O quanto será possível a Fazenda esticar a corda é difícil dizer, mas a contenção de gastos se tornará crescentemente necessária
É cansativa a insistência no tema fiscal. Ele acaba tomando um espaço que caberia aos muitos temas de política pública que definem o caminho para o desenvolvimento econômico e social do país.
Como o país insiste em não enfrentar os desafios para conter o crescimento da dívida pública, cuja trajetória destoa do observado na maioria dos países, o tema fiscal está sempre no radar.
As dificuldades da gestão fiscal serão crescentes, o que poderá demandar mudanças de rota na estratégia atual, sob pena de comprometer a credibilidade do time econômico.
Inicialmente, é necessário reconhecer que a vida do time econômico não é fácil. Todos os conflitos distributivos e pressões de segmentos organizados deságuam na Fazenda. O entorno ideológico, do PT, que defende o expansionismo fiscal, aumenta o desafio. Por esse aspecto, há grande mérito na definição de uma regra para o aumento dos gastos.
No entanto, aprovar o arcabouço fiscal foi até fácil; difícil mesmo é sua implementação.
Já discuti neste espaço que a atual regra fiscal tem uma inconsistência interna, na falta de medidas para conter despesas. Pode-se argumentar que a regra do teto padecia do mesmo problema. Não é bem assim.
O governo Temer foi transparente quanto à necessidade de conter despesas públicas, colocando a regra do teto como um fator a forçar a revisão de gastos — como a Reforma da Previdência. Agora, aposta-se apenas no aumento de impostos, ainda que por vezes sejam pleitos justos.
Além disso, o governo caminhou no sentido contrário do recomendado e aumentou a rigidez das despesas obrigatórias, por meio de mecanismos que fazem os gastos crescerem automaticamente: as despesas com saúde e educação voltaram a ser vinculadas ao comportamento da receita, e o salário-mínimo voltou a ter ganho real (acima da inflação) pela taxa de crescimento do PIB, impactando metade dos gastos públicos (o principal é a previdência).
Isso significa que a regra de os gastos crescerem o equivalente a 70% do aumento da receita implica uma contenção das demais despesas que não é factível ao longo do tempo sem reformas estruturais.
Como resultado, independentemente das metas pouco críveis de resultado fiscal (déficit zero este ano, caminhando para o superávit primário de 1% do PIB em 2026), é necessário um forte aumento da carga tributária para se cumprir a nova regra fiscal, o que não é viável do ponto de vista político.
Sem contar que o Congresso tem procurado abocanhar parte dos ganhos de arrecadação, como no aumento de emendas parlamentares e do fundo eleitoral.
Do ponto de vista econômico, é algo frágil, pois ajustes fiscais baseados em aumento da arrecadação, e não no corte de despesas, machucam mais o crescimento econômico.
No ano passado, a gestão da política fiscal enfrentou menos dilemas, por conta da licença para gastar da PEC da Transição. Tanto assim que a Fazenda decidiu antecipar algumas despesas, sem se preocupar em cumprir a meta esquecida de déficit primário de 0,5% do PIB (2023 deve fechar com déficit de 2% do PIB), para, assim, aliviar o Orçamento de 2024.
O desafio agora é maior, e por isso mesmo há despesas que ficarão fora do teto, como, por exemplo, parte dos precatórios. Vale citar que é uma questão de tempo a revisão da meta.
O problema vai se agravar nos próximos anos, conforme se esgotarem as medidas para aumento da arrecadação, muitas com impacto de curto prazo.
O problema não se esgota em cumprir as metas fiscais. A forma também importa. Malabarismos e expedientes para artificialmente inflar receitas e subestimar despesas, como elencados por Marcos Lisboa, podem até driblar os agentes econômicos por um tempo. No entanto, têm vida curta, pois a elevação do endividamento a cada mês, além do (mandatório) balanço bimestral do Tesouro, acaba revelando o problema que se tentou camuflar.
Há ainda o efeito colateral de corroer a reputação do time econômico, com consequências, por exemplo, nos juros da dívida do governo.
O quanto será possível a Fazenda esticar a corda é difícil dizer, mas a contenção de gastos se tornará crescentemente necessária. Colocar o tema na agenda de Lula será o grande teste da Fazenda.
A negociação em torno da reoneração da folha de 17 setores poderá ser um sinal do capital político do ministro Haddad.
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