Tarcísio faz o que nenhum governador fez em 22 anos em
SP: usar o PCC no dia do voto
Insinuações de ligações do PCC com candidatos e partidos
fazem parte do embate político nos últimos 20 anos: a diferença agora foi isso
ser tratado pelo governador em uma entrevista coletiva
Era outubro de 2002. O delegado Godofredo Bittencourt
Filho, então diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais
(Deic) havia
acabado de indiciar toda a cúpula do Primeiro Comando da Capital no maior inquérito até
então feito contra a organização criminosa. Pela primeira vez um candidato
petista ao governo de São Paulo disputaria o segundo turno. José
Genoíno ia disputar a eleição contra o tucano Geraldo
Alckmin.
Foi nesse contexto que surgiu pela primeira vez a informação
de que um preso do PCC determinara o voto na candidatura de um petista. A
informação vazou para jornalistas. Mas nem Alckmin nem nenhuma outra liderança
tucana a divulgou em meio a uma entrevista coletiva. O mesmo aconteceu nas
eleições seguintes: as administrações de Cláudio
Lembo e de Rodrigo
Garcia seguiram o mesmo roteiro de Alckmin. Nenhum deles tentou usar
politicamente essa informação contra seus opositores.
Ameaçado de morte pela facção – ele já foi
alvo de três planos que pretendiam executá-lo – o promotor Lincoln
Gakiya esclarece, sempre que perguntado, sobre o tema: presos votam e
sempre escolhem políticos ou partidos de oposição, pois veem nos governos o
“opressor”. Exemplo disso é que o então governador Alckmin, em 2011, teve seu
assassinato cogitado pela facção, o que ficou registrado na megainvestigação
concluída por Gakyia em 2013 e que levou à denúncia de 175 integrantes do PCC.
“Desde a época do PSDB sempre foi assim. Eles (os presos)
também orientam os familiares a votar nesse sentido”, esclarece o promotor. Mas
– e é o que importa – “não houve pedido de voto do político ou contato com os
criminosos”. Mensagens como as citadas por Tarcísio sempre existiram.
Presidiários votam. E decidem em quem votar. Assim, ninguém pode ser
responsabilizado pela escolha do preso. Criminoso seria um acordo entre o
partido ou entre o candidato e os bandidos.
Em 2006, Jorge Bornhausen, então no PFL, e o próprio
Serra quiseram empurrar a crise dos ataques do PCC em São Paulo para o colo do
PT, insinuando ligações entre o partido e a facção. Era a forma de se livrar da
obrigação de prestar contas pelo fracasso das forças de segurança em evitar os
ataques que paralisaram o Estado. O embate político foi duro, mas nenhum deles
usou o PCC no dia da eleição.
Na eleição passada, foi a vez de Sérgio Moro, já senador eleito, tentar a mesma manobra ao
acusar o PT e tentar se apropriar da ordem para transferir a cúpula da facção
para o sistema prisional federal. Acabou desmentido por Gakyia, que sempre foi
avesso ao uso político do combate ao crime organizado, pois entende que esta
deve ser uma luta suprapartidária. “Nos entristece saber que políticos e até um
ex-juiz alterem a verdade para tentar obter algum ganho político dessa
história. No final dessa história fiquei com o ônus da operação, pois o PCC
sabe que sou o ‘único’ responsável por ela e os políticos com o bônus”, disse.
É preciso voltar ao distante ano de 1989 para encontrar um
precedente semelhante ao de Tarcísio. No dia do segundo turno da eleição
presidencial daquele ano, quando Lula concorria com Fernando Collor, os
policiais da equipe do investigador Oscar Matsuo, do Deic, cercaram o
cativeiro onde era mantido o empresário Abílio Diniz, no Jabaquara. O refém foi
libertado e os sequestradores, presos. Eram todos integrantes de grupos da extrema-esquerda: o
ERP argentino, o MIR chileno e as FPL salvadorenhas.
Um delegado resolveu, então, vestir camisetas do PT nos
sequestradores antes de os apresentar à imprensa. Mas o fez sem o conhecimento
do governador Orestes Quércia. O partido e Lula não tinham nenhuma relação com
a turma. Ao seguir pelo mesmo caminho, a instrumentalização para fins políticos
da luta contra o crime organizado, Tarcísio busca colocar a camiseta do PCC na
esquerda. Não é assim que se combate o PCC. Se fosse verdadeiro o vínculo de
Boulos com a facção, o lugar para tal informação estar seria um inquérito e um
pedido de prisão. E não na boca de um governador no dia da eleição.
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