Mais do que evitar levar consigo a culpa por eventuais
derrotas, Lula escapou à armadilha de criar desafetos nestas eleições; já
Bolsonaro, nem tanto
Como costumeiramente ocorre, as eleições
municipais de 2024 não se marcaram pela nacionalização. Nem o
eleitorado vota no município com a cabeça na política nacional, nem os pleitos
municipais antecipam o resultado da subsequente
disputa presidencial. Embora isto seja mais verdadeiro para pequenas e
médias localidades, não deixa de valer para grandes, onde muitas disputas se
resolvem só no segundo turno.
Apenas no caso da eleição para a Câmara
dos Deputados a conquista de prefeituras e cadeiras nas Câmaras
Municipais importa nacionalmente, pois constrói uma rede de articulação
político-eleitoral relevante para candidatos cuja votação (apesar da regra
proporcional do pleito) é primordialmente de natureza local, numa
distritalização informal. Eleições majoritárias de base territorial ampla
—governador, senador e presidente— têm outra dinâmica. Para elas, até ajuda
dispor de uma ampla rede de correligionários implantada localmente, mas está
longe de ser decisiva.
Por isso mesmo, em sentido oposto, o
patrocínio de grandes padrinhos nacionais tem efeito marginal nas disputas
locais. Em certos casos pode até servir de bússola para o eleitor desavisado
saber dos alinhamentos políticos de candidaturas pouco conhecidas; o efeito,
porém, é reduzido. Eis porque a ausência de Lula e Jair
Bolsonaro durante a campanha paulistana foi secundária para a eleição.
Embora de saída fosse mais fácil associar Guilherme
Boulos a Lula do que Ricardo Nunes a
Jair Bolsonaro, depois, mesmo com as vinculações claras, o voto em cada um dos
candidatos obedeceu a outros critérios.
Primeiro, importou mais a avaliação da gestão, centrada nos
temas locais. Nunes nunca foi um sucesso de crítica e público, mas sua
avaliação jamais foi das piores, como revelaram seguidas pesquisas. O Datafolha
divulgado em 24 de outubro mostrava Nunes com 26% de ótimo/bom, 28% de
ruim/péssimo e 45% de regular, números muito próximos aos de levantamentos
anteriores.
Como frequentemente ocorre quando o incumbente disputa a
reeleição, o eleitorado prefere não trocar o certo pelo duvidoso, e a maioria
dos ocupantes do cargo se reelege —até no caso de administrações medíocres.
Esse foi o fator decisivo a favor de Nunes, não o apoio titubeante de Bolsonaro
ou o engajamento intenso de Tarcísio
de Freitas.
Em segundo lugar, conta a rejeição
dos postulantes, especialmente no segundo turno, em que são sobretudo as
rejeições que importam. No caso paulistano, o último Datafolha antes da votação
mostrava que Boulos tinha nada menos que 52%
de rejeição, contra 37% do prefeito. Uma distância de rejeições dessa
magnitude se torna proibitiva para a candidatura mais rechaçada; seria
necessário algo excepcionalíssimo para permitir sua vitória.
Resta agora avaliar o que estas eleições municipais deixam
como saldo para o futuro próximo da política brasileira. Apesar dos resultados
eleitorais em si contarem pouco para a disputa presidencial por vir, o
comportamento dos atores importa. Em São Paulo,
mas também noutros lugares do país, Bolsonaro mais contribuiu para alienar
potenciais aliados do que para os manter a seu lado. Sua vacilação em se
envolver na campanha de Nunes; as menções prioritárias ao vice bolsonarista na
chapa, pondo o prefeito de lado; seu flerte com a candidatura antissistema
de Pablo
Marçal; e, não menos significativo, seu aparecimento repentino quando a
reeleição de Nunes já parecia garantida, querendo aparecer na foto e levantar a
taça sem ter contribuído para a conquista, tudo isso deixa sequelas.
Tal rescaldo do oportunismo e da deslealdade de Bolsonaro
não se resumem a São Paulo. Sua
atuação em Goiânia e Curitiba, atacando aliados e traindo alianças, também
estão registrados. Nisso, Lula foi mais prudente ao se envolver pouco. Mais do
que evitar levar consigo a culpa por eventuais derrotas, o atual presidente
escapou à armadilha de criar desafetos. Já seu predecessor, nem tanto. E 2026 está
logo ali. Nisto, a disputa municipal importa para a competição nacional que
se aproxima.
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