O descrédito a que o presidente submeteu seu ministro mais importante é injustificável e mina seu próprio mandato
Menos de uma semana depois de implodir ao vivo, num café da manhã com jornalistas, a meta fiscal estipulada por seu ministro da Fazenda e aprovada pelo Congresso há menos de três meses, Lula agora corre atrás dos líderes e presidentes de partidos enfatizando a importância da pauta do mesmo Fernando Haddad para elevar a arrecadação. A pergunta é: depois de sua fala, ficou mais fácil ou mais difícil aprovar essas matérias? Mais caro ou mais barato?
Não são questões complexas, essas. Na verdade, são elementares tanto para o ex-líder sindical acostumado a negociações exaustivas, com alta carga de pressão psicológica, quanto para alguém que está no terceiro mandato presidencial. A pergunta menos óbvia, para a qual não encontro resposta convincente de ninguém desde sexta-feira é: por quê?
É desejável e louvável que o presidente tenha contato estreito e permanente com a imprensa e que se submeta a questionamentos sem pauta prévia. Mas o que aconteceu na sexta foi diferente: Lula foi ao desjejum disposto a servir a meta fiscal com o pãozinho e os frios. Não se trata de um daqueles atos falhos de improviso nas lives ou noutras ocasiões.
O presidente levou a público uma queda de braço já travada a portas fechadas no governo, com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, à frente do time que advoga que cortar gastos, sobretudo com obras (o carro-chefe de sua atuação), no ano eleitoral seria fatal politicamente para Lula.
Mas há formas melhores até de implodir uma meta fiscal com que você acabou de se comprometer. Uma vez definida internamente a mudança de rota, o mesmo Lula poderia ter convocado a mesma imprensa para comunicar que enviaria uma mensagem ao Congresso corrigindo a meta na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Faria isso ao lado de Haddad e Rui. Daria ao ministro da Fazenda até o tempo necessário para melhorar sua cara e seus modos, de forma a não evidenciar o baque com a derrota.
Os mercados não teriam uma reação tão histérica e haveria, acima de tudo, tempo para combinar o jogo com o Congresso antes, correndo com a discussão dos projetos que incrementam a arrecadação sem que fique óbvio, como ficou, que a pressa se deve ao fato de a conta não fechar.
De pouco ou nada adianta usar uma reunião tapa-buraco no casco do navio como a de ontem, em que os semblantes dos anfitriões mostravam a tensão interna, para avisar aos deputados que têm usado cada oportunidade para inflacionar seu apoio ao governo que a eventual mudança da meta não será para permitir novos gastos, mas apenas para honrar os já assumidos.
A esta altura, a LDO e o Orçamento de 2024 já se assemelham mais a árvores de Natal ornadas com todo tipo de badulaque para onerar ainda mais a Viúva. Haddad que lute, já que nem seu chefe leva a sério seus apelos por austeridade.
A situação que Lula criou é tão delicada que — vejam só! — o relator da LDO, Danilo Forte, agora diz que não há de ser ele a elevar a meta fiscal sozinho. Quer que o governo arque com o ônus de mandar a mensagem para o Congresso com a admissão de que propôs ao Legislativo, na mudança que alardeou ser a correção de um teto de gastos já furado, uma intenção furada de zerar o déficit fiscal já no ano que vem.
O descrédito a que o presidente submeteu seu ministro mais importante é injustificável, um tiro no pé maior do que muitos que ele já tinha dado desde o início do ano, quase todos desferidos por declarações inadvertidas.
A de agora é mais grave porque incide sobre a economia, ponto mais sensível de início e que, graças à estratégia de um Haddad agora alvejado, vinha dando sinais de melhora e conquistando a confiança de setores antes céticos. Confiança é um ativo raro e precioso em tempos de polarização enraivecida como essa de que o Brasil precisa se livrar. Quando o principal mandatário age para miná-la, a crise é séria.
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