Este domingo será um teste interessante para o bolsonarismo.
Grupos que apoiam Jair Bolsonaro e tiveram um papel importante no impeachment
de Dilma Rousseff, na campanha presidencial de 2018 e, neste ano, ao levar
pessoas às ruas em defesa de pautas do governo, convocam para hoje uma
manifestação pelo impeachment de Gilmar Mendes. E poucas pautas poderiam ser
mais inconvenientes para o “mito” dos organizadores do que esta. E aí reside a
contradição suprema do governo Bolsonaro, aquela que pode ser sua kriptonita.
A pregação anti-instituições e a campanha sistemática contra
os demais Poderes, tendo as milícias virtuais como exército, são da essência do
projeto bolsonarista de poder, todo ele calcado no culto à personalidade do
líder e de sua família barulhenta.
Acontece que cedo demais, já na transição, o filho 01 saiu
do meio dos moralistas de ocasião em que o bolsonarismo calcou seu discurso
para cair no noticiário da mais velha política: seu assessor Fabrício Queiroz,
amigo da vida toda do patriarca Jair e faz-tudo dos gabinetes da família,
surgiu em movimentação financeira para lá de atípica a partir de um relatório
do Coaf. A partir daí descortinou-se um cenário de funcionários fantasmas,
muitos ligados à milícia carioca, depósitos de assessores na conta de Queiroz,
transferências deste para a conta da primeira-dama, Michelle, saques em
dinheiro de Flávio e toda sorte de práticas seguidas de explicações furadas –
empréstimos não declarados no Imposto de Renda, supostas transações com carros
e até a admissão de que se recolhia dos funcionários dinheiro para as campanhas
de Flávio.
Do jeito que a coisa ia, o caso do filho ameaçava dragar a
família presidencial para um escândalo do tipo em que uma informação puxa outra
mais desconcertante e difícil de justificar. Até que, em julho, uma liminar de
Dias Toffoli paralisou não só o caso Queiroz, mas todas as investigações a
partir de relatórios do Coaf sem autorização judicial.
Pane na cabeça da militância bolsonarista: como assim? O até
então inimigo Toffoli, do até então combatido STF, passou a ser o fiador da paz
política da família Bolsonaro. E seguiu-se no entorno do presidente um silêncio
ensurdecedor em relação a tudo que partisse do Supremo: inquérito que tudo
pode, possibilidade de anulação da sentença de Lula, fim da prisão em segunda
instância.
Mas como esse tipo de contradição costuma gerar
curto-circuito mesmo em robôs fidelizados, uma parcela da tropa não aceitou o
“caladão” e continuou a campanha pelo “fora Gilmar” (autor de uma liminar que
reforçou a blindagem a Flávio) e “fora Toffoli”. Este domingo será o teste, que
ocorrerá justamente às vésperas de o plenário da Corte analisar o mérito da
liminar que sustou as investigações do Coaf (hoje UIF) e da Receita.
O tamanho dos atos e a presença ou não de bolsonaristas de
carteirinha – como a deputada Carla Zambelli, ligada ao movimento Nas Ruas, que
está à frente das mobilizações – mostrará se a ordem unida pelo silêncio antes
de decisão tão importante para a família presidencial foi respeitado.
De toda forma, a cizânia no antes monolítico movimento
bolsonarista – que se dá nas redes e também na implosão do PSL e dissidência
rumo à ultrarreacionária Aliança pelo Brasil– é evidente e tende a se
aprofundar quanto mais ficar claro que todo o apelo moralista da nova política
não resiste à contraposição com a história de Bolsonaro, que fez da política um
negócio familiar, à custa do qual construiu um patrimônio milionário e cujas
ramificações ainda podem vir à tona. Neste momento, mais do que nas ruas, a
faca e o queijo estão nas mãos do Supremo Tribunal Federal, de novo.
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