Durante uma videoconferência com representantes do setor de
comércio na manhã desta quinta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão disse
que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia “está fazendo água”.
Mourão atribuiu o problema à Argentina. Mas países como
Alemanha, Holanda e França já deixaram claro que uma das principais razões para
o acordo estar emperrado é a preocupação com a preservação da Amazônia.
À tarde, em outro evento, Mourão tratou do assunto. Mais uma
vez, ele reclamou das críticas que vêm sendo feitas à política ambiental do
governo.
“É surreal a forma como isso é colocado para as pessoas”,
disse ele. “É como se a floresta inteira estivesse pegando fogo.”
Segundo o vice, há brasileiros maliciosos que desejam
apresentar o presidente Jair Bolsonaro no exterior como “a reedição de Átila, o
Huno”.
Logo de saída, fiquei preocupado com a reputação de Átila.
Será que ele merece mesmo essa comparação? Passei a tarde consultando
listas dos piores governantes da história para tentar descobrir qual deles
melhor se equipara ao presidente Jair Bolsonaro.
Eis o resultado da minha aprofundada pesquisa:
- Átila, o Huno: Seu nome é sinônimo de mortandade e destruição. Vindo das estepes asiáticas com sua horda de guerreiros, ele rompeu as fronteiras do Império Romano na primeira metade do século V d.C., deixando ruínas por onde passava. O relato de uma missão diplomática enviada por Constantinopla ao acampamento dos hunos descreve a viagem por caminhos repletos de cadáveres e ossadas. A questão é que Átila era um gênio militar e acompanhava os seus guerreiros no ataque, enquanto Bolsonaro é um estrategista medíocre e prima pela omissão: ao desmontar os organismos de vigilância ambiental, deixou que os desmatadores criminosos avançassem com seus garimpos e queimadas pela Amazônia; ao lavar as mãos diante da pandemia, deixou que o Brasil se tornasse o segundo país do mundo com maior número de mortos pela Covid-19.
- Calígula, imperador romano: Ele é muito lembrado por sua depravação, mas estas comparações não dizem respeito ao estilo de vida, apenas à forma de governar. O que marcou o governo de Calígula foi seu conflito com a casta política de Roma, que ele procurou ridicularizar nomeando como cônsul seu cavalo preferido. Bolsonaro também tem ganas autoritárias e desejou colocar sob a sua bota o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. No entanto, para reduzir os riscos de impeachment (o equivalente moderno do apunhalamento que liquidou com Calígula), o presidente resolveu se amancebar com o Centrão. Seu instinto de sobrevivência é mais agudo que o do imperador.
- Nero, imperador romano: Diz a lenda que Nero tocava sua harpa enquanto Roma ardia em um incêndio gigantesco. No entanto, as pesquisas mais recentes comprovaram que o imperador estava fora da cidade no momento da tragédia. Assim, não há comparação possível. Só mesmo Bolsonaro faz lives com um sanfoneiro, enquanto a Amazônia queima.
- Ricardo
II, rei da Inglaterra: É considerado por muitos historiadores o mais
incompetente dos monarcas ingleses. Inseguro, respondia com violência
àqueles que o contrariavam. Cercado de conselheiros imperitos e
bajuladores, entrou em conflito com o Parlamento em diversas ocasiões –
inclusive por querer gastar dinheiro que o país não tinha. No fim, teve
sua coroa usurpada e morreu aprisionado na Torre de Londres. William Shakespeare
o retratou suspenso entre o trágico e o patético na peça que leva seu
nome. Segundo um crítico inglês, a peça narra “a deposição de um rei que
não sabe governar”.
Foram esses os personagens em que me detive. Qual a
conclusão?
Acho que há semelhanças bastante interessantes entre Ricardo
II e o presidente brasileiro – embora seja impossível imaginar Bolsonaro em uma
peça de Shakespeare.
Acho também muito importante que o governo de Bolsonaro
tenha no máximo a duração do império de Calígula: quatro anos.
Quanto a Átila, já expus minha opinião. Não me parece um bom
paralelo. Átila matava, Bolsonaro deixa morrer.
É isso que incomoda os europeus. Ao contrário do que disse
Mourão na videoconferência de hoje, eles não imaginam que a floresta inteira
está pegando fogo: apenas se deram conta que o governo Bolsonaro, de caso
pensado, afrouxou todos os controles sobre o desmatamento em 2019 e agora corre
atrás do prejuízo. Não por convicção, mas porque está de olho no dinheiro lá de
fora.
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