O rito anual se repete: na antevéspera de mais uma reunião de cúpula sobre mudanças climáticas, a COP-26 em Glasgow no próximo mês, o governo brasileiro almeja um lugar na comissão de frente da negociação internacional. Ao menos, desta vez, não como obstrucionista dado à chantagem.
O papel desonroso havia sido desempenhado em Madri, na COP-25, por Ricardo Salles. Na ocasião, o então ministro do Meio Ambiente contribuiu para tornar o encontro um fracasso condicionando qualquer compromisso ao aumento de verbas de países ricos para nações em desenvolvimento.
Seu sucessor, Joaquim Leite, deixou o anonimato silencioso na pasta para voltar a bater na tecla financeira, mas com o mínimo de prudência diplomática ao não colocar a demanda como precondição. É a melhor chance de lograr algum avanço nessa questão justa.
Os países desenvolvidos, maiores responsáveis pelo agravamento do aquecimento global, comprometeram-se em 2010 com carrear US$ 100 bilhões anuais para financiamento de ações em favor do clima. A meta deveria ser cumprida até 2020, o que não ocorreu.
Governos de nações industrializadas tendem a ver a cifra como teto e não como piso. Provavelmente alegarão em Glasgow que os gastos e a crise legados pela pandemia tornam inviável o compromisso.
Leite não propôs valor, mas mencionou que outros governos teriam aventado até US$ 1 trilhão por ano.
Ecoando o constrangedor discurso de Jair Bolsonaro na ONU, disse que vai apresentar o “Brasil real, que cuida de suas florestas”.
Ora, o desmatamento na Amazônia retornou ao patamar de mais de 10 mil km² anuais na primeira metade do mandato. E a destruição das florestas, sobretudo no século 20, põe o país no quarto lugar entre os maiores emissores da história, segundo estimativa recente.
Ao tratar de mercados de carbono, Leite defendeu que créditos eventualmente vendidos pelo país sejam descontados das metas assumidas por Brasília. O abatimento implicaria dupla contagem e nada contribuiria, de fato, para arrefecer o aquecimento da atmosfera.
Com essa retórica e sem compromissos palpáveis, o estreante não conseguirá arranhar a imagem consolidada por Bolsonaro de pária entre as nações do mundo.
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