domingo, 30 de abril de 2023

AS MUITAS FACES DA IGNORÂNCIA

Bertha Maakaroun, Estado de Minas

Para o historiador inglês Peter Burke, ela é um ativo para ditadores e uma responsabilidade para líderes democratas

Peter Burke: “Para entender uma cultura, é preciso levar em conta não só o que as pessoas sabem, mas o que elas não sabem”

“Devemos pensar duas vezes antes de descrever qualquer indivíduo, cultura ou período como ‘ignorante’, uma vez que há coisas demais para saber.” Com esta afirmação, o historiador britânico Peter Burke faz uma advertência aos leitores, especialmente os que se interessarem pelo seu livro mais recente, “Ignorância: Uma história global” (Editora Vestígio), lançado agora no Brasil. E completa o raciocínio com uma boa tirada do escritor americano Mark Twain (1835-1910), admitindo usá-la como um lema pessoal: “Todos somos ignorantes, apenas sabemos diferentes coisas”.

Dito isso, é possível enveredar por uma trilha fascinante da história da humanidade, não a que trata do conhecimento, mas a que trata justamente da falta ou privação dele. Professor emérito da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, Burke, 85 anos, tornou-se uma referência no campo da história social do conhecimento, tema de um de seus livros mais aclamados. Sempre buscando novos veios para seus escritos, admitiu nesta entrevista ao Valor, feita durante breve passagem por São Paulo, que gosta mesmo é de revirar as coisas. Ter uma abordagem “upside down”. E foi assim, inspirado por dois ex-presidentes contemporâneos, Donald Trump e Jair Bolsonaro, “que usaram a ignorância de um jeito até abusivo em seus governos”, que ele iniciou a execução desta história dedicada ao não saber, para a qual criou uma curiosa tipologia.

“Ao buscar adjetivos associados ao meu tema central, encontrei inúmeros: a ignorância pode ser ativa, simétrica, assimétrica, criativa, culpável, deliberada, invencível, pura, estratégica, resoluta, sancionada... são tantos tipos que decidi organizar um glossário no final do livro, para ajudar os leitores”, explica. O livro percorre um itinerário que parte de Confúcio, na China de 2.500 anos atrás, e chega aos dias atuais, mostrando como a ignorância prolifera em inúmeros domínios, seja pela repetição acrítica de erros, seja pela propagação de enganos e mentiras, como acontece nas redes da desinformação.

Cruzando séculos, mas não perdendo de vista a brevidade da vida humana, Burke ultrapassou em muito os seus marcos iniciais, Trump e Bolsonaro, num livro cativante, feito para acadêmicos e público em geral. Importante notar que ele sempre prefere usar o termo “conhecimentos”, reservando o mesmo plural para “ignorâncias”. Porque são muitas. São desafiadoras. Podem até ser notáveis. Estudioso da obra do antropólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), assim como sua mulher, a historiadora Maria Lúcia Pallares-Burke, também da Universidade de Cambridge, Peter Burke ainda nos oferece saborosos exemplos brasileiros, no livro e na entrevista que se segue.

Valor: O que o levou a estudar a ignorância?

Peter Burke: Durante 25 anos escrevi sobre a história do conhecimento, ou dos conhecimentos, buscando novos ângulos. Escrevi sobre exilados e expatriados na Europa e nas Américas, avaliando o impacto dos deslocamentos humanos na passagem de uma cultura para outra. Daí veio o livro “O polímata: Uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag”, em torno de pessoas que alargaram as fronteiras do conhecimento. Quando escrevi sobre a história social da linguagem, quis estudar a história do silêncio. E assim fui compondo uma coleção de livros que tira um pouco as coisas do lugar. Mais recentemente me interessei pelo tema da ignorância ao observar Trump e Bolsonaro, porque ambos usaram-na de um jeito abusivo. No caso de Trump, muito mais abusivo do que ousaram antecessores seus, republicanos como [Ronald] Reagan e [George W.] Bush.

Valor: Vivemos tempos de maior conhecimento ou de maior ignorância?

Burke: Hoje existe uma imensa oferta de conhecimentos, mas veja que, a partir do século XV, com o advento da imprensa, houve também uma expansão tremenda. Sou um pouco cético em afirmar que um determinado período da história foi mais ou menos propício ao conhecimento. Mesmo hoje, quando o ser humano é capaz de se informar como nunca antes, resta-lhe uma vida útil na qual é preciso reservar tempo para comer, dormir e outras necessidades básicas, portanto, existe um limite para assimilar dados. Fiz uma busca curiosa na minha pesquisa: comparei uma edição da “Enciclopédia Britannica” do ano de 1911, considerada uma das melhores, com uma edição recente. Na edição mais antiga, Martinho Lutero (1483-1546), deflagrador da Reforma Protestante, tinha um verbete de seis colunas, já na edição atual, apenas uma. O filósofo Cícero (106 a.C.-43 a.C.) também foi drasticamente reduzido e, como ele, outros grandes pensadores. Isso porque entram muitos verbetes novos ne enciclopédia. Enfim, todos os tempos têm os seus conhecimentos e as suas ignorâncias.

Valor: A agnoiologia, estudo da ignorância, assim como a agnotologia, estudo da produção da ignorância, são conceitos restritos ao mundo acadêmico. Existe uma certa aversão social em torno do tema?

Burke: Ser ignorante é o inverso do que é histórica e socialmente desejado, ou seja, ter o maior conhecimento possível. Só que, para entender uma cultura, é preciso levar em conta não só o que as pessoas sabem, mas o que elas não sabem. Na Europa da Idade Média não se sabia da existência da América, e vem dessa ignorância a vontade de conhecer o Novo Mundo. Sócrates e Confúcio comentaram acerca do que não se sabe. Em 1980, notei que muitas disciplinas acadêmicas se interessaram pela ignorância, e eu nem saberia explicar por quê. Me lembro de um curso muito popular numa escola médica americana, que justamente tratava do que os médicos não sabem. Pode haver um certo preconceito social em torno do tema. Quando comecei a minha pesquisa, meus amigos brincavam comigo sugerindo que um livro sobre a ignorância só precisaria ter páginas em branco.

Valor: O senhor chegou a montar um glossário no final do livro, uma espécie de tipologia da ignorância. Por que fez isso?

Burke: Porque fui coletando os adjetivos que são comumente associados a ela. Como estava ficando um pouco confuso, pensei que um glossário poderia ser útil aos leitores. No mundo acadêmico, pesquisadores podem nomear de formas distintas fenômenos que são semelhantes, e tudo isso tem muito a ver com o processo de especialização. Quanto a mim, uso o conceito clássico de ignorância, como ausência ou privação do conhecimento. Há pesquisadores mais interessados na produção da ignorância, o que não é o meu caso. O que mais me atrai são as consequências sociais da ignorância.

Valor: Há uma ignorância em estado puro?

Burke: Talvez um bebê nasça neste estado, porém, quando começa a falar, a se comunicar, a interagir, sai dele. Adotei um motto que vem do escritor Mark Twain: “Todos somos ignorantes, apenas sabemos diferentes coisas”.

Valor: O senhor analisou a ignorância organizacional, um fenômeno coletivo que tanto poderia estar nos exércitos de Napoleão, quanto no mundo corporativo atual.

Burke: Há diferentes tipos de ignorância coletiva, em geral associadas a estruturas hierarquizadas. Estudei o que se passa no mundo dos negócios, e daí percebi como frequentemente as pessoas do topo não conhecem as pessoas da base. Analisei casos de empresas no Japão até me dar conta de como seria salutar a promoção de encontros regulares nos quais os gestores possam se misturar aos subordinados, onde se encomendariam os drinques e, por dois dias, haveria debates sem hierarquia nem censura. Seria uma forma de quebrar essa cultura japonesa de longas horas de confinamento em escritórios, seguidas por uma socialização compulsória onde se bebe para esquecer no dia seguinte. Diretores de corporações deveriam saber que o seu papel não se limita a ir atrás do lucro e interagir com os subordinados não se limita a dar ordens. Passei pela sociologia do exército, da igreja, das monarquias, e os problemas relacionados à ignorância coletiva se repetem. Luiz XIV, o Rei Sol, deixou uma espécie de testamento com instruções para o seu filho, escrito por um “ghost writer”. No documento, apresentava-se como alguém que sabia tudo sobre todos. Não era verdade, até porque seus ministros mentiam muito para ele. Mesmo nas democracias modernas, deparamos com a mesma situação: o governante tem seus ministros e assessores, contudo, será que eles lhe dizem o que é preciso dizer ou que ele quer que seja dito?

Valor: A ignorância pode ter as suas vantagens?

Burke: Sim, e dou alguns exemplos. É recomendável que um examinador possa avaliar um trabalho acadêmico sem saber muito sobre o autor. Auxilia o bom julgamento. O mesmo princípio está contido na simbologia da Justiça, uma deusa de olhos vendados. Existe algo que é muito levado em conta na Inglaterra: juízes devem se manter reclusos e inacessíveis até o fim do julgamento, especialmente quando precisam decidir sobre questões complicadas. Ou seja, há casos em que a ignorância é vantajosa e mesmo necessária. Mas são raros.

Valor: Ao tratar da ignorância dos tomadores de decisão, o senhor olhou para o mundo financeiro. Já vivemos neste século algumas crises bancárias, inclusive recentemente. O economista e filósofo americano John Kenneth Galbraith (1908-2006) chamou de “insanidade financeira” a repetição de erros num setor onde as decisões devem ser muito racionais. Qual é a sua visão?

Burke: É preciso distinguir as incertezas que cercam um tomador de decisão. Há quem precise traçar cenários sobre o que possa vir a acontecer no futuro, o que envolve incertezas. Mas existe aquela ignorância culpável, quando o tomador de decisão tem informações concretas, seja no mundo das finanças, na política ou na guerra, e repete erros já cometidos. Aliás, como já se disse, quem não conhece o passado está condenado a repeti-lo. A história das guerras, de novo ela, ajuda a compreender. Operações militares no Afeganistão sempre foram desastrosas, porque as forças invasoras, apesar de militarmente superiores, nunca souberam como lidar com a geografia de um lugar repleto de montanhas geladas e de difícil acesso. Assim, não conseguiam controlar os altos do território. Esse erro é uma espécie de repetição do que se passou nas invasões da Rússia, por Napoleão e por Hitler. Faltava roupa de frio para as tropas porque os comandantes achavam que iriam terminar o conflito ainda no verão. É quando se diz que as tropas foram derrotadas pelo General Winter.

Valor: Na perspectiva da ignorância, como avalia a guerra entre Rússia e Ucrânia?

Burke: É importante avaliar como um lado vê o outro. A Rússia ainda vê a Ucrânia como parte da União Soviética, por isso não lhe dá o direito de querer ser independente. Já a Ucrânia acreditou que iria emergir como país independente a partir do colapso soviético. Putin subestimou o outro lado ao decidir pela invasão, misturando ignorância com arrogância. Porém, também há muita ignorância do outro lado. Para alunos e amigos, sempre cito a Guerra de Canudos (1896-97), no nordeste baiano, como um exemplo arrebatador de ignorância estratégica. Como jagunços miseráveis puderam derrotar um exército bem alimentado e profissional? Os jagunços lutaram no calor, ao qual estavam acostumados, e em território conhecido, mas é preciso admitir que souberam vencer o lado forte, que por sua vez cometeu erros. E não é fácil reconhecer falhas. É digna de nota a humildade de Robert McNamara (1916-2009), ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, ao reconhecer publicamente os erros cometidos pelo seu país na Guerra do Vietnã [como registrou no livro “In Retrospect: The Tragedy and Lessons of Vietnam”, de 1996]. É um exemplo raro de se encontrar na história.

Valor: Vamos na direção de uma nova guerra fria, com mais tecnologia, porém com mais estupidez humana?

Burke: A guerra fria que conhecemos no século passado era o confronto de dois blocos definidos. Hoje há uma fragmentação geopolítica no mundo. Gestos amigos que aparecem em um dado momento desaparecem em outro, e o fato é que diferentes nações podem querer ter o papel de iniciar uma guerra devastadora. Uma situação perigosa, exigindo permanente balanço de forças.

Valor: Sem falar nos ditadores consumados, líderes autocratas despontaram em vários países. Em que medida a autocracia se vale da ignorância como arma política?

Burke: Preciso fazer uma distinção. Trump e Bolsonaro provaram sua ignorância, e este é um tipo de problema. Outro tipo de problema são autocratas que pensam que os outros são ignorantes. Historicamente constatamos que a ignorância é um ativo para ditadores e uma responsabilidade para líderes democratas. Um ativo porque ditadores precisam de um povo obediente, que saiba pouco sobre o que se passa e acredite em tudo do governo. Já na democracia, a ignorância é desafiadora porque pode influenciar o voto. Pesquisas em diferentes países e épocas revelam os níveis do desconhecimento político. Numa delas, 80% dos eleitores americanos disseram não saber quem era o secretário do Estado quando o posto era ocupado por Condoleezza Rice. Em outra, perguntou-se qual a religião mais influente na América Latina, e mais de 60% dos entrevistados não sabiam. Na Europa, também a maioria não sabe. Para mim isso é assustador, por isso coloco tanta ênfase na educação. O cardeal Richelieu (1585-1643), um autocrata que de fato governou a França na época de Luís XIII, escreveu em suas memórias como eram indesejáveis o camponês educado e o soldado que questiona ordens.

Valor: Por que tantas pessoas ainda acreditam em Trump e Bolsonaro?

Burke: Isso tem a ver com o efeito constante das fake news. Elas circulam o tempo todo, para todos, em todos os meios, especialmente pela TV e redes sociais. E, infelizmente, cada vez menos pessoas leem jornais. Os súditos do passado não tinham informação sobre os monarcas, pois negava-se ao povo o acesso às informações da vida política. Hoje isso não acontece, ao contrário, vivemos um clima de permanente propaganda política. No entanto, quantas pessoas são capazes de criticar os conteúdos a que têm acesso? Quantas avaliam as fontes das informações? Quantos conseguem construir a sua própria agenda? Insisto, o remédio está nas escolas. Na Escandinávia, e em algumas partes dos EUA, estão ensinando alfabetização informacional para os jovens. Para que possam avaliar uma fonte de informação e vir a desenvolver sua capacidade crítica. É um caminho ainda incipiente, mas necessário.

Valor: Em seu livro, o senhor aponta o negacionismo como algo que virou um negócio.

Burke: Negacionismo também ocorreu no passado. Turcos negaram o genocídio armênio. Hoje há quem negue o Holocausto. E há outros casos. O problema não é negar, passando por cima das evidências, o problema é como essas vozes têm merecido crédito. Claro, temos que levar em conta a força dos líderes carismáticos, como eles exercem o poder, como se expressam. E eu chamaria atenção para algo muito específico do Brasil: o país sofre da síndrome do salvador da pátria, como foi feito de Getúlio Vargas e outros líderes. Colocam-se expectativas enormes nos dirigentes. No início é vantagem, depois vira desapontamento. Lula pode vir a enfrentar isso.

Valor: E o negacionismo em torno da mudança climática, com consequências dramáticas para a humanidade?

Burke: É um caso espetacular de ignorância em torno do que é inconveniente saber. Porque há muita gente no mundo que simplesmente não quer abrir mão do seu estilo de vida, mesmo sabendo que ele compromete o meio ambiente. Paralelamente há interesses econômicos imensos em jogo, o que também não é novo. Nos anos 1960, soubemos de cientistas cooptados pela indústria do tabaco para negar publicamente a relação entre o fumo e o câncer. Quando os primeiros ambientalistas começaram a criticar os efeitos da industrialização, nem chegavam a amedrontar os governos. Mas, nas décadas seguintes, eles passaram a incomodar. As preocupações com o clima explodem, e os políticos agora têm um problema.

Valor: Como lidar com a xenofobia e o fundamentalismo religioso? E qual o peso deles na geração da ignorância?

Burke: Não é fácil abrir os olhos de quem não quer ver. Existe muita ignorância nos países que recebem imigrantes, sobre a vida e as razões dessas pessoas. Também tem sido difícil entender os argumentos de quem diz que se trata de invasores. O Reino Unido tem hoje um primeiro-ministro com origem indiana (Rishi Sunak), o que poderia simbolizar novos tempos. Porém, na verdade, trata-se de um homem extremamente rico, um conservador que deve governar para os muito ricos como ele. Nada a ver com um primeiro-ministro como Harold MacMillan (1894-1986), que era de fato um conservador liberal. O conservadorismo que cresce no Reino Unido atualmente é o linha-dura. Sobre a ignorância religiosa, ela vem de longe, tanto que já foi chamada de “ignorância invencível”. No tempo das missões, falou-se muito da ignorância dos convertidos. Hoje a escala do problema mudou. Pode-se dizer que o Islã até ficou mais flexível, porém, com uma parte menor, que é fundamentalista. E existem outros fundamentalismos religiosos, como o cristão e o judeu, hoje tão presente em Israel. Vejamos o pentecostalismo no Brasil. Ele guarda analogias com o que se passou na África. Assim como os missionários do passado no continente africano, os pastores passaram a atuar mais perto das pessoas, dando-lhes inclusive uma vida social. Só que as coisas não param por aí, evidentemente. O grande problema que estamos enfrentando, em várias partes do mundo, é a religião transformada em política. Esse é o desafio.

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LIÇÕES DA HISTÓRIA

Merval Pereira, O Globo

Livro lembra a tentativa de golpe para impedir a posse de JK na presidência da República

A história recente depende tanto dos jornalistas, que relatam a primeira versão dos fatos, quanto dos historiadores, que os analisam, e os documentos de época, para daí contar a história do Brasil. Com frequência os fatos passados nos ensinam como, de acordo com a ação do presente, o futuro poderia ser diferente.

É o caso da tentativa de golpe deflagrada pelos seguidores do ex-presidente Bolsonaro em janeiro deste ano, com o objetivo de impedir que Lula pudesse assumir seu terceiro mandato presidencial. Na comparação histórica, a atuação do General Teixeira Lott, comandante do Exército, na reação à tentativa de impedir que Juscelino Kubitschek, vitorioso na eleição presidencial de outubro de 1955, assumisse a presidência da República, pode ser confrontada com os fatos ocorridos em janeiro deste ano.

Para tanto, o jornalista Pedro Rogério Moreira, membro da Academia de Letras de Minas Gerais, está lançando um livro intitulado “Lott, a espada democrática, & outros escritos pacifistas”, com base em uma longa conversa que teve em 1977 com o General Henrique Teixeira Lott em seu apartamento em Copacabana, complementada por outras, no sítio do General em Teresópolis.

A atuação de militares do entorno de Bolsonaro ainda nos surpreende, passados meses da tentativa de golpe. Vídeos divulgados recentemente provocaram a demissão do General GDias, nomeado por Lula ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que se mostrou completamente inepto para enfrentar a crise, numa atuação que a oposição pretende atribuir a uma adesão tácita ao golpe.

Dezenas de militares que trabalhavam no GSI sob as ordens do General Augusto Heleno ainda estavam em atividade, e foram demitidos depois que os vídeos demonstraram que aderiram aos revoltosos e se recusaram a combatê-los. Uma CPI mista está para começar a revolver esses fatos, com perspectiva de crise política à frente.

A justificativa na época de JK era tão implausível quanto a alegada por Bolsonaro hoje, de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis. Na época, tirou-se da manga da farda dos revoltosos uma carta que já não funcionara anteriormente em 1950, quando Getúlio fora eleito: a obrigatoriedade de maioria absoluta para vencer a eleição, o que não era exigido pela Constituição.

Pedro Rogério diz que decidiu retomar o tema, que mantinha inédito até então, quando assistiu à tentativa de golpe em janeiro deste ano. Diz ele: “ No dia 11 de novembro de 1955, um pequeno grupo de políticos e militares inconformados com a eleição de Juscelino Kubitschek intentou um golpe para impedir sua posse na presidência da República. Alegavam que JK não alcançara a maioria absoluta de votos (que a lei eleitoral não exigia)”.

“O Exército, legalista, reagiu em armas na defesa do eleito. JK foi empossado. O líder dos legalistas foi um general chamado Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott. Este livro é um recorte da vida do notável soldado que batia continência exclusivamente para a pátria e para o poder civil”.

“O ideal civilista de Lott esteve presente no dia 8 de janeiro de 2023, quando os três poderes da República repeliram prontamente a violenta tentativa golpista envenenada por uma fake news semelhante à de 1955, a inverídica fragilidade da urna eletrônica. Os golpistas de outrora, civilizados, foram se refugiar num cruzador rebelde da Marinha. Os golpistas de 2023, criminosos, tiveram refúgio num acampamento militarizado de Brasília”.

A história mostra que JK governou sob ameaça de golpes, o primeiro na cidade paraense de Jacareacanga, em 1956. Três anos depois, em 1959, houve a revolta de Aragarças. Derrotados pelas forças legalistas, os sediciosos de ambas ocasiões foram anistiados por Juscelino. O golpe militar de 1964 foi uma consequência dessa série de embates entre militares golpistas e legalistas. É uma lição da história que os golpistas de hoje precisam ser punidos exemplarmente, inclusive o ex-presidente Bolsonaro, o mentor.

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A TENTATIVA BIZARRA DE BOLSONARO PARA MUDAR O JOGO

Carlos José Marques, ISTOÉ

Até as pedras do Planalto sabem quem arquitetou, estimulou e coordenou a famigerada tentativa de golpe de Estado do 8 de Janeiro buscando ferir de morte a tenra democracia brasileira. A desfaçatez com que o capitão da mentira Jair Messias avança serelepe em narrativas que não se sustentam em pé não assombra. Mas mostra o grau de bestialidade e demência em que ele e seus asseclas seguidores parecem estar metidos. A última façanha dessa fragata de insensatos é a de vender o argumento de um autogolpe no qual o demiurgo de Garanhuns Lula teria se metido, conspirando contra ele mesmo, porque, digamos assim, não queria o cargo que conquistou e resolveu promover uma baderna em Brasília para apear a sí próprio do poder. Faz sentido? Não mesmo. 

Para lunáticos adoradores, porém, é a saída com uma explicação possível e ideal que livraria os colegas baderneiros da cadeia e, principalmente, a seu “mito” Messias por tamanha afronta inconstitucional. São de uma ingenuidade pedestre as alegações. O impulso e motivo maior para essa nova e entusiasmada narrativa estaria na eventual participação do general Gonçalves Dias, que até bem pouco tempo ocupava a chefia do GSI. Por elementar que seja, Lula obviamente não sabia dessa possível conivência militar ao aceitar colocá-lo no posto. E tão logo tomou conhecimento do episódio tratou de pronto de chamá-lo ao Planalto e solicitar a sua demissão. 

No cúmulo do absurdo era só o que faltava imaginar o petista concordando em manter ao lado alguém que porventura teria – ainda no campo da investigação – conspirado contra o seu próprio governo. Mas os bolsonaristas mais afoitos e cegos pela adoração fanática resolveram infestar as redes com suas habituais fake news a respeito. Não será suficiente para livrar o Messias venerado do calvário das acusações rumo às penas. Bolsonaro que por força da imunidade do cargo conseguiu driblar a CPI da Covid, na qual deveria ter sido o principal protagonista pela responsabilidade na morte de milhares de pessoas, não conseguirá escapar da CPI do golpe, agora despojado de suas regalias e garantias protetivas.

 Sim, de uma maneira ou de outra, na letra da Lei, o capitão irá, mais cedo ou mais tarde, ao cadafalso. Ele não perde por esperar enquanto ainda se refestela em banhos de mar e passeios de jet ski. Há de se imaginar que vale a conhecida escrita “Justiça tarda, mas não falha”. Bolsonaro terá de sentar, incondicionalmente, no banco da Comissão de Inquérito para as devidas justificativas de seus atos. O mentor do golpe, com todos os dedos e impressões suas lambuzados pelo crime não pode ser absolvido, sob risco de desmoralizar de vez os fundamentos institucionais do País. Que a cadeia seja logo o seu destino, merecido e condizente com os atos que praticou. Inegibilidade pelo que fez será muito pouco.

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sábado, 29 de abril de 2023

TEMER NÃO FOI PÁRIA

Do Blog do Noblat, Metrópoles

A elite política e intelectual portuguesa acompanha o Brasil e sabe a diferença entre os dois anos de Temer e os quatro do Bolsonaro

As falas do Presidente Lula em Pequim e em Abu Dhabi provocaram descontentamento entre os países que defendem a Ucrânia contra a invasão russa. O próprio presidente reconheceu o erro e reduziu o impacto negativo de suas declarações ao dizer depois que a Rússia fez uma invasão. Também repercutiu mal, embora de forma restrita apenas a Portugal, a declaração de que o Brasil ficou pária durante seis anos, misturando Temer e Bolsonaro, José Serra e Aloysio Nunes com Ernesto Araújo.

A elite política e intelectual portuguesa acompanha o Brasil e sabe a diferença entre os dois anos de Temer e os quatro do Bolsonaro. Temer fez uma visita de Estado a Portugal e recebeu o presidente deste país em uma grande visita oficial. Todos sabem que seus dois ministros, Serra e Aloysio, fizeram uma política externa com presença no mundo. Não foi uma declaração sintonizada com a realidade da história recente de nossa política externa.

Do ponto de vista da luta contra o autoritarismo, não tem lógica tratar Bolsonaro e seus ministros como iguais a Temer e seus ministros. Esta declaração não ajuda quando olhamos para 2026, sabendo que o bolsonarismo ainda vai estar ativo e precisaremos reeleger Lula, o que requer apoio de muitos dos que estiveram no governo Temer. Muito provavelmente os ministros do Temer votaram no Lula desde o primeiro turno, como Aloysio Nunes, provavelmente todos votaram no turno final.

A fala do Presidente Lula repercute mal em Portugal, onde Temer é respeitado como acadêmico e promoveu boas relações com o país, e não ajuda a consolidar a imagem do Lula Estadista Planetário, preocupado com os grandes problemas do mundo. Era momento dele de dar uma mensagem clara sobre a desumanidade como a Europa tratamento aos imigrantes. O presidente do Brasil perdeu a chance de falar para o mundo, dar uma lição de como a Europa deve tratar do problema da migração em massa. Sugerir formas para enfrentar com humanismo a tragédia dos afogados no caminho, barrados na fronteira ou excluídos dentro dos países onde penetraram.

Perdeu esta chance por falar no Exterior mirando seus aliados internos, como se fazia nos quatro anos anteriores. Ainda mais ajudando Bolsonaro ao identifica-lo com Temer.

Mas talvez o maior problema desta fala do Lula não esteja nele, mas no fato de que neste seu terceiro mandato ele parece não ter pessoas com autoridade para criticá-lo, e sugerir caminhos e falas diferentes do que ele projeta e fala. Sem críticos que alertem, nenhum governante é bem sucedido, e nós precisamos do sucesso de Lula, por isto precisamos que ele tenha aliados que não fiquem no assustado silêncio bajulador, prefiram alertar ao presidente das consequências de suas falas. Especialmente no Itamaraty.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador.

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JUROS NÃO TÊM DATA PARA CAIR

Alvaro Gribel, O Globo

Semana termina com indicadores que deixam o Banco Central em posição menos confortável para começar a reduzir a taxa Selic

Para quem aposta em uma indicação de corte de juros pelo Banco Central na reunião do Copom da próxima quarta-feira, a semana termina em clima de cautela: o rombo nas contas públicas foi muito maior do que o previsto em março, e a inflação de serviços em abril, medida pelo IPCA-15, continuou estável em patamar elevado. Até mesmo as boas notícias do IBC-Br e da geração de empregos formais significam problemas quando o assunto é inflação. A demanda está mais forte do que se imaginava, e tudo isso deixa o BC em posição desconfortável para começar a reduzir a Selic mais rapidamente, como todos desejam.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem razão quando diz que os gastos do Tesouro com juros inviabilizam a melhora da dívida pública. Ontem mesmo o Banco Central divulgou a sua Nota de Política Fiscal, mostrando que as despesas com juros chegaram a R$ 693 bilhões nos últimos 12 meses até março, o que corresponde a 6,85% do PIB, como mostra o gráfico. Em um ano, essa conta cresceu R$ 290 bilhões. O governo central teve superávit primário de R$ 74,8 bilhões nesse período, mas o resultado nominal, que inclui os juros, foi um déficit de R$ 618 bilhões.

O problema, como explicou o economista Marcos Lisboa durante audiência pública no Senado na última quinta-feira, é que a Selic elevada não é a causa dos nossos desequilíbrios, mas a sua consequência. As dúvidas estão na política fiscal, e por isso a equipe econômica terá muito trabalho para provar que o arcabouço de fato irá entregar os resultados que promete. Economistas de peso, como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga — e que não têm ligação com o desastroso governo Jair Bolsonaro — têm feito alertas sobre os riscos da nova regra.

O reequilíbrio fiscal pela ótica da arrecadação não é o ideal, mas se justifica pelas perdas nas receitas provocadas durante o governo anterior e pelos problemas sociais que o país enfrenta em várias áreas, que dificultam o corte de gastos. Mas propor uma meta de inflação mais alta como forma de baixar juros, acusar o Banco Central de usar a Selic para sabotar o governo, enviar projeto de lei com retrocessos na lei do saneamento e tentar afrouxar a Lei das Estatais são medidas que não dão margem para defesa.

Se as ameaças à democracia foram contidas neste início de governo, elas podem voltar a ganhar tração em um cenário de crise econômica, como alertou Arminio. Por isso, a equipe econômica, o PT e, principalmente, o presidente Lula não têm muito espaço para errar. É preciso focar nas medidas corretas, sem invencionices, ajustar a comunicação e criar as condições para que BC reduza os juros de forma técnica.

Preocupação com a meta

O economista-chefe do G5 Partners, Luis Otávio Leal, especialista em inflação, acredita que ficou mais difícil para o Banco Central indicar um corte de juros na reunião de quarta-feira. Ele diz que há um ponto vermelho marcado no calendário e que gera preocupações na autoridade monetária: a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, que pode fazer alterações nas metas de inflação.

— Antes, eu achava que esse evento do CMN não era decisivo, mas agora eu acho. E pode ter mudanças boas ou ruins. Acabar com o ano-calendário seria um avanço. Mas mudar a meta em si, neste momento, acho que seria casuístico. Se for para fazer isso, melhor que seja no ano que vem, com os juros já em queda — pontuou.

Esta semana, Roberto Campos Neto voltou a dizer que o aumento da meta não trará os ganhos esperados por alguns integrantes do governo. O resultado será uma piora imediata das expectativas, o que obrigará o BC a manter os juros mais altos por mais tempo. Ou seja, tudo o que ninguém quer. O CMN reúne o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; a ministra do Planejamento, Simone Tebet; e o próprio Campos Neto. A união dos dois ministros poderia deixar o BC isolado nessa votação.

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sexta-feira, 28 de abril de 2023

UMA CPI EM BUSCA DA PÓS-VERDADE

Artigo de Fernando Gabeira

Estamos diante de uma comissão que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores.

A invasão do Capitólio, nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, inspirou uma comissão no Congresso americano que, por sua vez, resultou num relatório de alguma repercussão no país. Num texto de 800 páginas, Donald Trump aparece como o principal responsável pelo ataque.

Era de esperar que, após o 8 de Janeiro no Brasil, também se formasse uma comissão com a tarefa de documentar um fato histórico sem precedentes na nossa democracia.

Caminhos tortuosos nos levaram à CPI. No princípio, o governo não a queria. Em tese, era um momento de acusar a extrema direita e responsabilizar seus líderes, sobretudo os que afirmaram, sem provas, que as urnas eletrônicas são viciadas. Mas para o governo a vida seguia seu rumo: ao invés de olhar para trás, era preciso resolver questões cruciais do futuro próximo – o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Neste contexto, a CPI do 8 de Janeiro era uma dispersão de energia.

Outro aspecto interessante: o autor do pedido de CPI é um deputado investigado precisamente por cumplicidade com o tríplice ataque de 8 de janeiro. Era evidente que o objetivo era, de certa forma, impor uma nova versão dos fatos, deslocando o governo da posição de vítima para a de responsável.

Na verdade, os bolsonaristas queriam produzir a magia de invadir Congresso, Supremo Tribunal Federal e Planalto, destruir o que encontraram pelo caminho e, em seguida, convencer o País de que foi tudo um complô do governo. Seria preciso muita competência, de um lado, e total apatia, do outro, para que os acontecimentos do 8 de Janeiro dessem esse salto acrobático e caíssem de cabeça para baixo.

Houve um fator que o governo subestimou. O 8 de Janeiro aconteceu num momento especial de nossa história tecnológica. Todos tinham smartphones para documentar o estrago. Os assaltantes filmaram, a polícia filmou, os curiosos filmaram e as câmeras dos três prédios também filmaram. São milhares de horas filmadas. Para quem vive o momento atual, era evidente que essas imagens eram, de certa forma, o caminho real das investigações, mas que também, numa época caracterizada pela pós-verdade, a manipulação do material daria o controle das versões sobre os fatos.

As imagens do Planalto não foram divulgadas nem analisadas transparentemente pelo governo. Acabaram vazando e, com isso, precipitaram a queda do general Gonçalves Dias e a própria instalação da CPI.

De fato, os militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se recusaram a combater os invasores e, com a desculpa de gerir uma crise, mostraram-se gentis com eles. Deveriam ser afastados todos, pois nenhum palácio presidencial do planeta cai sem resistência dos seus defensores, a não ser que haja um golpe interno, mas ainda assim há resistência de um setor leal.

Estamos, agora, diante de uma CPI que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores.

O momento é outro. Haverá muitos parlamentares com o telefone na mão, falando com suas bolhas, produzindo vídeos curtos estimulando o confronto nas redes sociais. Essa é uma atividade que se impôs no Brasil, sobretudo depois de 2018.

O interessante é que os fatos mesmo já são quase todos conhecidos. Sabemos quem atacou, por que atacou, por quem foi influenciado. Mas nada disso importa, sobretudo à extrema direita. Ela se alimenta de uma fração da sociedade que já não se interessa mais em separar fatos de fantasias.

Por isso a atividade política, talvez a atividade pública de um modo geral, se move hoje num campo minado. É preciso recuperar os fatos, fortalecer os argumentos, superar os equívocos, enfim, trabalhar dentro das regras democráticas.

Mas, por outro lado, é preciso compreender as novas variáveis do jogo. A transparência teria dado ao governo uma posição muito mais cômoda, embora fosse preciso explicar a hesitação de seu ministro do GSI e demitir todos os que não resistiram aos invasores.

Grande parte das batalhas se dá em torno de imagens, memes e teorias conspiratórias. Exércitos de robôs se deslocam no espaço virtual, invadindo corações e mentes, ocupando extensos territórios da opinião. A tarefa de comunicar com clareza e exatidão se tornou mais necessária porque, na verdade, só uma atmosfera caótica como essa transforma uma CPI num incômodo para o governo atingido e motivo de excitação para as forças agressoras.

Desde o princípio, as teses dos teóricos da extrema direita – Steve Bannon entre eles – apontam o caminho do caos, a tática de confundir e ofender não só adversários políticos, mas todos os que querem profissionalmente apurar os fatos, confirmá-los com rigor.

Não é fácil encontrar uma tática correta nesta confusão, mas ela precisa ser decifrada, como uma esfinge pronta para devorar a democracia.

É obvio que é preciso muita luta. Mas, nessas circunstâncias, a luta apenas não resolve se não for informada por muita reflexão e coragem para inovar.

Artigo publicado no jornal Estadão em 28/04/2023

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quinta-feira, 27 de abril de 2023

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS

Luana Patriolino, Correio Braziliense

MP pede multa de R$ 30 milhões a Bolsonaro por violar direitos das crianças

Promotora citou que o ex-presidente utilizou imagens de crianças e adolescentes nas campanhas eleitorais — e destacou o polêmico caso das meninas venezuelanas

O Ministério Público do Distrito Federal pediu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seja condenado a pagar uma multa de R$ 30 milhões por violar os direitos das crianças durante a campanha eleitoral de 2022. A Procuradoria cita diversos episódios, entre eles, quando o ex-chefe do Executivo diz que “pintou um clima” com crianças venezuelanas.

O pedido foi feito pela promotora Lúcia Helena Barbosa Brasileiro dos Passos, em uma ação civil pública, distribuída para a 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal. O processo está sob sigilo. A multa de R$ 30 milhões deverá ser revertida para o Fundo da Infância e da Adolescência do DF ou para algum Fundo Nacional equivalente.

Na ação, a promotora ressaltou também que o ex-presidente utilizou indevidamente imagens de crianças e adolescentes em campanhas eleitorais; incitou crianças e adolescentes a reproduzir gestos violentos; e reproduziu violência de gênero em falas estigmatizantes.

Meninas venezuelanas

A polêmica sobre a fala começou após uma declaração do presidente Jair Bolsonaro a um podcast, na corrida eleitoral de 2022. Respondendo a uma pergunta sobre a hipótese de o Brasil se tornar comunista numa eventual vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então candidato, ele insinuou que meninas venezuelanas têm de se prostituir no Brasil para "ganhar a vida".

Na conversa, Bolsonaro relatou que, em 2020, estava andando de moto em Brasília quando viu meninas "arrumadinhas" de "14, 15 anos", até que "pintou um clima" e ele pediu para entrar na casa delas.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado. Na ocasião, o ministro André Mendonça rejeitou cinco pedidos de investigação contra Bolsonaro. Segundo o magistrado, não há elementos suficientes que justificassem a abertura de um inquérito.

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NEM A VELHINHA DE TAUBATÉ ACREDITA NA VERSÃO DE BOLSONARO À PF

Edna Lima, OS DIVERGENTES

Bolsonaro nunca decepciona. É mesmo um fanfarrão. Não assume responsabilidade por nada. Ao ser flagrado em situações adversas tenta terceirizar a culpa. Na quarta-feira, durante depoimento à Polícia Federal, não podia ser diferente. A desculpa de que postou um vídeo contestando o resultado das eleições, dois dias após a tentativa de golpe fracassada do 8 de janeiro, “sem querer” e que “estava sob efeito de morfina”, não cola nem pra Velhinha de Taubaté.

Primeiro porque o vídeo vai ao encontro de tudo que o ex-presidente sempre pregou e defendeu ao longo dos últimos dois anos. Antes, durante e depois das eleições, o discurso bolsonarista constantemente foi o de criar em seus seguidores a desconfiança a respeito do sistema eleitoral brasileiro.

Não por acaso, a minuta do golpe, encontrada na casa do seu ex-ministro da Justiça Anderson Torres, previa a decretação de estado de defesa no TSE, o que daria poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte eleitoral. Portanto, dizer que postou “por equívoco” um vídeo cujo o conteúdo está de acordo com o seu pensamento, não cola.

Além disso, foram muitos os ataques ao sistema eleitoral brasileiro liderados pelo ex-presidente. Quem não se lembra da viagem aos Estados Unidos, em fevereiro de 2020, quando Donald Trump ainda era presidente, na qual Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas eleições de 2014 quando retornasse ao Brasil? As tais provas nunca foram entregues, mas a dúvida na cabeça dos seus seguidores foi plantada.

Também não tem como esquecer a reunião com embaixadores no Alvorada, em julho do ano passado, quando Bolsonaro atacou as urnas tentou colocar sob suspeita o sistema eleitoral brasileiro perante o mundo.

O depoimento de Bolsonaro à PF de tão cínico chega a ser risível. Lembra até outro famoso episódio do folclore político brasileiro, quando o advogado Frederick Wassef tentou convencer a jornalista Andréia Sadi de que não sabia como Fabrício Queiroz, encontrado pela Polícia escondido em sua casa em Atibaia, havia entrado lá.

Do ponto de vista jurídico não dá pra dizer se a cascata vai funcionar. Mas como estratégia de comunicação foi até positiva para o ex-presidente. Primeiro porque Bolsonaro dividiu os holofotes com a instalação da CPMI do golpe. Depois, conseguiu tirar de foco a notícia de que a ex-primeira-dama Michelle admitiu ter recebido pessoalmente o segundo pacote de joias sauditas, fato muito mais desgastante para clã bolsonarista do que as críticas ao sistema eleitoral.

E por último, mas não menos importante, por ter deixado em segundo plano o silêncio de Bolsonaro sobre assuntos que podem comprometê-lo muito mais perante à Justiça, como a tal minuta do golpe.

Bem ou mal, mesmo que de forma tosca, Bolsonaro conseguiu alimentar a militância.

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AS TAIS NARRATIVAS

Merval Pereira, O Globo

CPI dos Ataques Golpistas será uma guerra de narrativas nas redes sociais, que só fará mal ao país

A manobra do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fazendo seu partido mudar de bloco partidário para garantir ao Planalto mais um voto na CPMI dos Ataques Golpistas, mostra não apenas o tamanho do receio governista, mas, especialmente, a capacidade que nossos políticos têm de desvirtuar mecanismos criados para organizar nossa vida partidária, uma verdadeira bagunça com cerca de 20 partidos em ação no Congresso.

O senador Randolfe Rodrigues é considerado um parlamentar de elite, bem preparado e sério em sua atuação cotidiana, mas não se negou a usar uma artimanha para melhorar a posição do governo que defende numa CPMI que tentou de todas as maneiras impedir de funcionar. As CPIs, mistas ou não, são uma arma da minoria oposicionista, local em que têm condições de igualdade para denunciar o governo, qualquer que seja, mesmo que, ao final, não haja consequências práticas. Mas, como já se sabe, uma CPI, mesmo que não consiga prender ninguém nem derrubar um ministro de Estado, pode provocar feridas profundas no governo, seja qual for.

As federações partidárias foram imaginadas para reduzir o número de partidos em atuação, já que são formadas, teoricamente, por legendas que pensam de maneira semelhante e são obrigadas a votar de maneira homogênea durante todo o mandato legislativo. Blocos partidários são um mero faz de conta da Câmara dos Deputados, uma manobra em si mesma, que permite outras manobras.

Neles se reúnem partidos aleatoriamente, apenas para ocupar posições nas comissões permanentes e na Mesa Diretora. Não importa se pensam e votam de maneira distinta, tanto que, organizados os blocos, eles podem ser modificados, como agora, e se desfazem automaticamente, embora continuem existindo como um fantasma que não quer largar o plano terrestre. Durante quatro anos continuam valendo. São apenas uma gazua, instrumento para arrombar portas e permitir a entrada de parlamentares de acordo com interesses partidários.

Desse modo, a Rede, que fazia parte do Bloco Democracia, com PSDB, Podemos, MDB, União e PDT, passou a integrar o Bloco Resistência Democrática, formado por PT, PSB e PSD. Não há incoerência na troca, pois os dois blocos teoricamente fazem parte da base do governo, mas há incoerência na manobra, só motivada para garantir mais um lugar para o governo na CPI mista.

Como essas artimanhas parlamentares são inesgotáveis, a oposição já respondeu com mais tecnicismo. Alega que a composição que vale para a distribuição de cargos é a do início da legislatura, e não a de hoje, depois da instalação da CPMI. Essa interpretação, se vingar, engessará os blocos partidários, mas eles serão menos ilógicos do que se puderem ser alterados a qualquer momento. Não há mesmo sentido em permitir a troca de integrantes de blocos a qualquer momento.

A CPMI que o governo lutou para não acontecer já seria uma dor de cabeça para o Palácio do Planalto mesmo que não surgissem os vídeos mostrando, no mínimo, a incapacidade do General G. Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para lidar com aquela crise. Mas já se sabe o que a oposição fará na CPMI dos Ataques Golpistas. Tentará convencer a opinião pública de que não se tratou apenas de incapacitação, mas de leniência com os golpistas. Já que não há possibilidade de desmentir que houve uma tentativa de golpe, claramente orquestrada pelo ex-presidente Bolsonaro, tentarão demonstrar que a crise só tomou tamanha dimensão porque interessava ao governo entrante, para aumentar a rejeição aos bolsonaristas amotinados.

Como se diz, será uma guerra de narrativas nas redes sociais, que só fará mal ao país.

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CPI, MILITARES E A BUSCA DA VERDADE

Míriam Leitão, O Globo

O brigadeiro Joseli Camelo admite que houve contaminação de militares da ativa no bolsonarismo, mas não da instituição em si

Quatro generais podem se sentar na CPI do 8 de janeiro como interrogados. Três que serviram ao governo Bolsonaro e um que servia agora ao governo Lula. Apesar de serem da reserva, mantinham contato estreito com o pessoal da ativa. E outros militares da ativa foram filmados de braços cruzados enquanto vândalos praticavam crimes no lugar que eles deviam proteger, o Palácio do Planalto. São os sinais exteriores de quão fundo se foi no país recentemente na politização das Forças Armadas.

O brigadeiro Joseli Camelo, presidente do Superior Tribunal Militar, que entrevistei ontem na Globonews, acha que a CPI será uma excelente oportunidade para todos os militares explicarem seus atos. Os possíveis convocados da CPI instalada ontem são os generais e ex-ministros de Bolsonaro, Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil). Além do general Gonçalves Dias.

— Todos esses oficiais generais estavam em cargos públicos, em cargos políticos. Conheço bem o general G.Dias, porque trabalhei com ele por oito anos. É uma pessoa espetacular, mas ele e todos os outros devem explicações à população. E acho isso natural — disse o brigadeiro.

Devem sim explicações porque estavam em cargos públicos, mas também porque os que trabalharam no governo Bolsonaro, mesmo os da ativa, desconheceram os limites entre a atuação num determinado governo, e o ato de servir a um projeto autoritário e inconstitucional. Perguntei ao brigadeiro Joseli sobre os acampamentos em frente aos quartéis militares que passaram a ser foco do golpismo.

—Realmente é uma coisa que não é correta. Mas, como havia um governo que apoiava este tipo de manifestação, achava-se que era normal, que era a livre expressão, só que na realidade não é. Ninguém pode pedir uma intervenção militar. Isso é crime. Havia uma certa conivência. O governo aceitava e os militares também. Mas o presidente é comandante supremo das Forças Armadas.

Perguntei a ele: se um comandante supremo ordenar que as Forças Armadas façam algo inconstitucional, elas devem fazer? Ele respondeu que havia pessoas “fanatizadas” no governo anterior, inclusive dentro das Forças Armadas.

– São pessoas que passaram a achar que, quem não pensa como eles, está doente, e que acreditam que são salvadores da Pátria. E isso influenciou muito a decisão de aceitarem aqueles acampamentos em frente aos quartéis.

A grande questão é quanto dessa polarização contaminou as Forças Armadas como um todo. Afinal, o que se viu foi uma participação ativa de militares na tentativa de tirar a credibilidade das urnas eletrônicas, uma peça-chave do plano golpista que culminou nos atos de 8 de janeiro. A visão do presidente do STM é diferente. Ele admite que houve contaminação, mas acredita que não da instituição em si.

–Não há nada institucional. Não tivemos os altos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica coniventes com isso. Nas reuniões de alto comando, tudo isso era discutido, mas jamais nenhum deles foi integralmente favorável, institucionalmente favorável. Tivemos casos isolados — disse o brigadeiro.

O presidente do STM tem uma visão de que, nesse momento, é necessário pacificar o país. E não acredita que se a CPI interrogar generais ou se acirrar o conflito político, possa interromper esse processo de pacificação que, segundo ele, está em curso em relação às Forças Armadas. É bom sonhar com essa pacificação e o presidente Lula tem se esforçado. Porém há muito caminho a andar, inclusive para entender profundamente a conspiração que levou ao 8 de janeiro, e quais são as responsabilidades dos líderes civis e militares naquele atentado.

A CPI ainda é uma grande incógnita, como todas, mas essa tem toques irreais. Foi proposta pela força política que originou os atos de golpismo, e defendida por parlamentares que antes, durante e depois, apoiaram os atentados. Chega na sua instalação com o governo tendo maioria dos integrantes e chances de comandar a CPI mista. Mesmo assim, a oposição bolsonarista vê nela uma chance de redução do dano à imagem política do grupo. Eles usarão todo o tempo para construir uma narrativa bem diferente dos fatos, porque os fatos os condenam.

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MORRE HELENA DE GRAMMONT

Do g1 — São Paulo

A jornalista Helena de Grammont morreu nesta quinta-feira (27), aos 74 anos, em São Paulo. Ela foi repórter da TV Globo mais mais de uma década.

Helena de Grammont, ou Heleninha, como era chamada pelos colegas de redação, nasceu em Botucatu, interior do estado. Trabalhou incialmente como bancária, mas resolveu seguir os passos do irmão, editor na TV Globo.

Aos 58 anos, Heleninha foi diagnosticada com Alzheimer precoce. Ela se casou duas vezes - com o jornalista Odair Redondo e com comentarista esportivo Juarez Soares, e deixa três filhos.

Na capital paulista, fez faculdade de jornalismo e começou na TV Globo na década de 1970. Gostava de contar que no primeiro dia de trabalho já saiu pra rua, com um microfone na mão, ouvindo o povo.

Ela passou por todos os jornais e no Fantástico participou de grandes coberturas - como a que revelou a cooptação de menores pela seita do reverendo Moon. Acompanhou de perto o drama do desaparecimento do escoteiro Marco Aurélio, em 1985, caso até hoje sem solução.

No começo dos anos 80, uma tragédia familiar abalou a vida de Helena de Grammont. Sua irmã, de 26 anos, foi assassinada pelo ex-marido, Lindomar Castilho, um dos cantores de maior sucesso da época.

Inconformado com a separação, Lindomar entrou na boate onde Eliane se apresentava e atirou. Heleninha mobilizou mulheres e organizou passeatas exigindo justiça. Lindomar Castilho foi condenado a doze anos de prisão.

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CAVALO DE PAU NO STJ

Adriana Fernandes, O Estado de S. Paulo

Equipe econômica viu na ação de Mendonça ‘alimento’ para vitória do governo no STJ

A vitória da União já era dada como praticamente certa ainda pela manhã, antes do julgamento

Ainda que o ministro Haddad tenha descartado a possibilidade, o governo pode lançar mão em breve de uma medida provisória para vedar que empresas continuem abatendo do IR e da CSLL (tributos federais) benefícios dados pelos Estados por meio do ICMS após vitória em julgamento no STJ. A MP pode correr em paralelo ao julgamento do caso no STF.

A vitória da União já era dada como praticamente certa ainda pela manhã, antes do julgamento, com base no monitoramento da posição dos ministros julgadores do Tribunal.

Motivo de preocupação dos advogados das grandes empresas que seriam atingidas por uma decisão favorável para o governo. Movimentações nos bastidores seguiram para definir a estratégia das companhias.

Até que o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, decidiu conceder uma medida cautelar suspendendo os efeitos do julgamento pouco antes do seu início e os ministros do STJ foram avisados com ele já em curso.

Um cavalo de pau após toda a movimentação de Haddad, no STJ para ganhar a causa e mostrar que ela é justa tecnicamente. O governo vê no abatimento dos incentivos dados pelos Estados para pagar menos os dois impostos federais “bondade com chapéu alheio”.

Haddad conta com o fim do abatimento para conseguir um fluxo anual de receita de R$ 90 bilhões – a maior parte do que o governo precisa para entregar as metas fiscais das contas do governo prometidas do projeto do novo arcabouço fiscal enviado ao Congresso.

Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Mendonça atendeu pedido das empresas do agronegócio por meio da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Os ministros do STJ ignoraram a decisão de André Mendonça e tocaram o julgamento, argumentando que não tinham recebido o comunicado oficial.

Ao final, deram a vitória à União, comemorada por Haddad – ainda que o caso esteja na mão do STF. O próprio ministro Haddad já tinha antecipado, no início da semana, que a matéria iria acabar indo para o STF.

Por decisão unânime, foi reconhecida a impossibilidade de se excluir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL os valores relativos a benefícios fiscais de ICMS. Entre esses benefícios estão isenção, redução de alíquota e diferimento (adiamento) do tributo cobrado pelos Estados.

A equipe econômica viu na ação do ministro André “alimento” para vitória no STJ. Uma batalha que está só começando, das muitas que o ministro anunciou que vai enfrentar ao antecipar em entrevista, ao Estadão, que vai abrir a caixa-preta desses benefícios e mostrar CNPJ por CNPJ das empresas beneficiadas.

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quarta-feira, 26 de abril de 2023

FOI SEM QUERER QUERENDO

Renato Machado, Folha de S.Paulo

Bolsonaro fala à PF em engano e efeito de remédios por vídeo golpista após 8/1

Ex-presidente depôs por duas horas à Polícia Federal na manhã desta quarta-feira em Brasília

BRASÍLIA  Representantes da defesa de Jair Bolsonaro (PL) afirmaram que o ex-presidente disse nesta quarta-feira (26) a investigadores da Polícia Federal ter publicado por engano em uma rede social vídeo repassado a ele questionando a lisura das urnas eletrônicas.

O ex-presidente ainda estaria sob efeito de medicamentos quando fez a postagem, por ter sido hospitalizado.

"Esse vídeo foi postado na página do presidente do Facebook quando ele tentava transmiti-lo para o seu arquivo de WhatsApp para assisti-lo posteriormente", disse o advogado Paulo Cunha Bueno, na saída da sede da Polícia Federal.

"Por acaso, justamente nesse período, o presidente estava internado em um hospital em Orlando. Justamente no período entre o dia 8 e o dia 10 [de janeiro] ele teve uma crise de obstrução intestinal, isso está documentado, foi submetido a um tratamento com morfina, ficou hospitalizado e só recebeu alta na tarde do dai 10", continuou.

Ao longo de seu mandato (2019-2022), Bolsonaro acumulou declarações de cunho golpista e, ao perder as eleições, além de não reconhecer o resultado, incentivou apoiadores a permanecer em acampamentos que pediam às Forças Armadas um golpe que impedisse a posse do presidente Lula.

A defesa acrescentou que Bolsonaro apenas respondeu aos questionamentos relativos ao objetivo de sua intimação, que era a postagem do vídeo produzido por um procurador do estado de Mato Grosso que ataca a segurança das urnas eletrônicas. No entanto, diz que o ex-mandatário se colocou à disposição para esclarecer outros pontos.

Afirmou ainda que Bolsonaro está à disposição para depor na CPI mista que investigará os ataques de 8 de janeiro.

Segundo a defesa, o ex-presidente recebeu o vídeo e queria armazená-lo para assistir mais tarde. Bolsonaro, diz a sua defesa, não se deu conta de que realizou a postagem, que acabou removida por auxiliares em seguida.

"Essa postagem foi feita de forma equivocada, tanto que pouco tempo depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou essa postagem. Observem inclusive que essa postagem foi feita na sua rede social de menor importância, apenas no Facebook, que é uma rede que ele pouco utiliza hoje em dia, e não foi colocada nas demais redes", afirmou o advogado.

Bolsonaro foi intimado a depor à PF por ter compartilhado nas redes sociais, dois dias depois da invasão do Palácio do Planalto, um vídeo com ataques à segurança das urnas eletrônicas. A postagem foi apagada pouco depois de ser tornada pública.

O ex-presidente depôs por cerca de duas horas e meia no âmbito da investigação que apura os ataques golpistas de 8 de janeiro. O inquérito mira os autores intelectuais da investida que desaguou na invasão e depredação de Palácio do Planalto, Congresso e STF (Supremo Tribunal Federal).

Ele permaneceu na sede da PF em Brasília das 8h45 às 11h20. Estava acompanhado dos advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, além do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten.

Na saída, seus advogados pararam para falar com jornalistas. O próprio Bolsonaro chegou a descer de um outro veículo, indicando que concederia entrevista. No entanto, logo na sequência voltou para o carro e deixou o local.

Wajngarten afirmou que a postagem havia sido feita, equivocadamente, pelo próprio ex-presidente. Afastou assim hipóteses de que terceiros teriam sido os responsáveis, como um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro.

"Foi ele que postou, todos os metadados da plataforma estarão à disposição dos delegados da Polícia Federal", afirmou.

O aliado ainda acrescentou que a defesa ainda fez uma demonstração aos policiais federais de como é fácil realizar uma postagem no Facebook.

"A referida postagem, objeto do depoimento de hoje, acontece poucas horas, poucos momentos após a saída dele do hospital, altamente debilitado, altamente medicado. E a postagem, a mecânica de postagem na plataforma do Facebook, se dá com meros dois cliques no botão compartilhar", afirmou.

Os advogados foram questionados por jornalistas a respeito das respostas dadas sobre a minuta de um golpe, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. A defesa reforçou que ele apenas tratou do objeto daquela intimação, no caso, a postagem do vídeo.

Sua equipe ainda acrescentou que as eleições de outubro de 2022 são "página virada" para o presidente e que ele deixou claro isso durante o depoimento. Além disso, novamente, teria condenado os atos de 8 de janeiro.

"O presidente reiterou no depoimento de hoje, recriminou todo e qualquer ato antidemocrático, todo e qualquer ato que visa gerar instabilidade na ordem democrático", afirmou o advogado Daniel Tesser.

"O presidente fez questão de consignar no depoimento de hoje: as eleições de 2022 são páginas viradas para ele. Isso está duas vezes no depoimento de hoje", completou.

A defesa do ex-presidente ainda acrescentou que o ex-presidente está "sempre à disposição", caso ele seja convocado para prestar depoimento na CPI mista que será instalada para apurar os atos golpistas de 8 de janeiro. "Lógico, ele está sempre à disposição, nada a ocultar", afirmou Bueno.

Com um pouco mais de cautela, Wajngarten responde que é necessário "esperar para ver o que vai acontecer".

Segundo a coluna Mônica Bergamo, da Folha, Bolsonaro passou a tarde de terça (25) reunido com advogados e assessores para treinar as respostas que daria à PF.

O ex-presidente retornou ao Brasil no dia 30 de março, após uma temporada de quase três meses nos Estados Unidos. Bolsonaro havia saído do país um dia antes do fim de seu mandato, interrompendo assim a tradição histórica de passar a faixa presidencial para o seu sucessor.

Esse foi o seu segundo depoimento à Polícia Federal após o seu retorno. O ex-mandatário já precisou dar explicações sobre o caso das joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita.

A PF abriu quatro frentes de investigação após os ataques de bolsonaristas acampados no QG do Exército.

Uma delas mira os possíveis autores intelectuais, e é essa frente que pode alcançar Bolsonaro. Outra tem como objetivo mapear os financiadores e responsáveis pela logística do acampamento e transporte de bolsonaristas para Brasília.

O terceiro foco da investigação da PF são os vândalos. Os investigadores querem identificar e individualizar a conduta de cada um dos envolvidos na depredação dos prédios históricos da capital federal.

A quarta linha de apuração avança sobre autoridades omissas durante o 8 de janeiro e que facilitaram a atuação dos golpistas.

Essas investigações deram origem a dez fases ostensivas da Lesa Pátria até o momento, deflagradas pela PF para avançar nas apurações.

JOIAS DA ARÁBIA SAUDITA

A defesa de Bolsonaro comentou também o caso das joias enviadas por autoridades da Arábia Saudita, embora não fosse o objeto do depoimento do ex-mandatário.

Os advogados afirmaram não verem motivos para que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro preste depoimento sob argumento de que não houve fato novo, com a revelação de que o segundo kit de joias tenha sido entregue diretamente para ela. "Não foi intimada, não tem intimação, não tem previsão", afirmou o advogado Paulo Cunha Bueno.

A defesa de Jair Bolsonaro buscou reforçar a versão de que o presidente não tinha conhecimento da existência das joias que foram apreendidas pela Receita.

O ex-ministro Fabio Wajngarten disse ainda que Bolsonaro guardou as joias e outros bens na fazenda do ex-piloto Nelson Piquet porque não possuía uma residência com espaço suficiente para recebê-los.

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WELINGTON MACEDO, O BOLSONARISTA FORAGIDO

João Pedro Pitombo, Folha de S.Paulo

Foragido por bomba em aeroporto se diz perseguido e afirma se esconder em fazenda de bolsonarista

Ex-assessor de Damares, blogueiro Wellington Macedo não revela local do paradeiro e diz que não vai se entregar à polícia

SALVADOR Um dos três réus acusados de tentar explodir uma bomba em um caminhão nas proximidades do aeroporto de Brasília em 24 de dezembro, o blogueiro e influenciador Wellington Macedo está foragido há quatro meses e diz que se abriga em fazenda de um empresário bolsonarista.

Em entrevista à Folha nesta terça-feira (25), Macedo disse ser inocente no caso da tentativa de explosão da bomba, afirmou que não sabia da existência do artefato nem do plano para detoná-lo e alega ser alvo de perseguição do Judiciário.

Foragido desde dezembro, quando rompeu a tornozeleira eletrônica e deixou o Distrito Federal, o bolsonarista diz que não pretende se entregar à polícia.

Afirma ainda que está em local isolado –a fazenda de um produtor rural que ele conheceu no acampamento com viés golpista montado em frente ao quartel-general do Exército em Brasília após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.

O nome do empresário e a localização da propriedade rural não foram reveladas.

"Eu não voltei mais em casa, fui para outra cidade. Estou numa fazenda de pessoas que conheci no acampamento. Estou bem isolado, estou longe", disse à Folha, por telefone.

Macedo ocupou um cargo no governo Jair Bolsonaro (PL), atuando como assessor da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF) de fevereiro a dezembro de 2019, com um salário bruto de R$ 10.373.

Ele foi preso em 2021 por determinação do ministro Alexandre de Moraes (STF) sob acusação de incentivar atos antidemocráticos no 7 de Setembro. Deixou a prisão 42 dias depois e vinha sendo monitorado por tornozeleira eletrônica.

As investigações da Polícia Civil do Distrito Federal apontam que Macedo foi responsável por dirigir o carro que transportou a bomba na véspera do Natal de 2022 do acampamento bolsonarista em frente ao QG até o aeroporto do Brasília.

O artefato foi preparado pelo empresário George Washington de Oliveira e colocado em um caminhão no aeroporto pelo também bolsonarista Alan Diego dos Santos e Sousa, de acordo com as investigações.

Os três se tornaram réus em janeiro após o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitar a denúncia do Ministério Público. Apenas Macedo segue foragido.

Na versão contada por Wellington Macedo, ele estava no acampamento gravando vídeos para a produção de um documentário quando foi procurado por Alan Diego, que lhe pedira uma carona para o aeroporto. Ele diz que o conheceu dois dias antes em uma barraca onde estavam manifestantes do Pará.

Ao chegarem nas proximidades do aeroporto, ainda segundo a versão de Macedo, Alan Diego teria sacado a bomba de dentro de uma sacola que estava no banco de trás do carro.

Ao se aproximarem do caminhão, Alan Diego teria pedido que Macedo reduzisse a velocidade, colocou parte do corpo para fora da janela e pôs o artefato sobre um pneu do veículo que estava estacionado. Na sequência, algum tempo depois, sacou um pequeno controle remoto para detonar o explosivo.

Macedo diz que se sentiu intimidado, mas questionou: "Eu disse: ‘Cara, por que tu fez isso comigo? Tu nem me conhece. Tu me vê no QG, sabe que eu sou perseguido e me envolve num negócio desse?’"

Depois, deixou Alan Diego em um hotel em Brasília. Questionado sobre o porquê de não ter acionado a polícia para avisar da bomba nas proximidades do aeroporto, disse que teve medo de ser preso.

A polícia foi chamada pelo motorista do caminhão, que percebeu que uma caixa havia sido colocada no veículo. Foi encontrada no local uma pequena dinamite com temporizador. O explosivo foi retirado pelo esquadrão antibombas, que desativou o artefato ainda no local. Ninguém se feriu.

Preso no mesmo dia da tentativa de explosão, o empresário George Washington afirmou à Polícia Civil que planejou com manifestantes a instalação de explosivos em ao menos dois locais da capital federal nos dias anteriores à posse de Lula.

O objetivo seria "dar início ao caos" que levaria à "decretação do estado de sítio no país", o que poderia "provocar a intervenção das Forças Armadas".

Macedo, George Washington e Alan Diego respondem na Justiça pelo crime de explosão, caracterizado por "expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos". A pena é de três a seis anos de prisão e multa.

Responsável pela defesa de Macedo, o advogado Aécio de Paula protocolou na segunda-feira (24) uma defesa prévia na Vara Criminal do Distrito Federal que cuida do caso.

Ele alega que, em depoimento à polícia, tanto George Washington como Alan Diego isentaram o seu cliente da tentativa de atentado. Destaca ainda que Macedo nem sequer conheceu o empresário bolsonarista que providenciou a bomba.

"A gente requereu a inépcia da denúncia. Entendemos que não é crime dar carona para alguém. O Ministério Público falhou em não individualizar [as condutas]", afirma o advogado, que defende que seu cliente não se entregue à polícia.

Macedo também é investigado por suspeita de participar de depredações em Brasília, incluindo uma tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula.

O blogueiro diz que apenas registrou imagens dos atos de violência e que não defende pautas golpistas. Nas redes sociais, contudo, ele fazia chamamentos a protestos antidemocráticos e alusões a um possível golpe militar.

Ele isenta o ex-presidente Bolsonaro acerca da escalada da violência após as eleições e diz que os manifestantes foram se tornando mais radicais nas semanas seguintes ao pleito. Agora, diz que vai se afastar da política: "Estou muito cansado, quero focar em minha defesa".

Em 2022, Macedo se candidatou a deputado federal pelo PTB de São Paulo, mas teve apenas 1.118 votos. Na campanha, ele repassou R$ 99 mil da verba que recebeu do partido para contratar a empresa de publicidade de um dirigente partidário do próprio PTB.

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JUREMA FINAMOUR, A JORNALISTA SILENCIADA

Do jornalista e escritor Mário Magalhães, via Facebook

Saiu pela editora Libretos um tremendo livro, destinado a fazer história e a retirar do esquecimento uma personagem que apagaram da memória nacional: “Jurema Finamour: A jornalista silenciada”, de autoria da jornalista, professora e escritora Christa Berger.

Como a autora de quase 20 livros, muitos deles marcantes, foi eliminada da história?

Como a jornalista que conheceu e contou as aventuras de gente interessante e relevante, no Brasil e mundo afora, é hoje um nome ignorado até por quem supõe saber das coisas?

Por que sumiu das lembranças impressas e das reconstituições do passado a mulher que foi à luta por causas generosas, muitas das quais só ecoariam tempos mais tarde?

Passeiam pela vida de Jurema (1919-1996), e pelas páginas do livro de Christa, figuras como Gabriela Mistral, Pablo Neruda, Carolina Maria de Jesus, Luiz Carlos Prestes, Fidel Castro e Di Cavalcanti, que retratou a biografada.

A biografia é engenhosa. A autora escreve a vida da protagonista e compartilha com o leitor os caminhos para descobrir ou tentar descobrir informações perdidas. E estimula a reflexão sobre o esquecimento, que é provocado, e não acidental.

É evidente que a condição de mulher emancipada de Jurema foi determinante. Mas houve mais, como ressentimentos embebidos de mesquinharia.

Assim começa o livro: “Jurema ainda era criança quando sua mãe, dona Floripes, foi embora e deixou o marido, seu José Aureo Ferreira, o filho Milton e ela, formando uma família de gente triste”.

Dá para resistir a uma prosa assim?

Tomara que o jornalismo cultural não cale a respeito do novo livro. Além de ignorar uma bela obra, renovaria o silêncio perverso sobre a mulher fascinante que foi Jurema Finamour.

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O GENERAL NÃO LEU AS MENSAGENS

Elio Gaspari, O Globo

A CPI demarcará a inépcia, a tolerância e a cumplicidade

O ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ricardo Cappelli, disse que, “com a liberação das imagens [do Palácio do Planalto invadido no dia 8 de janeiro], vai ficar demonstrado que não há qualquer possibilidade de ilação com relação à conduta do general, que, inclusive, de forma muito honrosa, fez questão de se afastar das suas funções para que não houvesse dúvida sobre a lisura da conduta dele”.

Cappelli exonerou o general Gonçalves Dias de qualquer responsabilidade na mazorca dias antes da instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigará a tentativa de golpe de Estado daquele domingo. Esse tipo de atitude levará água para o terraplanismo bolsonarista, que pretende associar o governo à invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

No apagão da segurança de Brasília, misturaram-se inépcia, tolerância e cumplicidade das forças civis e militares encarregadas de garantir a segurança da Praça dos Três Poderes. Os limites de cada conduta serão investigados pela CPMI. Pulando na frente, o governo atira-se numa armadilha.

Em seu depoimento à Polícia Federal, o general da reserva Gonçalves Dias, afastado da chefia do GSI, disse que nas mensagens captadas entre os dias 2 e 7 de janeiro “não havia informações relevantes”. Havia. Os golpistas mobilizavam-se para a “festa da Selma” e, às 17h24 do dia 5, um integrante do Supergroup avisava:

— Amanhã parece que será falado de uma data para a festa da Selma.

Nesse dia, outra mensagem falava em três “trincheiras”, uma no Planalto, outra no Congresso e a terceira no Alvorada.

Às 20h23 do dia 7, um deles informava:

— O Q.G. de Brasília é apenas para hospedagem e concentração dos convidados que estão chegando. Lá vai ser combinado o horário e a data para a festa da Selma.

Segundo Gonçalves Dias, “no dia 8 pela manhã constavam pessoas fazendo discursos exaltados, ameaçando invadir prédios públicos da República” e “o compilado de mensagens não pode ser considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor”.

Sabe-se lá o que acha que vem a ser inteligência, mas, às 9h30 do dia 8, uma mensagem informava:

— Não vão invadir nada a não ser na hora certa de comer bolo da festa da Selma.

Às 11h58 o Supergroup falava em máscaras de gás, rádios e aconselhava:

— Ao ver uma granada de gás lacrimogêneo, não corra para pegá-la.

Em seguida, ensinava o momento certo para atirá-la de volta.

O bolo foi comido na tarde do dia 8. O Congresso, o Supremo Tribunal e o Planalto foram invadidos, aproximadamente, entre as 14h45 e as 15h10. Gonçalves Dias só chegou ao Planalto às 16h.

Os vídeos conhecidos mostram que as cenas de cordialidade do GSI com os golpistas são quase todas anteriores à sua chegada.

O apagão foi além do GSI. Até hoje não se explicou a longa inércia do Batalhão da Guarda Presidencial, criado há 200 anos para proteger o presidente e seus palácios.

A questão que fica para a CPMI é a demarcação do que separa a inépcia da tolerância ou mesmo da cumplicidade. O governo não tem (ou ainda não mostrou) elementos suficientes para incriminar ou exonerar quem quer que seja.

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Nas próximas quatro quartas-feiras, o signatário usufruirá um apagão pessoal.

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O JOGO COMEÇA NO CONGRESSO

Vera Magalhães, O Globo

Há um elemento essencial para entender para onde este Legislativo caminhará, e ele se chama Arthur Lira

O jogo começa para valer no Congresso para o novo governo nesta semana. A leitura do requerimento da CPMI do 8 de Janeiro, a votação do Projeto de Lei das Fake News e o início da tramitação do Projeto de Lei Complementar do marco fiscal, tudo ao mesmo tempo agora, testarão o poder de articulação do Planalto diante de um Parlamento cuja conformação ainda está sendo definida.

Há um elemento essencial para entender para onde este Legislativo caminhará, e ele se chama Arthur Lira. É crucial para Lula, hoje, contar com a boa vontade do presidente da Câmara. Ela é capaz, como se viu ontem, de rapidamente definir uma queda de braço, a ponto de deixar a ver navios uma concertação entre o bolsonarismo e as big techs contra o PL das Fake News em menos de 24 horas.

Se Lira ajudar, também será possível ao governo tirar o PL de Bolsonaro dos postos de comando da CPMI e correr com o arcabouço fiscal. Para isso, o presidente da Câmara se preparou e desenhou rapidamente como precisaria se rearticular depois de obstáculos como o fim do orçamento secreto e a queda de braço com Rodrigo Pacheco pelo controle das medidas provisórias.

Criou um blocão capaz de neutralizar o PL como maior partido da Casa que preside e reduziu o poder de fogo do bolsonarismo, por ora, à gritaria para as redes sociais nas comissões.

Isso é ouro para um governo que, sozinho, não conseguiu construir maioria. Lira vislumbrou que a velha engenharia de dar ministérios para obter maioria congressual estava superada. É na gestão do Orçamento que se constrói a governabilidade, e essa lógica não mudou com a troca da rubrica das emendas de RP9 para RP2. O governo já entendeu que terá de negociar uma liberação rápida e mediada desses recursos para contar com o apoio de Lira na tramitação de suas pautas.

Lira está disposto a oferecer uma degustação do que pode proporcionar em termos de conforto legislativo se seus pleitos forem atendidos. Se conseguir emplacar André Fufuca (PP-MA) na presidência da CPMI, tirando de cena o xará estridente bolsonarista André Fernandes (PL-CE), terá tocado música para os ouvidos de Lula.

Mas, dando essa colher de chá ao governo, será que o presidente da Câmara gostaria de ver seu inimigo público número um, Renan Calheiros (MDB-AL), com a caneta e os holofotes de relator? Ou será mais provável que faça o Planalto ver que uma mão lava a outra, e as duas juntas são capazes de recolocar o bolsonarismo no cercadinho?

A atuação de Lira mostra uma diferença na conformação do novo Centrão na Câmara, que ensaia cortar o cordão umbilical com Bolsonaro com tranquilidade, e no Senado, que tem na “paixão” declarada de Ciro Nogueira (PP-PI) pelo ex-presidente um sinal de que poderá dar mais trabalho ao governo. Principalmente porque lá Rodrigo Pacheco (PSD-MG) enfrenta mais oposição que o alagoano na Casa vizinha.

Diante de tanta coisa em jogo ao mesmo tempo, é espantoso que Lula se alongue no giro europeu, com decisões cruciais, como o novo desenho do Gabinete de Segurança Institucional e a escalação dos integrantes da CPMI, aguardando sua volta.

A oposição pode ser um fator de desestabilização do governo se o Planalto não construir essa maioria mediada por Lira e deixar avançarem estratégias como a inversão da narrativa da responsabilidade pelo 8 de Janeiro.

Ela ameaçou colar, enquanto o Executivo ainda estava mais aturdido que o general Gonçalves Dias nas tais imagens do dia da invasão. Quando recobrou a iniciativa, o governo trouxe para a roda quem de direito, o general Augusto Heleno, maior executor dos avanços bolsonaristas sobre as instituições. Mas levou dias para a ficha cair. Sem comando próximo e vigilante, outras bolas como essa podem passar. E nem sempre Lira estará lá para defender. E nunca será de graça.

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terça-feira, 25 de abril de 2023

A BOLA DE CRISTAL DE NASSIF

Edmundo Lima Arruda Jr., OS DIVERGENTES

Luís Nassif, um jornalista respeitado, sai em espirituosa e direta defesa do governo (“A conspiração que derrubou o Chefe do GSI”, 20.4.23). Árdua a tarefa do jornalismo em tempos turvos que tumultuam a isenção imprescindível em momentos de guerra de torcidas. Tentar o impossível para atingir o possível, dizia Max Weber.

O grande Nassif esboça com notória destreza uma contra narrativa no caso das imagens do Ministro de Lula, General Gonçalves Dias, no olho do furacão do 8 de janeiro de 2023. Trata-se de general de divisão, três estrelas, e não um “oficial da mais alta patente no Exército”, como coloca Nassif, pois não se trata de general de Exército, ou quatro estrelas. Pouco importa, o inegável é que Gonçalves Dias estava ali, passeando junto aos criminosos naquele fatídica  hora dos crimes.

Nassif acredita em engenhosa montagem de imagens e na oportunista manipulação de informações contra o governo, articulada a outras coincidências e interesses em desestabilizar o status quo. Nassif é um incansável crítico e excelente profissional. Pode ter parcelas de razão, ou não. Acertar e errar, como todo humano. Ser passional ou não. O tempo regressivo a todos envolve, ou não?

Jamais a nossa sociedade esteve tão dividida, ressentida, alimentada por ódios entre tribos de todas as cores. Veremos no andar da carruagem o que restará na história no liquidificador das narrativas…

Procedente ou não, os escritos de Nassif sempre viralizam, desdobrando-se politicamente em muitos usos e abusos, o que é preocupante da parte de quem age de boa fé e não acredita e na onda da “pós-verdade”. Há pontos merecendo respostas mais detalhadas na teoria conspiratória de Nassif.

Nassif tem por certo que o furo da CNN foi plantado. Pergunta: para quais propósitos? Por interessados em derrubar o general amigo de Lula, devolvendo a escolha do dirigente da pasta ao Exército, conforme vem ocorrendo desde Temer (e não por normativa jurídica)? Mas o Comandante do Exército, General Tomás Paiva, não é de confiança absoluta do presidente e este o Comandante em Chefe de todas as forças militares?

Afirma Nassif que os vídeos plantados encontravam-se disponíveis desde o dia 8 de janeiro, colocando como grande questão quem permitiu o vazamento. Mas se disponíveis não há sentido em arguir-se do vazamento, ou Nassif considera os vídeos em disponibilidade seletiva: para o governo. Disponíveis para quem ou para qual conspirador de plantão? Não havia uma diretiva da presidência proibindo a divulgação? Se não, por que nenhuma mídia veiculou aquelas imagens em quase três meses? Se a CNN o fez, mérito dela.

O general Gonçalves Dias teria dado, segundo Nassif, “explicações verossímeis”. Intuitivamente lá se encontrava o general no palácio, num domingo, duas horas antes do vandalismo botar os pés no prédio esbulhado. Heroicamente e desarmado, impediu os criminosos de subir ao terceiro andar, o gabinete presidencial, segurando os criminosos no segundo piso (onde seriam presos segundo o mesmo general (?) e conduzindo-os às portas de retirada. Pergunta: com que força o general logrou conter a massa enlouquecida quebrando tudo?

Mas Nassif deduz que o ato conspiratório que derrubou o general deve ser observado diante de estranhas coincidências que sugerem uma articulação, envolvendo:

• “As invasões de escolas, com jovens desequilibrados sendo estimulados a assassinar alunos.

• A convocação do ex-chefe da ABIN, general Augusto Heleno, ex-Ministro do GSI, pela Assembleia Distrital do DF.

• A visita de Lula à China e suas declarações de aproximação com China e Rússia”.

Nada mais contrafático nas articulações da queda do General com os fatos acima elencados por Nassif. Vamos a cada uma dessas “coincidências”. São três eventos distintos e divorciados em vários níveis, inclusive no político. Os ataques à escolas quando “ideologizados”, implicam numa distorção na qual embarcou até o Ministro da Justiça e da Segurança. Resta medir o quanto doenças mentais são “estimuladas” pelo quadro geral de violência (muito antigo e que perpassa governos e países distintos) e suas correspondências com o neonazismo ascendente.

De fato a suástica nazista e adesões a grupo supremacistas estão presentes no imaginário de assassinos em colégios, fora do Brasil, embora sem organicidade real com grupos terroristas. No caso de Blumenau é forçar demais a barra e já escrevi sobre aquele infeliz discurso de Flavio Dino.

A convocação do General Heleno para depor já vem tarde e é de interesse da democracia e do governo que derrotou Bolsonaro e continua na legítima luta de isolar os bolsonaristas. Hoje as Forças Armadas, se Lula mantiver a postura de estadista e não de atiçador irresponsável, encontram-se bem harmônicas, mesmo aliviadas com os usos ilegais de militares (ministros em plena ativa) e com uma excessiva mistura de política no meio corporativo.

Sobre a coincidência com a ida de Lula à China, de fato ela esboça um certo alinhamento do Brasil àquele país (e de alguma forma com a Rússia), causando surpresa e preocupação em públicos bem mais alargados que o da oposição bolsonarista. E daí?

O artigo de Nassif dispensaria esse apelo às coincidências articuladas com o que toma como “conspiração” contra o Chefe do GSI, e restaria menos fabuloso. E há se registrar as tagarelices dos sem noção, aqueles que seguem os que de fato produzem opinião pública, inconsequentes que somente servem ao entorpecimento geral.

É o caso de Malu Aires, uma brilhante cantora mineira que se autodenomina militante política. Na esteira de Nassif o extrapola, segundo suas convicções, considerando toda a mídia brasileira como nazista e a CNN e Globo News como “cabide de empregos de bolsonaristas”. O que seria de Hitler sem Goebbels ou Stálin sem Béria? Papagaios e baba-ovos de seus ídolos.

De Nassif espera-se que as peças do seu “quebra-cabeças” ajudem a contrapor argumentos no xadrez dos fatos em si e de jornalistas sérios (que não são nazistas, fascistas ou sequer do campo da direita), necessariamente, a exemplo de William Waack, entre muitos outros. Agora um parêntese para os efeitos perversos do texto de Nassif.

O artigo não nominado de Malu e outros nesse grau de simplificação, ajudam, em grande medida, a dissolver contribuições de jornalistas no nível de Nassif, do qual podemos discordar, mas sempre levar em consideração no debate público.

Aguardemos as averiguações dos fatos com duplo cuidado: a) com a guerrilha de narrativas: separando o que é retórica estratégica centrada no maniqueísmo lulismo/bolsonarismo; b) com o que nos é ofertado por fontes isentas e fidedignas de informações. Algo muito difícil diante de certa paralisia cognitiva alimentada por todos os protagonistas (não se enganem), mas possível para os quixotes do século XXI.

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