A decisão de Jair Bolsonaro de deixar
o PSL para fundar
a “Aliança pelo Brasil” pode ser tudo, menos irrefletida. Se o troço
vai dar certo, aí é outra coisa. Há, sim, um pensamento e uma leitura da
política em sua escolha. Está longe, pois, de ser maluquice. Sua “Aliança do
Atraso para o Futuro”. O Brasil está a clamar pela vanguarda do retrocesso.
Observem que o Congresso aprovou uma reforma da Previdência
bastante robusta sem que o presidente precisasse investir uma única vez na
pacificação política.
Ao contrário: nos quase 11 meses de governo, ele e a
filharada apostaram no confronto: com o Parlamento; com os respectivos
presidentes das duas Casas Legislativas; com parte dos generais da reserva que
chamou para compor o governo; com a imprensa; com a sua própria base de apoio;
com o bom senso...
A reforma demorou mais do que o necessário, mas saiu. No dia
da homologação, Bolsonaro não deu as caras. Estava reunido com a parte do PSL
que pretende segui-lo na nova legenda, cujo primeiro manifesto veio à luz. A
Aliança “é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair
Bolsonaro”. Nem Getúlio se atreveu a ser dono do PTB. Demos à luz o caudilhismo
do Twitter, dos “bots” e das fake news.
Paulo Guedes já encaminhou a reforma
do Estado ao Congresso e logo chegará a administrativa.
Mais uma vez, mesmo sem ter uma base de apoio organizada, é razoável a chance
de que passe muita coisa.
Parte considerável dos deputados e dos senadores assumiu a
agenda reformista, que conta com o apoio unânime da imprensa —um ativo,
note-se, que o presidente não contabiliza no seu contencioso com o jornalismo.
A maioria do Congresso tomou para si as reformas porque
chegou à conclusão de que o presidente é meio destrambelhado. E o presidente
pode continuar meio destrambelhado porque, afinal, o Congresso tomou para si as
reformas. Entenderam? A rigor, Bolsonaro não governa. Ele é uma espécie de
blogueirinho a excitar a fúria dos inconformados com “isso daí”.
O que, no Poder Legislativo, não é reforma é pregação
reacionária. E independe do presidente. É um mal original. Vejam, por exemplo,
a militância em favor da violação da Constituição no caso do trânsito em
julgado, pauta abraçada também por setores expressivos da imprensa. Isso
evidencia a capacidade que ainda conserva a Lava Jato, cujo chefe segue sendo
Sergio Moro, de pautar o debate.
Ora, Bolsonaro foi convencido, e não sem razão prática, de
que não pode se tornar um “insider” da política. A força da sua postulação está
justamente em se apresentar como alguém de fora, com vocação disruptiva, que
não cede a esquemas. É falso, mas tem sido verossímil.
Enquanto isso, Guedes segue encantando serpentes com seus
“40 anos em 4”, propondo que se cobre Previdência do seguro-desemprego para
gerar empregos e falando em zona
de livre-comércio com a China...
Notem: Bolsonaro
não precisa do PSL para governar. Vivemos, em muitos aspectos, sob os
auspícios de um parlamentarismo informal. Por que ele não pode, desde já, dar
curso aos esforços para se reeleger? Eu também avalio que suas chances são
maiores se estiver liderando a tropa de elite dos puros —a elite e a pureza
bolsonaristas, bem entendido...
Que papel, então, está reservado ao presidente? O primeiro
manifesto do partido vindouro responde: “Nossa Aliança se dirige a
abrigar essa grande maioria de brasileiros e brasileiras que clamam por uma
nova ordem de referências éticas e morais”. Vigarice intelectual e
papo-furado? É óbvio que sim! Compatível com os sofisticados que querem
estuprar o Artigo 5º. É a Aliança do Atraso para o Futuro.
Lula livre ajuda o presidente a reunificar a tropa e tira
potência de seus adversários na direita, mas também devolve à equação uma
parcela da população que até agora não foi contemplada pelo
guedismo-bolsonarismo e que não cabe no manifesto da “Aliança pelo Brasil”.
Além de Lula, o Congresso seria a outra força capaz de
desarrumar o jogo de Bolsonaro. Bastaria devolver ao presidente a tarefa de
governar. Mas isso não vai acontecer. Os mordomos invisíveis continuarão a
administrar a casa.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
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