Na terça (2), houve recorde de mortes por Covid-19 no país, já superado por outros. Jair Bolsonaro estava num almoço festivo no Alvorada com políticos mineiros. Peça de resistência do cardápio: brasileiro no espeto. Estávamos lá na forma de um leitão esturricado. Somos a carne barata do capitão tresloucado, cercado de generais por todos os lados.
Nesta quinta, com um novo marco de cadáveres, ele conclamou os brasileiros a cair na vida para entrar na morte. “Chega de mimimi”, exortou. Afirmou que, na Bíblia, a expressão “não temas” aparece 365 vezes. Teve de consultar um papel. Não conseguiria reter na memória tanta informação. Disse o troço olhando estranhamente para o lado, como se fizesse o download de algo que não era deste mundo.
Vamos a uma indagação que fez história: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” É um dos tuítes golpistas que o general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, dirigiu ao STF no dia 3 de abril de 2018. Mais de 260 mil mortes depois, será que ele tem a resposta?
A intimidação tinha como alvos os ministros do STF. Queria que endossassem o voto de Edson Fachin, relator do HC de Lula, que mantinha o ex-presidente na cadeia contra a Constituição e contra o Código de Processo Penal. O resultado saiu ao gosto da caserna. Fachin não soltou nem Lula nem um pio. Três anos depois, o jacobino tardio anuncia que a democracia está sendo ameaçada por militarismo, intimidação aos Poderes, depreciação do voto, ataques à liberdade de imprensa, armamentismo, recusa antecipada ao resultado das eleições e, claro!, corrupção.
Os seis primeiros itens servem apenas para lavar o sétimo. O paladino do moralismo em que jaz a moral continua a fazer a defesa incondicional da Lava Jato e de seus métodos criminosos. Em offs nada sutis, o ministro tem especulado que a suspeição de Sergio Moro —e, pois, a anulação da condenação de Lula no caso do tríplex— pode ter um efeito cascata, atingindo outros casos. A sugestão implícita é clara e indecente: mantenha-se a sentença insustentável para salvar o sistema.
Fachin é o emblema de um tempo em que o Supremo, por sua maioria, faltou miseravelmente ao país, permitindo que o Estado de Direito se esboroasse no grau zero da legalidade, fragmentando-se em solipsismos de suposta vocação redentora, com o alegado propósito de excluir malfeitores da vida pública. Bolsonaro e os milicos souberam percorrer a trilha que unia a destruição do devido processo legal à terra dos, em breve, 300 mil mortos.
O tribunal que ajudou a promover —por sua maioria, não por unanimidade— a razia na política se queda inerme e perplexo diante da devastação produzida pelo presidente da República e por alguns de seus ministros. No que lhe tem sido dado arbitrar, é verdade, tem feito a coisa certa em relação à Covid-19. Ocorre que há pouca margem de manobra.
Como esquecer? Políticos se tornaram réus, alguns defenestrados da vida pública, porque a corte acolheu denúncias segundo as quais doações então legais a campanhas eram formas veladas de corrupção, bastando para tanto as delações premiadas arrancadas no cárcere por procuradores dispostos a fazer com que seus reféns “mijassem sangue”. Mistificação, demagogia e truculência abriam a picada para os cemitérios.
O delírio punitivista em que se perdeu o Judiciário, em especial o STF —e Fachin continua caudatário desse desastre—, não protege, como se vê, os brasileiros da sanha homicida do Poder Executivo; de sua incompetência; da negação do saber científico; da distribuição de drogas sabidamente ineficazes no combate à Covid-19; da negligência no trato com as vacinas; da, para ser sintético, necropolítica.
O impeachment de Bolsonaro não está no horizonte. Pergunto-me: o que mais pode fazer o Estado legal, de que o STF é a expressão maior e o intérprete final, para impedir que o presidente da República trate 210 milhões de brasileiros como leitões no espeto?
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