Durante as comemorações do bicentenário da Independência da República, no último 7, o presidente Jair Bolsonaro (PL) puxou coro chamando a si mesmo de “imbrochável”. Essa não foi a primeira vez em que Bolsonaro exaltou o próprio desempenho sexual ou fez comentários dessa natureza, desafiando a liturgia do cargo que ocupa. Ele já havia usado o termo em fevereiro de 2021, em um evento no Ceará. O presidente ressaltou que era alvo de constantes ataques, mas que nunca desistia.
“Porque, afinal de contas, eu sou imbrochável.”
Relembre dez comentários de natureza sexual de Bolsonaro:
Em maio do mesmo ano, Bolsonaro conversou com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. Questionado sobre o seu estado de saúde por um apoiador, o presidente não hesitou em afirmar: “Fica tranquilo, já falei que sou imorrível, imbrochável e também sou incomível”. Em novembro do ano passado, o presidente caiu na gargalhada após fazer uma série de piadas e frases de duplo sentido em uma solenidade do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, realizada no Palácio do Planalto. “E como militar, e não como militar, como qualquer negócio”. Às risadas, o presidente disse que só não come o que não tem: “Como qualquer negócio!”. Caindo na gargalhada, afirmou que iria “dormir na casa do cachorro” ao olhar para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Em fevereiro de 2020, o presidente fez um trocadilho de mau gosto sobre a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Após a repercussão de uma reportagem dela sobre um esquema ilegal de envio em massa de mensagens favoráveis a políticos no WhatsApp, o presidente atacou a repórter com um comentário misógino. “Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, disse a apoiadores. No jornalismo, “furo” é o termo utilizado para um conteúdo inédito, exclusivo.
Na ocasião, Bolsonaro comentava o depoimento dado na CPI das Fake News por Hans River. Ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens, River afirmou que a jornalista teria “se insinuado” em troca de informações. Após a fala do presidente, a Folha divulgou uma reportagem desmentindo Hans River.
Em maio de 2019, durante uma escala no aeroporto de Manaus (AM), Bolsonaro encontrou um turista oriental.
Enquanto era fotografado e filmado com o rapaz, o presidente fez um comentário preconceituoso: “Tudo pequenininho aí?”, questionou rindo e fazendo um gesto de tamanho reduzido com os dedos em alusão ao tamanho do pênis do turista.
Bolsonaro também já constrangeu auxiliares diretos com falas de teor sexual. Em agosto de 2019, numa live com o então ministro da Justiça, Sergio Moro, o presidente fez um comentário de duplo sentido, ao anunciar que o ex-juiz cederia a cadeira ao então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Vai fazer um troca-troca com o Salles aí é?”, questionou Bolsonaro antes de cair na risada.
Já em 2017, quando comentava sobre seus filhos, Bolsonaro afirmou que sua caçula, Laura Bolsonaro, era fruto de uma “fraquejada”. “Fui com os meus três filhos, o outro foi também, foram quatro. Eu tenho o quinto também, o quinto eu dei uma fraquejada. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio mulher”, afirmou Bolsonaro. Durante uma entrevista a podcasts cristãos na última segunda-feira (12), o presidente tentou se redimir ao dizer que “pisou na bola” com a declaração.
Apesar da constante reafirmação de sua virilidade, o presidente já afirmou mais de uma vez que estava “brocha”. Em junho deste ano, apoiadores do presidente questionaram se ele estaria cansado antes de um evento. “Eu estou é brocha mesmo. Apanhar 24 horas por dia não é fácil não”, respondeu Bolsonaro. Em uma entrevista à revista Playboy, em 2011, Bolsonaro afirmou que sexo era “importante” para ele. “É lógico que a minha atividade sexual não é a mesma de quando eu tinha 20, 30 anos, mas ela existe, tanto que casei de novo (com Michelle, em 2008). Com o passar do tempo você fica ali em duas por semana, três por semana. E pode cair, né?”, afirmou. Questionado se já havia “caído”, Bolsonaro respondeu: “Lógico! Quem nunca broxou está mentindo, pô!”.
Eleitor machista
Para a cientista política Deysi Cioccari, embora alvo de crítica constante da imprensa, essas falas hipersexuais beneficiam o presidente. “Aproximam ele do eleitor bolsonarista mais conservador e machista, que está enraizado com esse tipo de cultura e vota nele justamente por causa dessas frases de efeito”, afirma.
A cientista explica que Bolsonaro “sobrevive sendo um espetáculo dele próprio” e que, por isso, produz a imagem que quer. “Pega assuntos que são extremamente difíceis e transforma tudo numa piada. E esse tipo de eleitor compra isso”, destaca Deysi.
As frases machistas e misóginas de Bolsonaro atrapalham, no entanto, a sua campanha na conquista do voto feminino, considera a cientista política. “Ele só está tentando se aproximar do eleitorado feminino por causa da eleição, só que quando ele tenta fazer isso ele derrapa. Toda vez que tenta sair do que foi programado, ele acaba esbarrando nessas frases misóginas e machistas”, ressalta a pesquisadora.
Um caso recente de derrapagem se deu no debate de 28 de agosto, na Band. Diante da pergunta da jornalista Vera Magalhães sobre as vacinas contra a covid-19, Bolsonaro partiu para o ataque: “Acho que você dorme pensando em mim”. “Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”, acrescentou.
“É quem ele é. É quem ele sempre foi”, destaca Deysi Cioccari. “A repercussão junto ao público a gente percebe nas intenções de voto dele: ele está sempre com essa bolha de 30%, que são as pessoas que aprovam”, complementa a cientista política.
Deysi destaca que a sociedade brasileira é historicamente machista e que, por isso, as frases de Bolsonaro têm uma grande adesão. “Bolsonaro representa essa parcela mais conservadora que é machista, que gosta dessas piadas. A bolha bolsonarista gosta disso, então tem uma parcela da população que é muito conivente com isso. Por isso que elegem personagens como ele”, destaca. “Amanhã pode não ser ele? Vai entrar um outro candidato, porque isso é histórico. É quem nós somos desde a velha República”, conclui Deysi.
Neoconservadorismo misógino
Segundo a cientista política Flávia Biroli, essa performatividade de uma masculinidade misógina e violenta do presidente faz parte do chamado neoconservadorismo. “É uma atualização do padrão atual do conservadorismo. Tem um caráter abertamente reativo aos fundamentos das agendas de direitos humanos e a igualdade de gênero”, contextualiza Flávia.
A pesquisadora destaca que esse tipo de masculinidade tem uma estreita relação com a identidade da extrema-direita em ascensão no Brasil e no mundo. “Ele [Bolsonaro] representa uma extrema direita para qual a afirmação de uma masculinidade, em oposição a agenda de igualdade de gênero e aos avanços feministas, as mudanças nos papéis de mulheres e homens na sociedade, é central”, afirma. Essa extrema-direita, também chamada de “populismo de direita”, tem como figuras de proeminência o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e o próprio Bolsonaro.
Flávia destaca que, embora a misoginia e machismo tenham ajudado na trajetória de Bolsonaro, que deixou de ser um deputado com pouquíssima relevância no Congresso Nacional para se tornar o presidente do Brasil, a manutenção desse tipo discurso pelo presidente o prejudica nas eleições deste ano.
“É uma reafirmação do elo com segmentos da população que já foram conquistados pelo bolsonarismo, que já são fiéis ao Bolsonaro. Aqueles que não são fiéis, mesmo tendo votado nele há quatro anos, que não compõem o bolsonarismo de fato, podem ver nessas manifestações misóginas mais uma razão para se afastarem dele. É mais uma razão para rejeitarem a sua candidatura à presidência em 2022”, conclui a cientista política.
CAIO MATOS Repórter. Formado em jornalismo pela Universidade Paulista (Unip). Trabalhou na Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e nas assessorias de comunicação da Casa Civil da Presidência da República e da Codeplan.
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