responsável por levar-lhe conselhos que contrariavam toda a sua estratégia até então. O brasileiro do BC respirou fundo ao retornar aos banqueiros.

“Vamos lá, os peritos me contaram outra história. Por que vocês ficam com R$ 2.700 da avaliação sem fazer absolutamente nada?”, questionou. Embaraço geral, crianças foram retiradas da sala e, assim, emergiu a verdade nua e crua: “Margem, por margem…”. Novamente: “Não mate o mensageiro”, meditou o brasileiro dom BC.

Margem, neste caso, é lucro ou aquilo que se pode auferir de um negócio num mercado controlado por poucas empresas. Os R$ 3 mil são rigorosamente cobrados por todos os bancos – é provável que isso tenha mudado, mas o fato serve para ilustrar a falta de concorrência no setor bancário.

O cliente não tem para onde correr, afinal, dois bancos estatais – Banco do Brasil e Caixa – respondem por 50% do varejo bancário, e três privados – Itaú Unibanco, Bradesco e Santander -, pelo restante. Uma pergunta que não se cala: a quem não interessa a privatização dos bancos estatais?

A atual gestão do Banco Central tem implementado agenda, desde sua chegada a Brasília, há um ano e meio, para tentar diminuir a concentração bancária, um dos principais gargalos da economia brasileira. Por que é um gargalo? Porque o custo do crédito na Ilha de Vera Cruz é altíssimo, e, no caso das micro, pequenas e médias empresas, proibitivo. Esta realidade impede o desenvolvimento na base da economia, onde estão os novos empreendedores, a possibilidade de inovação disruptiva e a maioria dos empregos.

Durante décadas – e isso ainda não acabou -, o Estado brasileiro deu subsídio fiscal e creditício, por meio do BNDES e outros bancos federais, a grandes empresas, inclusive multinacionais. Estas companhias não tomam dinheiro nos bancos locais pela mesma razão de todos nós: juro alto. Mas, elas têm acesso a capital barato lá fora, onde as taxas de juros são as menores da história.

A Constituição, corretamente, proíbe discriminar o capital estrangeiro investido aqui, mas, convenhamos, não faz nenhum sentido um país de 50 milhões de miseráveis e outros 100 milhões ou mais de pobres bancar as margens de lucro dessas empresas, bem como das grandes corporações nacionais.

A liberdade de expressão está para a democracia assim como a concorrência está para a economia de mercado. Não existe democracia sem que os cidadãos tenham o direito de dizer o que pensam de seus governantes. Do mesmo modo, não há economia de mercado onde monopólios e oligopólios vicejam. Economias de mercado, em que há verdadeira e acirrada competição entre as empresas, se desenvolvem mais rapidamente sob regimes democráticos. Democracias onde o poder econômico se concentra nas mãos de poucos são mancas e sempre sujeitas à instabilidade.

Na Ilha de Vera Cruz, os grandes monopólios e oligopólios foram criados pelo governo, como mencionado por esta coluna nesta série dedicada à história econômica do país desde 1964 – o objetivo é tentar, humildemente, saber onde estamos depois de duas décadas diametralmente opostas neste século: segundo o Valor Data, na primeira, a economia avançou em média 3,71% ao ano, e, na segunda, -0,02%; como se vê, estamos no último ano de uma década perdida.

A justificativa do Estado para estimular a emergência de grandes empresas, principalmente nos setores de matérias-primas e bens intermediários, era a de que não havia por aqui, na ocasião (década de 1970), capitalistas com capital suficiente para bancar investimentos vultosos. Adotou-se o modelo tripartite, que combinava a participação de capital estatal, privado nacional e estrangeiro.

Em alguns setores, considerados “estratégicos”, o controle estatal era absoluto, como na Petrobras, fundada muito antes, em 1953, na CSN (fundada em 1941, mas inaugurada apenas em 1946), na Vale (1942) e na Eletrobras (1962, que surgiu como uma empresa de estudos na área energética, mas, depois, tornou-se holding e incorporou, durante o regime militar, uma série de estatais).

O modelo de desenvolvimento vigente era o de substituição de importações. De fabricante de quase nada, a Ilha de Vera Cruz transformou-se, graças aos portões fechados e a um enorme endividamento externo, em produtor de quase tudo – o “quase” aqui é crucial para entender que a economia fechada fez o país ficar à margem da corrida tecnológica, atraso que ainda nos custa muito caro. Em 1982, com o advento do que ficou conhecido como “crise da dívida”, o modelo de substituição de importações começou a ruir.

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