sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

NA CENA DO CRIME

Rodrigo Rangel, Metrópoles

Minuta do golpe: deputados e senadores estavam na cena do crime

Van Hattem, Osmar Terra e Eduardo Girão estiveram na casa que sediou comitê de Bolsonaro e, depois das eleições, passou a ser o QG do Golpe

Nos dias em que o núcleo-duro do plano para manter Jair Bolsonaro no poder se esmerava para finalizar a minuta do decreto de golpe descoberta mais tarde pela Polícia Federal, o movimento na casa do Lago Sul de Brasília onde parte da estratégia foi traçada estava intenso.

Era final de novembro de 2022. No mesmo endereço havia funcionado o comitê de campanha de Jair Bolsonaro – bancado, obviamente, pelo PL. Após a derrota, por lá se mantiveram – bem operantes, como se diz no jargão militar – alguns dos mais importantes homens do (ainda) presidente.

Walter Braga Netto, o general que fora candidato a vice e tinha esperança na virada de mesa, era o chefão do QG, sempre ladeado pelo séquito de oficiais do Exército que o acompanhava.

O general recebia convidados freneticamente. A coluna montou campana na frente da casa e pôde atestar, à época, a conexão direta entre a turma que batia ponto no endereço e o acampamento montado na frente do Forte Apache, como é chamado o complexo no Setor Militar Urbano onde funciona o comando do Exército.

Em caminhonetes turbinadas e decoradas com bandeiras do Brasil, lideranças do acampamento chegavam e saíam com frequência. Tinham livre acesso à casa.

Além de Braga Netto, outro personagem relevante da trama golpista, Filipe Martins, costumava frequentar o QG no Lago Sul. Assessor especial de Bolsonaro, Martins foi o responsável, segundo a Polícia Federal, por alinhavar a minuta do decreto do golpe.

Uma vertente que, ao menos publicamente, ainda não entrou na alça de mira dos investigadores e que merece ser devidamente esquadrinhada envolve a participação de parlamentares bolsonaristas na maquinação que resultou no decreto.

A PF crava que a primeira minuta do texto foi apresentada a Jair Bolsonaro no dia 19 de novembro, um sábado, no Palácio da Alvorada. Aquela semana havia sido especialmente movimentada na casa. Deputados e senadores bolsonaristas haviam passado por lá – e para discutir justamente maneiras de colocar o resultado das urnas em xeque.

Na quinta-feira, dia 17 (dois dias antes de a primeira versão do decreto ser levada a Bolsonaro no Alvorada), passaram pela casa os deputados federais Marcel Van Hattem (Novo/RS) e Osmar Terra (MDB/RS), conhecidos apoiadores do então presidente que, àquela altura, estavam engajados no movimento para emparedar o Tribunal Superior Eleitoral e questionar a higidez das urnas.

Senadores bolsonaristas também foram ao “QG do Golpe” naquele dia. Entre eles, Guaracy Silveira (PP/TO), suplente de Kátia Abreu que estava no exercício do mandato, e o cearense Eduardo Girão (à época no Podemos) – este, aliás, teria sido o responsável por levar outros congressistas, como Van Hattem, para falar com o general Braga Netto.

A explicação para os encontros na casa era praticamente a mesma para todos: disseram, depois, que foram ao QG discutir a auditoria das urnas que o PL havia encomendado a uma empresa particular e às Forças Armadas.

Embora estivessem todos pessoalmente envolvidos na estratégia de lançar suspeitas sobre o processo eleitoral, eles até podiam estar falando a verdade sobre o motivo da visita, e não é de se descartar que não tenham tido nenhuma participação na elaboração da minuta de decreto do golpe. Só que, sob a perspectiva do que se sabe agora, a partir do avanço das investigações, isso precisa ser minuciosamente averiguado pelas autoridades competentes.

Com tudo o que tem em mãos (mensagens, áudios e outros registros apreendidos), e diante da possibilidade de interrogar quem estava metido até o pescoço na trama, a Polícia Federal poderá ligar os pontos e, quem sabe, avançar e descobrir que a maquinação para anular o resultado das eleições, prender Alexandre de Moraes e esticar a permanência de Jair Bolsonaro no poder ia bem além dos personagens que já foram mapeados.

Não é trivial que, para além dos militares leais a Bolsonaro e dos conhecidos auxiliares do então presidente, parlamentares em pleno exercício de seus mandatos no Congresso Nacional tenham frequentado o epicentro da estratégia que pretendia subverter a democracia no país.

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