Muita gente bem-intencionada foi a Dubai para a COP28. Longas viagens aumentam emissões de gases de efeito estufa. A esperança é que, ao cabo de tantos encontros, acordos e articulações, possam dizer:
— O importante é que emissões reduzi.
Como antigo observador, tenho dúvidas. Na Rio-92, quando as mudanças climáticas eram uma criança, os árabes torceram o nariz para o tema. Consideravam um perigo para seu principal negócio, o petróleo. Fiquei surpreso com a COP em Dubai. Significa uma virada na cabeça dos velhos produtores de óleo.
Minhas dúvidas tinham alguma base. Circulou um documento revelando que os Emirados Árabes usariam o encontro internacional para negociar petróleo com 15 países. Houve um desmentido na BBC, mas a dúvida continuou pairando no ar.
Afinal, o presidente da COP28 designado pelo país, Sultan Al Jaber, é também presidente da grande empresa petrolífera do país, a Adnoc. Algumas ONGs pediram sua renúncia, mas isso está fora de discussão.
Na escala na Arábia Saudita, o ministro de Minas e Energia do Brasil já aparecia sorridente, dizendo ter feito vários acordos em torno da exploração de petróleo. Mas os sorrisos foram de todos, pois ninguém viu nada contraditório entre uma COP destinada a reduzir emissões e novos acordos em torno de combustíveis fósseis. O simples fato de viajar parece melhorar o humor.
Estão todos em Dubai tentando evitar que a temperatura suba mais do que 1,5 oC acima da média dos tempos pré-industriais. Acontece que 2023 foi o ano mais quente da História. Se depender dele, o grau e meio acima já foi alcançado. Felizmente, não depende, pois não se mede isso apenas pelo resultado de um ano, influenciado por um forte El Niño.
A conjuntura internacional não ajuda. A guerra na Ucrânia influenciou a política energética alemã e abriu uma brecha na plataforma verde de Joe Biden. A exploração de petróleo no santuário do Alasca não é mais um tabu.
Outro dado da conjuntura é a guerra entre Israel e Hamas. Todos se esforçam para que não se transforme num conflito regional, atraindo o Irã para o campo de batalha. Seria mais um grande produtor de petróleo em guerra. Da mesma forma, é importante observar a pretensão da Venezuela pela anexação de Essequibo, território da Guiana. Mais um conflito no pipeline.
O Brasil é um país mais tolerante com as contradições, mas é inegável que o governo se prepara para explorar petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Amazonas. No mesmo dia em que o presidente e uma grande delegação chegavam ao encontro, o Senado aprovou o PL do Veneno, liberando ainda mais os agrotóxicos num país que é um paraíso para eles. E, consequentemente, uma grande ameaça à saúde humana, seja do estômago, com casos crescentes de câncer entre jovens, seja do cérebro enovelado por proteínas beta-amiloide e tau. A Câmara, por seu lado, aprovou um projeto que prevê estímulos do governo ao carvão.
Vamos esperar que exista pelo menos uma compreensão de que parte do estrago no planeta Terra já está feita. É preciso dinheiro para repará-la. E é preciso dinheiro para adaptar os países à nova situação climática.
Estamos em crise, como observa a ONU. Logo, não há razão para que os países mais ricos não compareçam com ajuda. Foi prometido no contexto do Acordo de Paris. Mas os famosos US$ 100 bilhões não conseguem aparecer à luz do dia.
Há uma vantagem de a COP se realizar nos países árabes produtores de petróleo. Estão dispostos a colocar dinheiro na mitigacão e adaptação às mudanças. Quem sabe se alguns, abrindo o bolso, estimulam outros ao mesmo gesto. São tantas emissões.
Não sei se o Brasil terá acesso a algum dinheiro. Mas estamos chegando ao verão. A seca na Amazônia pode perdurar. Os temporais no Sul e no Sudeste devem ser violentos. E tudo indica que o inverno nordestino será mais seco. Não há tempo a perder. Que pelo menos o calor de Dubai funcione como um aviso permanente.
Artigo publicado no jornal O Globo em 04/12/2023
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