Confesso que tive certa dificuldade para intitular este
artigo, pois não sei quem está mais desorientado: a aliança que Bolsonaro
pretende criar ou o país que ele tenta liderar. A ideia, de todo modo, nasceu
do logotipo do novo partido, Aliança pelo Brasil. Embora ele tente retratar uma
aliança em verde e amarelo — aliança no sentido de anel de dedo —, creio que,
inadvertidamente, os responsáveis pela criação do logotipo tenham esbarrado em
um objeto matemático curioso. O logotipo da Aliança pelo Brasil, para quem não
viu, é um círculo retorcido que causa espécie de ilusão de ótica — como se
passa do lado verde para o lado amarelo? Eis aí o primeiro problema: o símbolo
escolhido pelos artistas gráficos é um objeto matemático que tem duas
dimensões, mas apenas um lado.
Como pode? Peço aos leitores a paciência de fazer deste um
artigo interativo. Peguem, por favor, uma folha de papel. Pode ser de qualquer
cor, mas sugiro uma folha branca. Cortem uma tira de mais ou menos dois
centímetros de largura. Com a tira em mãos, façam uma meia torção — reparem, só
uma meia torção, isso é muito importante. Feita a meia torção, colem os dois
extremos da tira um no outro. Se as instruções foram seguidas corretamente,
vocês agora terão em mãos objeto conhecido como a fita de Möbius — Möbius é
August Ferdinand Möbius, o matemático e astrônomo que a inventou em 1858.
Reparem: embora o pedaço de papel que utilizaram para fazer a fita tivesse dois
lados, o objeto fabricado tem apenas um. Não acreditam? Então tentem desenhar
uma linha dos dois lados da fita sem retirar o lápis ou a caneta do papel.
Impossível, certo?
Caso tenham tido alguma dificuldade com a tarefa proposta ou
simplesmente lhes tenha faltado a paciência, há outra forma de constatar que a
fita de Möbius tem apenas um lado sendo um objeto bidimensional. Deem uma
olhada na gravura de M.C. Escher, aquela das formigas vermelhas caminhado sobre
algo que parece uma grade no formato do infinito — a gravura sobre a qual me
refiro chama-se Möbius Strip II . As formigas andam, andam, mas não saem do
mesmo lado jamais. É irresistível pensar nos membros do novo partido de
Bolsonaro como essas formigas: todos haverão de ter um lado só. Como é o Brasil
hoje, país de um lado só, pois, se você pertence a um deles, o outro não existe,
tamanho o desprezo que você sente por ele.
Há outra curiosidade sobre a fita de Möbius que
inevitavelmente nos leva ao partido de Bolsonaro: ela é “não orientável”. Na
matemática, ser “não orientável” significa que o objeto carece de direção
vetorial — vejam as formigas: independentemente da “direção” que elas tomem
sobre a fita, estarão sempre de um lado só e sempre cruzarão o ponto de
partida. Na política, ser “não orientável” significa não ter capacidade para se
orientar, ou seja, é ser desorientado. Portanto, ao que parece, o partido de
Bolsonaro já nasce desorientado não apenas por não ter qualquer articulação
clara de ideias ou agendas, tal qual o próprio presidente, como também pelo
logotipo que escolheu. Pelo visto, inconscientemente.
Claramente, o multipartidarismo e a fragmentação têm
frustrado as expectativas da sociedade brasileira, levando a uma perigosa
descrença em relação à política. Que tal descrença hoje esteja generalizada
mundo afora não é motivo para que não tratemos dela refletindo sobre os motivos
que levam as pessoas a se ater mais à personalidade de determinados políticos
do que aos partidos e às propostas que eles deveriam representar. Sem essas
reflexões e alguma ideia para uma solução, permanecerão os brasileiros também
como as formigas de Escher: caminhando unilateralmente sobre uma fita de Möbius
sem chegar a lugar algum.
Creio que a disposição para tanto esteja próxima do
esgotamento, a julgar pelo que está acontecendo no resto da América Latina.
Afinal, se o Chile está em convulsão mesmo com uma economia que cresce em ritmo
razoável, o que dizer do absurdo desempenho da economia brasileira, que todos
teimam em chamar de recuperação? Recuperação com 11,8% de desempregados e um
monte de subempregados? Recuperação com um governo que inventa medidas em nome
da criação de empregos sugerindo tributar os benefícios daqueles que estão
justamente desempregados?
Ao que parece, Paulo Guedes nem precisava conhecer o
logotipo do partido de Bolsonaro. Já encontrara a fita de Möbius sem precisar recorrer
a qualquer artista gráfico. Só há um lado em sua agenda, só há uma borda em
suas propostas. Pouco importa o tamanho das dimensões, tampouco as dimensões do
tamanho.
*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e
mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do
Peterson Institute for International Economics
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