sexta-feira, 13 de setembro de 2019

NÃO EXISTEM SUPER MINISTROS

Raquel Landim, Folha de S.Paulo

Queda de auxiliar de Guedes demonstra que não existem super ministros

Nas histórias em quadrinhos, os super heróis tem visão de raio-X, força extrema e são invencíveis. Na vida real, o “super ministro” Paulo Guedes não percebeu o golpe que o atingiu.

Na segunda-feira (9), o jornal Valor publicou uma entrevista em que Guedes admitia a volta da CPMF. Na terça-feira (10), o ministro fez defesa enfática do imposto a interlocutores ouvidos pela coluna.

Na quarta-feira (11), foi obrigado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) a demitir Marcos Cintra, chefe da Receita Federal e mentor do novo tributo sobre transações financeiras.

Nas conversas anteriores a saída de Cintra, Guedes reconhecia que a CPMF é um péssimo instrumento, porque é cumulativa, incidindo em cascata, e regressiva, já que onera mais os pobres. Ainda assim, o ministro defendia o tributo como alternativa para desonerar a folha de pagamentos e tentar gerar empregos.

O diagnóstico da importância de reduzir o peso dos impostos no custo das empresas com mão de obra é correto. Todos concordam que a pesada carga tributária sobre o trabalho desestimula o emprego formal.

O problema é a administração do remédio, pois a desoneração da folha já foi testada no governo Dilma e não deu certo.

Sem demanda adicional, as empresas não criam novos postos de trabalho. Em tempos de crise, qualquer redução da carga tributária tende a se transformar em aumento de margem de lucro pelas empresas. O que gera emprego mesmo é crescimento econômico.

Guedes parecia insensível aos argumentos contrários e havia encasquetado com o CPMF por causa da sua capacidade de arrecadação em qualquer setor da economia. Dizia isso aos poucos que ousavam contraria-lo.

O titular da Economia falava abertamente sobre a volta do tributo sobre transações financeiras —considerado um tabu no país— porque acreditava que a resistência estava diminuindo.

O tom havia sido ditado pelo próprio Bolsonaro que, depois de negar diversas vezes a retomada da CPMF, passou a admitir a possibilidade desde que houvesse uma contrapartida.

Quando a demissão do chefe da Receita pegou o mercado de surpresa, ninguém entendeu nada. Até que, num tuíte, o presidente fez questão de dizer que era ele que havia decidido dispensar o secretário, passando por cima do ministro.

O voluntarismo de Bolsonaro —que insisti em mostrar autoridade mesmo do leito do hospital onde se recupera de mais uma cirurgia— é um dos problemas de Guedes. O outro é a inchada estrutura do seu super ministério.

Pessoas que acompanham a máquina pública de perto dizem que muita coisa fica parada à espera do ministro. E que esse seria um dos motivos do Executivo estar a reboque do Legislativo na reforma tributária. O governo ainda nem apresentou sua proposta e já circulam três outras alternativas no Congresso.

Interlocutores de Guedes acreditam que ele não desistirá do imposto, mas, pragmático, vai recuar e aguardar um momento mais adequado. Aliás, já fez isso na reforma da Previdência, quando a resistência do Congresso acabou com o sistema capitalização que tanto defendia.

Guedes ainda é de suma importância para Bolsonaro, porque, desde a campanha, o “posto Ipiranga” se tornou o fiador do governo junto ao mercado. Todavia, como a constante fritura do titular da Justiça, Sérgio Moro, demonstra, super heróis ou super ministros só existem na ficção.

Raquel Landim
Jornalista especializada em economia, é autora de ‘Why Not’, sobre delação dos irmãos Batista e a história da JBS.
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário