Fugindo dos piratas privados e das criaturas do pântano que o aprisionaram, o ministro Paulo Guedes está em Washington. Se lhe sobrar tempo, bem que poderia dar um pulo na National Gallery e gastar uns minutos diante do "Autorretrato" de Rembrandt, pintado em 1659, quando ele faliu.
O olhar abatido e a tristeza do gênio são uma aula de modéstia. Durante anos, esse quadro (e seu olhar) ficaram diante da mesa do banqueiro americano Andrew Mellon, secretário do Tesouro de três presidentes e síndico da ruína da crise de 1929. Conta a lenda que Mellon ganhou muito dinheiro exercitando a própria frieza enquanto olhava para um artista genial que, confiando demais em si mesmo, arruinou-se. O doutor era meio neurastênico.
Ele teve uns dissabores com a Receita Federal, mas poliu sua biografia doando ao povo americano sua coleção de arte e cacifando a construção do prédio da National Gallery. Alguns quadros que Mellon doou valem mais que todo o ervanário que Guedes mandou para seu refúgio caribenho.
Ao tempo de Mellon não existiam paraísos fiscais e seus filhos ficaram conhecidos pelas fortunas que deram, não pelos tesouros que esconderam. Todos republicanos até a medula.
Andrew Mellon foi um conservador intransigente. A ideia de que ele pudesse se meter em aventuras políticas com um demagogo direitista (nos Estados Unidos eles abundam) é tão absurda quanto imaginá-lo tingindo o bigode branco.
Paulo Guedes encarna o tipo latino-americano do endinheirado ambicioso e oportunista que chega ao poder com grandes planos, descobre que não tem espaço para realizá-los e aninha-se no conforto da cadeira. Guedes acreditou que poderia colocar três ministérios sob sua batuta e três anos depois descobriu que mal comanda um deles.
Em março do ano passado, quando o doutor Guedes percebeu que não poderia se manifestar diante da morte de Gustavo Bebianno, deveria ter procurado a porta de saída. Afinal, havia sido Bebianno quem o levara ao capitão que viria a apelidá-lo de Posto Ipiranga, para agradar a turma do papelório. O amigo de outrora perdera as graças do Planalto. (Em 1976, Antonio Carlos Magalhães, um prócer da ditadura, foi ao enterro de Juscelino Kubitschek, um proscrito, e ai de quem tentasse patrulhá-lo.)
Colaboradores diretos de Guedes mostraram-lhe que algumas de suas ideias eram delírios. Alguns deles, sem conseguirem ser ouvidos, foram-se embora. O doutor sabia em que tipo de governo estava se metendo e devia saber que o tal Posto Ipiranga só podia existir nos anéis de Saturno.
Os milhões do ministro no paraíso caribenho foram um pretexto para as criaturas do pântano deixarem-no ao sol. Logo elas, com quem procurava se dar tão bem. Restam os piratas privados. Por enquanto, alguns deles procuram preservar o czar da economia transformado em pinguim de geladeira. Fazem isso porque temem que para seu lugar vá o voluntarioso Pedro Guimarães, presidente da Nossa Caixa, aquele que tem 15 armas.
Guedes prometeu privatizações, entregou inflação, prometeu reformas, ofereceu as pedaladas dos precatórios. Fracassou.
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