Fundo estudantil se tornou foco de inadimplência e meio de sustentação de faculdades de baixa qualidade
O ministro da Educação, Camilo Santana, pretende pôr um freio no descontrolado Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa de crédito a estudantes criado para facilitar o acesso às universidades privadas. Em entrevista ao GLOBO, Santana afirmou que o governo enviará até o fim do ano um projeto ao Congresso com propostas para adotar critérios mais rígidos de acesso e reduzir a inadimplência, dois problemas crônicos.
Um dos objetivos, diz Santana, é diminuir a abrangência para 100 mil inscritos. Hoje são 144 mil (em 2014, chegaram a 700 mil). A ideia é que o novo Fies seja menor e mais dirigido, destinado aos que mais precisam de ajuda para ingressar numa universidade particular. Diferentemente do que ocorre na educação básica, no Brasil estabelecimentos privados respondem por 85% do ensino superior. “Para atingir a meta do Plano Nacional de Educação, garantir 50% das matrículas dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, o papel das universidades particulares será importante”, afirma Santana.
O Fies foi criado em 1999 com o objetivo de ampliar o acesso ao ensino superior. Estudantes sem condições de arcar com as mensalidades poderiam cursar universidades particulares quitando a dívida depois de formados. Em mais de duas décadas, o programa se transformou em muleta para o populismo de diferentes governos, que só se preocupavam em ampliar o número de beneficiados, a despeito da inadimplência. Houve uma explosão de vagas em faculdades particulares, interessadas no dinheiro fácil garantido pelo governo. A prova mais eloquente de que não deu certo é a quantidade de reformulações por que o programa já passou sem resultados satisfatórios.
O Fies virou uma fábrica de endividados. Hoje há 1,2 milhão de contratos inadimplentes, com saldo devedor de R$ 54 bilhões. Há casos em que não pagar a dívida se explica, mas estudos já demonstraram que parcela significativa dos inadimplentes teria condições de arcar com as mensalidades. O Fies se tornou, nas palavras de Santana, “política mais financeira que social”.
Os próprios governantes contribuem para o descrédito. Não pagou? Sem problema, o governo perdoa. Obviamente, rende votos. No ano passado, o governo Jair Bolsonaro deflagrou renegociações generosas depois que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva acenou com perdão às dívidas. Promessa eleitoreira semelhante foi feita nos Estados Unidos por Joe Biden, hoje às voltas com dificuldades para passar pelo Congresso americano seu perdão a dívidas estudantis. Por aqui, Lula sancionou no início do mês uma lei que prevê renegociação com descontos generosos aos inadimplentes. Fica a sensação de que só os otários pagam, enquanto os espertos aguardam a anistia que cedo ou tarde oficializará o calote.
A intenção de facilitar o acesso ao ensino superior é louvável, mas o Fies não pode se tornar um subsídio disfarçado para universidades privadas de baixa qualidade, como infelizmente acontece. Não há dúvida de que o programa precisa ser reformulado e, considerando o histórico de fracassos, a reformulação tem de ser geral. Antes de tudo, ele deveria beneficiar os estudantes mais necessitados. Não se pode perder de vista que se trata de um contrato: estuda-se e paga-se depois quando empregado. Sem isso o fundo não se sustenta. Santana precisará provar que o novo Fies será realmente novo.
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