Com a prioridade máxima (e correta) de tirar Bolsonaro, muitos eleitores moderados têm dado vazão ampla aos seus sonhos do que significaria a volta de Lula. A ideia de que o Lula em quem votarão é o moderado do primeiro mandato, o democrata pragmático que prima pela responsabilidade fiscal, que quer distribuir renda sem comprometer a ordem macroeconômica e o crescimento de longo prazo.
O amigo dos pobres mas também do mercado, o líder otimista que projeta um Brasil melhor ao mundo e que, longe da luta de classes, quer que todos ganhem e está disposto a ser mais uma vez assessorado por economistas “neoliberais”.
O próprio Lula faz questão de acenar nessa direção quando, por exemplo, se aproxima de Geraldo Alckmin e discute tê-lo por vice, e garante a empresários que as portas de seu governo estarão abertas a eles. Ele também mantém uma distância enorme de Dilma; parece até que vivem em realidades paralelas.
Quando, todavia, Guido Mantega é escolhido para escrever em nome de seu projeto de governo na Folha, é um Lula muito diferente que se apresenta. Quando se cerca de Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante em seu núcleo de campanha, idem.
O apoio a ditaduras e proto-ditaduras de esquerda no continente também casa mal com o “Lula paz e amor”. E não apenas por ser uma falha humanitária, um lapso na defesa universal dos direitos humanos.
Ele indica um risco mais concreto: se a degradação e o aparelhamento institucionais de líderes populistas de esquerda acabou com a democracia e com a economia em vizinhos nossos, o que não garante que o líder brasileiro que elogia e se alinha a esses regimes não tentará fazer o mesmo por aqui?
Objeta-se, e com verdade, que Lula jamais deu passos nessa direção, mesmo no ápice de seu poder. O problema é que, pelo que ele tem falado, é justo disso que ele se arrepende, pois foi o que possibilitou a queda do PT e sua prisão. A liberdade de imprensa, antes vista como intocável, é hoje rejeitada; o controle social da mídia é prioridade.
No tema da corrupção, o discurso de Lula não faz rodeios: a Lava Jato foi coordenada pelo Departamento de Justiça americano para sucatear a Petrobras.
Tenha a opinião que for sobre os métodos utilizados pela Lava-Jato e os méritos de Sergio Moro como juiz e depois como político, restam ainda os fatos revelados pela operação: o petrolão aconteceu, assim como o mensalão. Se isso é negado e os mesmos que os capitanearam voltarem ao poder, por que não ocorreriam de novo? Até a facada de Bolsonaro ele já colocou em dúvida.
Enquanto Lula conseguir manter a plausibilidade para os dois lados do espectro, melhor para ele: mantém a ala esquerda engajada sem perder o apoio dos moderados. É o Lula de Schrodinger, radical e moderado ao mesmo tempo, a depender do observador.
No experimento mental clássico (“o gato de Schrodinger”), o estado do gato (vivo ou morto) só é determinado pelo ato do observador ao abrir a caixa. Com Lula, só saberemos quando e se ele vestir a faixa. E aí finalmente o Brasil saberá em qual Lula votou. Queremos pagar para ver?
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