terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A CULTURA DA IMBECILIDADE

Vicente Vilardaga, ISTOÉ

Mario Frias pode perder o cargo depois de torrar dinheiro público em viagem desnecessária ao exterior

Enquanto tenta asfixiar os artistas brasileiros com cortes de verbas, ofensas pelas redes sociais e mudanças de regras para financiamento de projetos culturais pela Lei Rouanet, o ex-ator de Malhação e secretário especial de Cultura, Mario Frias, viaja alegremente para os Estados Unidos, arruma emprego para o cunhado e gasta dinheiro público sem a mínima vergonha. Acompanhado do secretário-adjunto, Helio Ferraz, Frias esteve em Nova York, onde ficou cinco dias em dezembro para um encontro inexplicável com o lutador de jiujitsu Renzo Gracie a fim de discutir uma produção audiovisual, o que poderia ser resolvido em uma conversa pelo Zoom. A dupla gastou R$ 78 mil na viagem, o suficiente para pagar 26 cachês por apresentação para artistas que se apresentam de maneira solo no Brasil. Na mudança de regras de financiamento de projetos culturais, publicada no Diário Oficial na semana passada, esse cachê caiu de até R$ 45 mil para até R$ 3 mil, num claro esforço para empobrecer a classe artística. Por conta da viagem inútil, Frias desperdiçou dinheiro suficiente para sustentar um músico ou um poeta brasileiro durante mais de dois anos e, diante da repercussão negativa, acabou cortado da comitiva que acompanhou Bolsonaro à Rússia. Além disso, o caso colocou sua permanência no cargo sob sério risco.

A pasta da Cultura virou um festival de absurdos que enxovalha ainda mais um governo sem direção. Em vez de cuidar da gestão da secretaria, Frias se dedica a fomentar polêmicas estéreis e inventar fake news. Ele disse, por exemplo, em uma live, que tem informações de que o ator Paulo Gustavo não morreu de Covid e que a lei feita em homenagem ao humorista, que será votada neste mês, liberará recursos para minimizar os impactos da pandemia na classe artística e se chamará o “Covidão da Cultura”. Além de ser uma especulação irresponsável, é o tipo da informação que mostra o alheamento do secretario em relação aos problemas reais. Em vez de discutir formas de ajudar os artistas a sair da penúria, ele trabalha para piorar a situação e gerar incerteza no mercado. Para ele, a lei, que injetará R$ 3,5 bilhões no setor, só contribuirá para o aumento da corrupção e será um “desastre completo”. Enquanto critica iniciativas louváveis, ele pratica desmandos como conseguir um emprego para seu cunhado, Christiano Cammati na Embratur, empresa do Ministério do Turismo, ao qual também a secretaria de Cultura está subordinada. Segundo informação do site Metrópoles, Cammati foi contratado pela empresa como coordenador de Infraestrutura e Serviços por um salário de R$ 18,4 mil.

Em parceria com o secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, Frias usa seu tempo para brigar pela internet com a atriz Antonia Fontenelle, declaradamente bolsonarista, mas incomodada com a paralisia cultural do governo. Ela contou nas suas redes sociais que recebeu uma proposta do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, presidente do PTB em São Paulo, para parar de criticar a gestão de Frias em troca da aprovação de um projeto pela Lei Rouanet. “Não tenho nada contra o Mario Frias, mas questiono a gestão dele na pasta. Tudo o que ele grita desde que entrou é ‘que eu cortei a mamata’, que a ‘lacração se fodeu’”, disse a atriz. “O País não merece ter embustes machistas e ignorantes como vocês no Poder”, disse. Frias falou em uma live que irá processá-la.

Na trilha de destruição aberta por Frias, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, tem papel de destaque. Em vez de se posicionar firmemente contra a assassinato racista do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe em um quiosque na praia do Rio de Janeiro, Camargo culpou a vítima. Pelo Twitter, declarou que Moïse foi um “vagabundo morto por vagabundos mais fortes”, numa agressão desnecessária típica da atual política cultural. “A cor da pele nada teve a ver com o brutal assassinato”, afirmou. Trabalhando de maneira explícita contra a igualdade racial no Brasil, ele conseguiu palanque para suas ideias destrambelhadas e, em outubro, chegou ao ponto de se autodeminar Black Ustra, em referência ao coronel torturador Carlos Brilhante Ustra, após a Justiça proibi-lo de nomear ou exonerar funcionários do órgão. Sua cartilha é a mesma de Frias: a que promove a cultura da imbecilidade.

Ataque a Paulo Coelho

A inexplicável viagem de Mario Frias para Nova York causou estupor. O escritor Paulo Coelho comemorou o corte do secretário na comitiva de Bolsonaro para a Rússia e chamou ele e seu braço direito, André Porciúncula, de “palermas”. “Finalmente uma boa decisão de Jair Bolsonaro: limar os palermas Mario Frias e André Porciuncula – que prometem e não mostram os recibos da mamata da viagem aos EUA – de continuar o turismo tosco”, disse. Coelho lembrou também que a secretária da Cultura impediu o Festival de Jazz do Capão, na Bahia, de captar recursos pela Lei Rouanet. O próprio escritor acabou bancando a realização do evento no ano passado. Porciúncula ficou furioso com as críticas e chamou Coelho de “maconheiro escritor de livro de colorir”. “Maconheiro, palerma é você. A viagem foi remarcada devido às tensões na região, mas ainda iremos, temos acordos culturais internacionais para celebrar com a Rússia e Hungria”, prosseguiu. Pelo jeito, Porciúncula também quer viajar.

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