Há bons motivos para acreditar que a inflação e os juros não serão tão baixos quanto antes nos países avançados
A inflação nos Estados Unidos e Europa está caindo rapidamente, depois de mostrar resistência às maiores altas de juros em décadas nos dois lados do Atlântico. Dados de um par de meses não farão os Bancos Centrais desarmarem suas defesas, mas as ressalvas de que não hesitarão em voltar a elevar os juros, se necessário, feitas explicitamente pelo Federal Reserve e pelo Banco Central Europeu (BCE), tendem a ser tornar pro forma. Os investidores voltaram a prever o afrouxamento monetário já no primeiro semestre de 2024. Há muitas incertezas e margens para surpresas, mas os juros parecem ter chegado ao pico no atual ciclo de aperto e seu caminho agora tende a uma só direção - para baixo.
Com a economia se retraindo significativamente, a zona do euro teve brusco declínio da inflação em 12 meses em novembro, 2,4%, já não muito distante da meta do BCE, a de cifra próxima, mas inferior, a 2%. A previsão de crescimento para o ano, de 0,6%, indica que o bloco escapará da recessão, mas o esfriamento das atividades deu nova cadência à queda dos preços. Em agosto, o índice de preços ao consumidor ao ano foi de 5,2%. É possível que haja algum repique na inflação até o fim do ano, com a chegada do inverno e o aumento dos preços da energia. Ainda assim, a Europa livrou-se mais rapidamente do que o previsto da dependência forte do gás russo, após explosão de custos com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
A presidente do BCE, Christine Lagarde, disse, porém, que ainda é muito cedo para “cantar vitória” e que está preocupada com a pressão salarial, segundo ela uma das fontes de impulso inflacionário atual. A curva de juros futuros indica que os investidores, no entanto, pensam diferente - para eles, o BCE começará a cortar a taxa de 4% em abril. Alguns membros do BCE, como Fabio Panetta, presidente do BC italiano, já passaram a advertir que a manutenção dos juros altos poderá provocar “danos desnecessários” às atividades econômicas.
A tensão entre os dois momentos, o de aperto monetário e o de sua distensão, são mais acentuadas nos EUA. A economia cresceu a um ritmo quase chinês no terceiro trimestre, 5,2%, indicando um vigor que talvez recomendasse novas doses de juros. Mas os gastos com o consumo estão se reduzindo, assim como o apertado mercado de trabalho dá sinais de perda de fôlego. A previsão da OCDE, divulgada anteontem, aponta um freio forte no crescimento, de 1,5% no ano que vem.
Os preços estão se adequando ao figurino de perda de ritmo da economia e custo do dinheiro elevado. Os gastos pessoais de consumo em outubro recuaram para 3%, ante 3,4% em setembro. O núcleo desse indicador, o preferido do Fed, recuou de 3,7% para 3,5%, ainda distante da meta de 2% do Banco Central. O livro Bege do Fed, divulgado esta semana, indicou atividade estagnada ou fraca na maior parte dos distritos em que o banco atua em novembro e enfraquecimento das pressões salariais.
As condições financeiras nos países avançados afrouxaram, com os investidores estimando a reversão do ciclo dos juros já em março. Sinais de membros mais ortodoxos do Fed de que novos aumentos provavelmente não ocorrerão deram força ao otimismo, que derrubou os títulos de 10 anos do Tesouro da fronteira dos 5% em outubro para 4,26% agora. É um espaço de tempo muito curto para uma reviravolta do Fed, porém possível. Nos países ricos, a média móvel trimestral dessazonalizada dos preços, anualizada, indica que os índices de inflação já se aproximaram bastante das metas (Chris Giles, FT, 7 de novembro).
A manutenção dos juros e a perspectiva de que não subirão mais quebraram a tendência de alta do dólar e devolveram uma parte do apetite pelo risco dos investidores em mercados emergentes. O recuo do dólar (6,87% no ano) em relação ao real tem sido um coadjuvante importante na queda do IPCA, que fechará dentro dos intervalos da banda da meta de inflação, algo antes improvável.
A aposta preponderante dos investidores no mercado de derivativos é de valorização do real. Ao contrário de 2021, quando preços de commodities em alta caminharam junto com dólar mais caro (movimento inusual), fazendo a inflação romper os 10%, agora commodities em baixa, com o dólar na mesma direção, contribuem para reduzir os preços domésticos. Previsões da OCDE estimam inflação de 3,2% em 2024, nível mais otimista que o do próprio cenário de referência do BC brasileiro (3,6%) e do boletim Focus (3,9%).
Se há alguma clareza sobre o curto prazo, ela se embaça em relação ao longo prazo. Há bons motivos para acreditar que a inflação e os juros não serão tão baixos quanto antes nos países avançados, e que as taxas seguirão altas por um bom tempo. Pressões globais, como a transição verde, o envelhecimento populacional e a cisão entre China e EUA, tendem a aumentar custos e elevar os déficits fiscais. Para o Brasil, o acesso à poupança externa tenderá a ficar mais caro e menos abundante, mas sem mudanças drásticas em uma perspectiva de crescimento que se mantém preocupantemente baixa.
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