Lula diz que é uma metamorfose ambulante e é mais que isso. É também, desde sempre, um urso que come seus donos. Na galeria desse urso há várias cabeças, e as de Antonio Palocci, seu ministro da Fazenda, e José Dirceu, o “capitão” de seu time, são as mais conhecidas. Em algum momento, por boas razões, eles acreditaram na imagem que projetavam. Palocci expeliu-se, e Dirceu sofreu em silêncio.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não cabe nesses dois figurinos, mas só o tempo dirá o que Lula pretendeu ao se afastar da meta do déficit zero para 2024. Ela estava bichada desde o primeiro momento, desde a hora em que Haddad prometeu um crescimento inviável da arrecadação. Deu-se um caso de perigosa manipulação de expectativas. Lula, Haddad, o mercado e a torcida do Flamengo sabiam que a meta estava bichada, mas confiavam numa expectativa.
O risco embutido no episódio do café da manhã com os jornalistas é a possibilidade de repetição da joelhada que o ministro Antonio Palocci levou da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em 2005. Na ocasião, o Ministério do Planejamento anunciou um plano de ajuste fiscal de longo prazo, e Dilma fulminou-o com duas palavras:
— É rudimentar.
Haddad prometia déficit zero graças ao aumento da arrecadação. Era sonho, mas, como a arrecadação patinou, o controle do déficit deveria vir pelo controle de gastos. Qualquer semelhança com o dilema de 2005 não é coincidência.
A joelhada de Dilma marcou o início do ocaso de Palocci. Ela falava por Lula.
Quando Lula se dissociou da quimera, nada disse de novo. A questão está em saber quanto ele quer de déficit. A defesa dos gastos de Dilma/Lula daria no que se viu, uma amarga recessão.
O Lula de 2023 tem um Congresso mais voraz e uma oposição mais intransigente. Quando Haddad diz que precisa de apoio político, a vaca olha para o brejo. Se ele não tem apoio em casa, do outro lado da rua é que ele não virá.
Se Lula e Haddad pensam que podem administrar a economia com os truques que aplicam à questão da segurança pública, vem coisa ruim por aí. Na segurança, o governo anuncia reuniões e mudanças burocráticas inócuas. Isso não funciona para a economia. Falar em “ralos tributários” equivale a incensar operações policiais espetaculares contra bandidos. Aliviam a pressão e satisfazem os ministros, mas têm pouca serventia.
Qualquer família sabe como lidar com déficit: se a arrecadação é insuficiente, devem-se cortar despesas. Lula e o comissariado petista não gostam dessa ideia.
A sensibilidade que acompanha o debate econômico é compreensível, mas está exacerbada pela falta de ideias e iniciativas do governo. O Lula 1 teve o Prouni, o Luz para Todos e a defesa das cotas em universidades públicas. Isso para não falar nos programas tucanos reciclados com criatividade no Bolsa Família. A reforma tributária tem muitas virtudes e tantas exceções que ainda é prematuro avaliá-la. Não faz sentido que, em quase um ano de governo, o Planalto reine num deserto de ideias novas.
Governo sem ideias novas vê-se obrigado a discutir as ideias dos outros.
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