Câmara Municipal de Rio e São Paulo é povoada por políticos capazes de confundir números primos com o número de parentes
Sempre me pergunto: o que Carlos Bolsonaro pensa sobre moradia popular? Qual sua posição a respeito da mobilidade urbana? Será que é a favor ou contra a ampliação das calçadas em zonas centrais? Ninguém sabe, ninguém viu. Curiosamente, nesse caso ele está limpo. A culpa não lhe cabe diretamente (jamais pensei que o inocentaria alguma vez), mas pertence, sim, ao sistema eleitoral e ao próprio eleitor, quando não dá importância ao cargo de vereador em metrópoles como Rio ou São Paulo.
Enquanto se cai na gaiatice de Deus, pátria e família evangélica, a Câmara Municipal das duas cidades é povoada por políticos capazes de confundir números primos com o número de parentes apaniguados (parece o caso do governador de Santa Catarina). Por trás das fake news de Damares e assemelhados — crianças com dentes arrancados para sexo oral ou a “mamadeira de piroca” —, entre outras razões escusas, se esconde a estratégia de poluir o ambiente com preconceitos para fugir a temas administrativos mais elaborados. O professor da turma, reprovado nas provas de oficialato, já expressou seus conhecimentos - 4% negativos + 5% positivos = 9% positivos. Ah, Jair.
O número de habitantes no Rio — 6,2 milhões, pelo Censo de 2022 —, ou em São Paulo — 11,5 milhões, também pelo IBGE —, além de igualar ou superar a população de países inteiros — Paraguai ou Portugal —, revela a complexidade dos temas colocados na mesa. Não adianta rezar, porque não será o santo a inspirar soluções para as cracolândias.
Basta uma comparação: só a população paulistana equivale à de 2.354 municípios brasileiros — o que nos faz lembrar: em nenhum outro momento da História humana ocorreu tamanha concentração de almas num único espaço. Por certo, gigantismo populacional — ainda mais em cidades do Terceiro Mundo — resulta em problemas cuja solução não deveria ser respondida com esgares voluntariosos, orientados pelo preconceito ideológico. Portugal, o país da moda no Brasil, extinguiu já há alguns anos seus lixões, enquanto no Rio ou em São Paulo a prosaica coleta seletiva de lixo é questão para o futuro, adiada até a chegada da vida eterna. Não fossem catadores autônomos, abrigados em cooperativas ou ONGs odiadas pela extrema direita, a reciclagem de papel, latas de alumínio, vidros e garrafas PET, a depender de visão estratégica da maioria dos vereadores, estaria na expectativa de um inesperado milagre.
Até o momento, a polarização política é exercida por bolsonaristas e petistas como campo de luta e tema para as próximas eleições municipais. Numa tentativa de repetir o embate do pleito presidencial, as duas forças buscam levar o debate a uma escolha entre extrema direita e esquerda. De novo, é a estratégia de sujar o ambiente com fake news. Ou até de recorrer a estratagemas mais inusitados. Temos de lembrar que o Bolsonaro de melhores sinapses, o senador Flávio, posto diante de problemas municipais, preferiu desmaiar ao vivo e em cores, no colo da deputada Jandira Feghali, a responder a uma pergunta mais sofisticada durante um debate pela prefeitura carioca.
As duas metrópoles enfrentam há anos questões com moradia — problema agravado ainda pela pandemia. Nova York, internacionalmente conhecida por ser cidade comunista, e muito rica, testou ao longo de várias gestões propostas urbanísticas para enfrentar o problema. Uma delas, na administração de Michael Bloomberg, permitiu que novos empreendimentos em áreas nobres pudessem ter mais andares. A contrapartida: o prédio deveria contar com blocos de apartamentos populares oferecidos pela prefeitura dentro de um programa de aluguéis sociais (mais baratos), destinados às classes pobres da população.
Nova York tem outras experiências na área habitacional. Com a chegada do home office, e o esvaziamento das grandes lajes corporativas, para desespero dos bancos e dos magnatas da tecnologia, proprietários de parte de Manhattan, discute-se o reaproveitamento do que foram imensos escritórios. Muitos devem ser transformados em edifícios residenciais — e, de novo, os legisladores da cidade colocam a questão do uso social na discussão.
Em São Paulo, a afamada Câmara Municipal refez o plano diretor dando permissão para construir gigantescos prédios nas áreas onde antes havia casas, a maioria delas com comércio de rua. Durante a discussão, não se falou em contrapartida social, como fizeram os nova-iorquinos.
Em tempo: Bloomberg proibiu o uso de buzina na cidade. Além de pagar do próprio bolso o almoço de seus assessores.
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